• DEIXE QUEIMAR • [capítulo 5]
Domenico mantém a mesma fachada séria que vi em seu primeiro dia, mas seus olhos seguem voltando para mim. Talvez seja minha mente paranoica achando que cada olhar em minha direção seja de pena, ou talvez realmente seja já que Domenico viu o estado em que fiquei alguns dias atrás, enquanto me levava de volta para casa. Porém, agora, há um óculos escuro que me impende de ler sua expressão. Melhor assim. Desde que Papa fritou minha mão no jantar dos Benedetti, eu tenho o evitado com desculpas aceitáveis. Dessa vez, ele me trancou em casa por apenas um dia, mesmo que tenha deixado uma marca visível em minha mão. Papa é um homem calculista em quase todos os âmbitos da sua vida, até quando suas mãos me punem ele sabe bem os lugares que pode me marcar. Então, quando pedi permissão para ir à comunidade, houve um tratado tácito entre nós. Eu poderia sair desde que eu também mentisse sobre a causa da minha lesão. Para minha sorte, eu me tornei boa em mentir quando o assunto era Papa e seus machucados.
O carro para em frente a uma das casas coloridas da zona leste. A parte mais pobre da Famiglia mora nessas casinhas, dos funcionários da fazenda aos empregados das casas. Comecei a vir aqui depois que Papa demitiu Giulia e a expulsou da mansão, um dos piores momentos da minha vida. Como ex-funcionária dos De Santis, Giulia foi proibida de trabalhar como babá em outra casa, rebaixada para servir como faxineira, obrigada assim a não manter qualquer contato duradouro com outra menina, assim como foi comigo. Sinto-me culpada por isso, mas também sei que Giulia não aguentaria continuar conosco.
Quando abro a porta do carro, ela já está me esperando. Giulia Silva Barone é uma mulher pequena, de cabelo ruivo pintado, com braços cheios e gordinhos, e um imenso coração. Ela passou boa parte da sua vida cuidando de mim, o que a impediu de ter sua própria família. Para minha felicidade, aos 48 anos, Giulia tinha encontrado seu amor fora da Máfia, com Pedro, um dos jardineiros da casa que atualmente ela trabalhava. Foi com ele que ela aprendeu a realmente se dedicar à sua própria vida. Hoje, os dois estão me esperando para lanchar.
Assim que desço do carro segurando as sacolas que eu trouxe, Domenico intercepta.
— Eu carrego, senhorita.
Ele as tira das minhas mãos, evitando encostar no curativo. Antes que possa agradecer, Giulia já está me abraçando.
— Figlia mia, faz tanto tempo que não te vejo. Dê um abraço em sua Giulia, sim? – ela beija minhas bochechas três vezes e me abraça mais uma vez - Como está minha bambina? An? Venha, entre, Pedro está lá dentro, esperando.
Ela aponta para Domenico quando o vê:
— Você também, figlio, para dentro. E desde quando ele é seu motorista? Da última vez, foi aquele cacarmano mal encarado que a trouxe, não foi? Julio, isso. O maledetto ainda reclamou da minha comida!
Ela aperta os meus braços, enquanto me puxa para dentro da casa: — Pelo menos, esse é mais bonito, figlia.
Olho para Domenico sorrindo e confirmo: — Sim, Giulia, ele é.
Ela ri e apalpa meus ombros. Somos recebidos por Pedro, que já está arrumando a mesa, uma garrafa de café nas mãos e um pano de prato sobre o ombro.
Ele me cumprimenta e aponta uma das cadeiras em sua pequena cozinha: — Senta aqui, filha, as bolachas de nata estão quase prontas. Aqui... – ele enche a xícara com café – eu preparei um bom café brasileiro, do jeito que você gosta.
Assim que bebo, ele me olha, um sorriso esgueira detrás de seu bigode grosso.
— O melhor café de todos! Coloque para Domenico também, ele precisa experimentar seu café, Pedro.
Giulia e Pedro riem quando Domenico se vê obrigado a aceitar. Depois de terminar de arrumar a mesa, os dois homens continuam em pé, com Domenico um pouco mais confortável enquanto Pedro o entretém com conversa fiada. Giulia senta ao meu lado, me fazendo experimentar cada biscoito de queijo, bolo e bolacha de nata da mesa. Como de costume, ela me faz um questionário extenso: como eu estava? Se estava comendo bem? Se tinha começado minhas aulas? Como andava as coisas em casa?... Minto em todas, mas vacilo na última. Giulia então pega em minha mão machucada e analisa o curativo. Ela não me diz nada, mas me sinto obrigada a acalmá-la.
— Não foi nada, Giulia... Matilde me disse para chamá-la quando precisasse dela, mas você sabe que não gosto de incomodar. Acabei queimando minha mão no fogão – falo na defensiva – Só isso.
Ela assente, mas seus olhos me dizem que não acreditou. Então mudo de assunto:
— Lauro está em casa esse domingo? Eu trouxe algumas coisas pra ele também.
— Sim, figlia. Sonia teve problemas com Micaela hoje de manhã, ele teve que vir.
Meu coração se parte um pouco por Sonia e Lauro: — Eu o vi na fazenda na sexta, mas ele não me disse nada sobre Micaela. Ainda bem que Doutor Sávio me deu a receita pra comprar os remédios.
Com 14 anos, Micaela sofre de asma grave. Seu pai, Lauro, trabalha há muitos anos na fazenda, mas mesmo assim não recebe um salário bom o suficiente para pagar o tratamento e os remédios de sua menina.
— Sim. Uma bambina como ela merecia ter uma vida boa e tranquila. Ainda bem que eles têm você e Doutor Sávio, num é?
Seu sorriso é amoroso, um dos poucos que ainda recebo.
— Nessa vida, quem das nossas mulheres tem, não é minha menina? Mas você ainda vai conseguir um bom homem pra você, Luna, para te levar pra longe de tudo isso. Assim como eu.
Assinto e pego suas mãos nas minhas. Estranhamente, aqui, na casa antiga e amarela, com Giulia ao meu lado, eu me sinto mais em paz.
Depois de ser paparicada por Giulia e passar uma boa parte da tarde visitando Lauro e sua família, decido que mereço um momento a sós antes de voltar para casa. Por isso escolho passar na padaria italiana mais tradicional do mooca e levar alguns de seus pães recheados. Quando estou para voltar, a visão que tenho compensa ainda mais minha decisão. Domenico está encostado no carro, em uma das mãos ele segura um cigarro e na outra um copo de café da garrafa que Pedro fez questão de me dar. É tão clichê que eu quase rio. Quase. Mas isso estragaria minha chegada surpresa e a única coisa que eu quero agora é apreciar a vista.
Todo o seu charme está escondido atrás de seus óculos de sol. Sua postura é toda máfia, mesmo sendo meu motorista. Sei que atrás dessa fachada despreocupada que ele tenta fingir, tem um homem bem diferente, um que carrega uma arma calibre 44 em seu terno bem cortado. Faz um tempo, um tempo bem longo, que um homem chama minha atenção. E aqui está um, seu cabelo grisalho, sua boca bonita, seu nariz torto. Ele é todo homem, de uma forma diferente de Vincenzo, mais maduro. Claro, ele é uns bons 20 anos mais velho do que eu, mas não me importo nenhum pouco. Depois de perder minha dignidade, dia após dia, meu medo acabou se tornando minha maior valentia. Como hoje, posso sentir minha coragem inflar de volta. Parte disso vem da energia e carinho que Giulia e Lauro me trouxeram. Mas a outra parte? Está bem na minha frente.
Atravesso a rua com passos lentos, mas sei que ele nota minha presença. Antes que ele possa se desfazer do cigarro e assumir seu papel, chego perto e aponto.
— Posso?
Pego o cigarro com minha mão boa, fazendo questão de encostar na sua. Gostaria de saber se seus olhos se dilatam da mesma forma que os meus assim que dou a primeira tragada.
— Senhor De Santis... – ele tira os óculos e me olha.
— Não se importa – solto mais um pouco de fumaça – Não é mesmo?
Cruzo meu braço sob o peito e isso só deixa em evidência minha mão machucada, nos lembrando do que Papa é capaz de fazer. E uma parte de mim também sabe que Domenico não contaria para ele. Por mais que mantenha sua cara fechada e tudo profissional entre nós, sei que ele não contaria. Se ele não contou nem sobre Vincenzo... E hoje preciso mais do que esse segredo entre nós. Trago mais uma vez, assim como Gianne me ensinou. Não gosto tanto do gosto, mas o cigarro é mais uma liberdade do que qualquer outra coisa. Uma pequena rebeldia que ainda posso lidar.
— Nenhum discurso de como o cigarro pode me matar? – tento puxar assunto enquanto encosto-me ao carro, ao seu lado.
Sua boca repuxa um pouco de lado quando responde: — Nós dois sabemos que há coisas mais perigosas em sua vida que um cigarro.
Não deixo a ironia desse comentário passar. Com um gesto, ele me pede e eu passo o cigarro. Assim que sua boca traga, outra parte em mim aperta, como se esse toque entre sua boca e a minha nos conectasse. O que é uma besteira total, mas de alguma forma isso me desperta. E é a melhor sensação de todas.
— Boas?
— Ahn? – sua pergunta me confunde.
— As rosquinhas... – ele aponta para minha sacola, segurando o cigarro entre os dedos – estão boas?
Posso sentir minhas bochechas corando um pouco pela minha ingenuidade ou a falta dela.
— As melhores! – antes que esse nosso primeiro momento de intimidade acabe e minha coragem se vá, eu abro a sacola e pego uma das roscas enroladas no papel manteiga.
Assim que entrego a rosca, ele aceita e com a maior naturalidade do mundo, morde um pedaço.
— Boa?
Ele não me responde, apenas morde outro pedaço em reposta, seus olhos na rua. Num impulso, agarro seu pulso e pego com a outra mão um pedaço. Ele nem se assusta com minha atitude, apenas me olha.
— Não tinha outra aí sem ser a minha?
Também não respondo, apenas como o pedaço e chupo o excesso de leite condensado dos meus dedos. Seus olhos lutam para não baixarem até minha boca, posso sentir, e o momento se estende mais do que devia. Olhe, eu oro, me dê pelo menos isto.
O toque do seu celular nos interrompe. Ele come o último pedaço da rosca antes de olhar a tela do celular. Seja o que for que ele leu, parece o pegar desprevenido. Domenico bebe o restante do café e apaga seu cigarro o jogando no chão.
— Hora de ir, senhorita Luna.
Seus olhos não estão mais em mim e sim na rua ao nosso redor. Seus óculos voltam para o lugar e sua postura também. Uma bola fria se aloja em meu estômago apagando qualquer resquício do que estava queimando entre nós. Sei que é o melhor. Sei e nem me recinto. Por um momento, me senti viva, e ele me fez sentir isso.
Um dia ainda o agradecerei por isso. Não sei como, mas sei que nós dois vamos gostar.
Quinto capítulo veio com tudo! Um pouco da rotina da Luna e como ela lida com tudo depois dos abusos do Pai (embuste). E, sim, Domênico veio que veio deixando a Senhorita Luna bem doidinha por ele. O que vocês acharam disso? Quero saber! Shippa ou não shippa? HAHAHAA
E não se esqueçam: deixe sua estrelinha, adicione Hereditário na sua biblioteca e me segue no wattpad! Até a próxima, mafiosxs!
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