7 | Arrancar o band-aid
Acordo ao lado de Phillip, com meu braço envolvendo seu corpo e minha cabeça aconchegada em seu ombro. Respiro fundo e sinto seu cheiro, que de alguma forma consegue ser forte, masculino e doce ao mesmo tempo. Meu coração erra uma batida e respiro fundo para ignorar tudo isso. Me levanto da cama e visto minha roupa, pronta para mais um dia de trabalho. Estou saindo do quarto quando ouço sua voz.
— Obrigado Senhora — ele diz ainda de olhos fechados.
Não consigo responder, não consigo fingir que não sinto nada. Apenas saio a passos apressados, fingindo que não o ouvi. Vou para meu quarto e tomo um banho demorado deixando que a água lave todos os pensamentos presos em mim, me visto e saio para o trabalho, a mansão ainda está em silêncio quando parto em meu carro.
Chego a loja antes de Ruby, por algum milagre — talvez o fato de eu ter afundado meu pé no acelerador toda vez que meu coração começava a bater mais forte, toda hora que eu começava a pensar em Phillip.
— Você chegou cedo, o que aconteceu? — Ruby pergunta quando estaciona o carro ao lado do meu, 15 minutos mais tarde.
Estendo a ela um copo grande de café gelado e uma caixa com rosquinhas, compradas no meio de um impulso nervoso, enquanto esperava ela chegar, ansiando que o açúcar fizesse minha mente viajar para outros rumos.
— Não aconteceu nada — falo apressada e ela franze o cenho — eu só… Acho que estou me apaixonando — revelo e solto um suspiro.
Não costumo me abrir assim com as pessoas, mas não é como se eu tivesse mais alguém. Matthew me afastou dos meus antigos amigos e minha família está toda no cemitério. Não sobraram muitas opções.
— Vamos entrar e você vai me contar tudo. Só espero que não cite o nome daquele homem, Agatha, ou não respondo por mim — Ruby diz e abre a porta loja.
Vamos até os fundos, o letreiro ainda apontando como “fechado” Ruby toma um longo gole do café e se senta em frente a mim, esperando que eu conte todos os meus segredos. Ao invés disso, dou uma mordida em uma rosquinha com cobertura de chocolate.
— Não temos a manhã toda, Agatha, ao menos me diga que não está falando do salafrário que você estava noiva.
— Não estava falando dele — revelo e então, como se eu tivesse retirado algum tipo de trava, as palavras apenas começam a escorrer da minha boca — conheci um cara, temos nos envolvido e as coisas têm ido tão bem que eu… Não sei, comecei a me apegar.
— Quem é esse cara? — Pergunta ela com a testa franzida.
— Ele é... Um funcionário na casa do meu tio. — Falo, evitando contar os detalhes sobre minha herança e o falecimento do tio Edmund.
— Ele é solteiro? Maior de idade?
— Sim, claro… Que droga, Ruby, eu acabei de ser traída, não ia me envolver com um cara casado e não sou o tipo de gente doida que se envolve com uma criança, Ruby. Pelo amor de deus — respondo horrorizada.
— Certo, Agatha, então não entendo. Vocês estão saindo, ele é solteiro e você também. Ele é maior de idade e você também. Qual o problema em se apegar um pouco?
— Ele… Não quer um relacionamento.
— Ele disse isso para você?
— Sim, na primeira vez que… Saímos.
Foi isso que Phillip disse, certo? No meio de todo aquele papo sobre BDSM, ele disse que não queria um relacionamento e que BDSM não era sobre isso, certo?!
— Você tem duas opções — Ruby diz e se aproxima — você pode ver onde isso vai dar, os sentimentos dele podem mudar afinal de contas, mas se isso acontecer… O quanto ele não quer um relacionamento? Avalie se realmente vale a pena tentar mais, porque você pode acabar apenas se machucando.
Ela faz uma pausa e eu aceno com a cabeça.
— Você pode também abrir o jogo com ele caso ache que tem alguma chance disso rolar. A segunda opção é simples, se ver que isso vai te causar dor no futuro, tire o band-aid de uma vez e se afaste. Se você está apaixonada, vai sempre ter uma expectativa, sempre torcer para um avanço nessa relação e isso só vai te trazer mais dor. Precisa ser honesta consigo mesma, quando pensa em vocês dois, num futuro a longo prazo… Consegue imaginar vocês como um casal de verdade?
Ela deixa a pergunta no ar e meu coração se parte com a honestidade dela.
— Claro, que nem tudo é preto no branco. Eu e minha esposa, passamos por algo parecido… Ela se apaixonou, mas estava num relacionamento com um cara. Saímos algumas vezes como amigas, mas acabou rolando uma química forte entre nós duas… Depois de algumas saídas, estávamos num bar e nós nos beijamos, acordei no outro dia, com o cabelo dela espalhado pela minha cara, o corpo dela nu enroscado no meu e o namorado dela ligando. Ela simplesmente se vestiu e foi embora, atrás dele. Claro que eu não conseguia ver um futuro para nós duas, então me afastei, disse que não podia continuar com isso, que não era certo, não seria uma amante.
Ruby faz uma pausa e toma um longo gole de café antes de continuar.
— Ficamos meses separadas, foi muito difícil para mim no começo, mas eu sabia que se continuasse com aquilo seria ainda pior. Um dia ela me ligou, pediu para me ver, queria conversar. Acabei indo e quando cheguei la ela me disse estar solteira. E apaixonada por mim. Estamos juntas há quase cinco anos agora. Ele não está em um relacionamento, Agatha, ele pode mudar de ideia, mas também pode nunca mudar e você apenas sofrer. Você tem que pesar isso.
Passo o resto do dia pensativa, em dúvidas sobre tudo o que Ruby disse. Quando a loja fecha e finalmente faço o caminho de volta chego a conclusão, eu e Phillip não temos um futuro, mas isso não importa no momento. Ainda que Ruby tenha dito que é bom arrancar o band-aid de uma vez, ela também disse sobre nada ser preto no branco. Por enquanto, não preciso que Phillip me ame de volta e vou mantê-lo enquanto eu conseguir olhá-lo sem doer.
Entro na mansão e os funcionários parecem agitados, procuro por Phillip durante algum tempo, mas não o encontro. Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens no mesmo segundo em que olhos parecem me encarar. Levanto meu olhar, esperando ver os olhos redondos e puxados de Phillip. No lugar dele encontro os olhos castanhos frios de Ísis. Meu sorriso morre em meus lábios.
— O que faz aqui? — pergunto para ele de forma quase agressiva.
— Agatha, minha querida, tive um problema no lugar em que eu estava ficando. Estarei aqui por algumas semanas, sabe, esse lugar ainda é minha casa a final de contas.
— Achei que havíamos concordado que este lugar não é mais a sua casa Ísis. Não pode simplesmente vir aqui e fazer o que quiser.
— Eu… Não tenho para onde ir.
— Isso não é problema, meu Ísis. — Levanto a voz.
— Não vou deixar que me expulse da minha própria casa, Agatha. Sinto muito se isso te incomoda, mas até onde sei, tinham cláusulas no testamento. Esse lugar ainda não é seu, então não haja como proprietária de algo que é de outra pessoa.
— Se esse lugar não é meu, muito menos é seu. É o meu nome que consta no testamento, afinal Ísis. Pare de fazer uma cena e saia da minha casa.
— Esse lugar nunca vai ser sua casa e não sairei. Tenho o direito de permanecer aqui Agatha. Goste disso ou não e se continuar a me questionar na minha casa. Vai ver o que posso fazer.
— Está me ameaçando agora?
— Entenda como quiser — antes que eu possa responder, ela vira as costas e pega uma chave no bolso.
Sigo Ísis com os olhos, enquanto ela entra no antigo escritório do meu tio e fecha a porta atrás de si. Por que ela ainda tem a chave do escritório? Por que ela está aqui? Preciso ligar para o advogado amanhã e descobrir se ela realmente pode permanecer por aqui, então expulsá-la se for preciso. Não deixarei suas palavras me meterem medo.
Sigo até as cozinhas, chamando os funcionários por quem passo no caminho. Quando chego peço para que alguém chame todos que não encontrei.
— Senhorita, todos os funcionários estão aqui, com a exceção de Phillip que não tive o poder de encontrar. — O homem diz.
Ergo o olhar e quase 30 pares de olhos me encaram de volta. Precisamos realmente de todos esses funcionários? Eu conseguiria demitir qualquer pessoa que trabalhava para o meu tio? Me questiono. Respiro fundo e em seguida levanto a voz.
— Ísis alega que não tem para onde ir e insiste em passar alguns dias nesta casa. Mas, quero deixar bem claro que nenhum de vocês tem responsabilidade ou qualquer tipo de dever com ela. Sendo assim, façam seu serviço e evitem realizar qualquer capricho da parte dela… Ela não é uma moradora dessa casa e também não é uma convidada. Não a tratem como se fosse. Se ela ou qualquer um questionar quem deu ordens para deixar que ela faça as próprias coisas, digam que fui eu e que ela se resolva comigo. É isso, muito obrigada, podem voltar aos seus deveres.
Quase me perco no meio do discurso, quando vejo-o se aproximar e preciso me concentrar. Não tiro meus olhos dos seus, do momento em que ele chega até o momento em que ficamos praticamente sozinhos.
Meu coração acelera a cada passo que dou para perto dele. Minha boca seca com vontade de beijar a sua. Meus dedos imploram por tocar sua pele.
— Você sumiu outra vez.
— Estava no labirinto… Senhora.
— Gosto de te ver quando chego, Phillip. — Digo e me arrependo das palavras na mesma hora.
— Eu nunca sei a que horas chega, Senhora — responde ele de uma forma que soa rancorosa, não entendo o motivo.
Respiro fundo e olho para ele, me aproximando um pouco mais. Apesar da gola de sua camisa posso ver as marcas em seu pescoço, sinto um arrepio percorrer pela minha pele e meus batimentos se aceleram.
— Vim buscar meu jantar — Ísis diz e encara nós dois com uma carranca — estou interrompendo?
— Agora preciso dar satisfação das minhas conversas com meus funcionários numa casa que é minha Ísis? Está abusando da sua sorte. E faça a droga do seu próprio prato, ninguém está aqui para servir você — digo para a mulher e pego Phillip pelo braço — vamos Phillip, precisamos conversar e pelo visto é necessário fazermos isso em outro lugar.
— O que é isso no seu pescoço Alferez? Um bicho te picou ou teve uma noite animada? — Ouço Ísis perguntar conforme saímos. Fecho a porta da cozinha antes que Phillip tenha oportunidade de responder.
Arrasto ele até uma sala fechada no primeiro andar. Só percebo que é a biblioteca quando os livros abarrotando as estantes me encaram. Respiro fundo e fecho a porta atrás de mim.
Menos de um segundo depois tenho minha boca mordendo os lábios de Phillip, minhas mãos em torno do seu pescoço e meu corpo pressionado ao seu. Estou ofegante quando me afasto.
— Não podemos continuar com isso enquanto Ísis estiver aqui Phillip. Não gosto dessa mulher e ela me ameaçou, não posso correr o risco de que… — Ela faça algo com você. Me impeço de dizer — acabe cumprindo suas ameaças, ela notou nossa... proximidade. Não podemos continuar.
— Foi um beijo de despedida? — Ele pergunta me encarando com olhos cheios de… Do quê? Decepção? Tristeza? Dor?
— Só enquanto ela estiver aqui, Phillip — não posso deixar que ela use você para me atingir, penso.
— Tudo bem, jovem senhora — ele diz e se curva de modo formal — não causarei problemas a você.
Phillip sai da biblioteca antes que eu possa responder. A porta bate num baque atrás dele. Meus joelhos vão ao chão, as lágrimas rolam por meus olhos. Meu peito dói e meu coração parece ter se partido em um milhão de pedaços doloridos.
Ruby tinha razão, talvez seja melhor assim, porque se agora que estamos no começo disso, sinto parte de mim se desfazer em meu peito, como seria se eu tivesse vivido na expectativa e no anseio por mais, durante — quem sabe — anos até o final derradeiro.
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