Capítulo 3 - Recomeços ♡
Tudo novo a partir de hoje; cidade nova, emprego novo, apartamento novo — talvez nem tanto. De qualquer forma, eu poderia me reinventar agora, ir atrás das coisas que sempre sonhei e pareciam impossíveis. As férias em Lovedale foram proveitosas, o prefeito inusitado é fã de sorvetes de casquinha e eventos sociais, no entanto, a calmaria de lá não era o bastante para a minha inquietude; as luzes das metrópoles e os arranha-céus sempre detiveram meu fascínio. Neste momento, ouvindo a Dona Lúcia citar em ordem decrescente todos os contatos de emergências apenas sorrio com o exagero comum de mães super-protetoras.
— A vida era mais fácil quando você era uma garotinha que dançava Rebelde na sala com as suas amiguinhas — exasperada, ela deixa nítido as suas aflições maternas, sem desviar a atenção do trânsito. — Kal, você sabe que pode morar conosco até se casar, por que se mudar agora?
— Mamãe... — resmungo e me ajusto no banco do carona, enquanto uma música da Whitney invade meus ouvidos, arrepiando os pelinhos do meu braço – isso sempre acontecia; creio que Houston depositava cada partícula de sua alma na composição das músicas. — Paulo mora com os pais bem pertinho do apartamento, além do mais, eu preciso ter essa última experiência de solteira antes de dividir minha rotina com ele.
— Dizem que mulheres que têm essa experiência, jamais moram com homens novamente. Você sabe, a liberdade de morar sozinha e ter seu espaço é bem diferente de ter alguém para dividir as horas do seu dia inteiro. — fico em silêncio ouvindo o radialista citar alguma promoção qualquer e permanecemos quietas por alguns instantes, até a curiosidade se tornar mais forte.
— Você se arrepende de ter casado com o papai? De ser mãe de uma filha incrível e gêmeos de nove anos ansiosos para conhecer o mundo além do quintal de casa? — observo sua pele preta reluzente sob o sol da manhã, os olhos castanhos-claro e o cabelo cor de mel alisado até a altura dos ombros; adoro minha mãe camaleoa, às vezes está cacheada, loira, morena, ruiva, careca... Quantas mulheres cabem dentro dela? Eu jamais saberia.
— Minha família e o meu restaurante são as coisas mais preciosas que tenho. Não é com o meu casamento que estou preocupada e sim com o seu — paramos em um sinal vermelho e nos atentamos aos idosos com roupas de natação que caminham até a praia, estamos quase em Gailel Town. — Sabe, eu tenho uma sensação com aquele rapaz, não sei explicar... Vocês namoram há três anos, mas não sei... Ele não parece ser o certo. É nele que você pensa quando escuta músicas românticas? Vê casais apaixonados? Se imagina acordando ao lado dele todos os dias e tendo a certeza que Paulo é o homem escolhido?
— Opa! Temos uma idealização de amor por aqui? Há várias formas de amar, mamãe. Não preciso ficar de suspiros pela casa para ter certeza de que o amo. A vida é mais do que as comédias românticas que assistimos na Sessão da Tarde, Dona Lúcia. — certo, talvez eu tenha ficado chateada com essa mania de falar do Paulo, ela nunca gostou dele, sempre foi apenas educada.
— Eu sei, Kalena. Pode parecer brega, mas ao falar em todas essas coisas bobas, seu pai ainda é o único homem que vem à minha mente. Mesmo após vinte e cinco anos de casados. E, para você, eu não desejo nada menos do que isso.
[...]
Certo, a conversa no carro foi meio embaraçosa mas quando chegamos no apartamento, tudo foi esquecido quando encontrei o papai e os meninos ajudando o pessoal da mudança. Dou um abraço apertado em cada um e já me disponho a organizar tudo com eles. Viemos em carro separados porque Guilherme e Joaquim insistiram em ir no caminhão, Alberto como sempre mimando os filhos, acabou cedendo.
— Vocês demoraram, meninas. Eu deveria ter vindo dirigindo, seria mais divertido com as minhas músicas de Hip Hop, não é, filhona? — papai deposita um beijinho estalado na minha testa e sorri.
— Na verdade, seu pai me confidenciou que finalmente essa mudança vai fazer você jogar algumas coisas no lixo. Revistas de Crepúsculo, pôsteres de Rebelde e aquela quinquilharia toda do seu quarto — mamãe sorri maliciosa, indo reclamar com os rapazes da mudança pela indelicadeza com alguns objetos frágeis.
— Mentirinha, filha. Ok, talvez tenha um pouco de verdade, mas a sua mãe só está dizendo isso por ciúmes. Agora vamos, antes que os rapazes desistam de levar suas coisas encaixotadas — ele sorri e começamos nosso trabalho em equipe para terminarmos o mais rapido possível.
Que sorte por não ter tantas coisas, ufa! Não há elevadores por aqui, apenas lances e mais lances de escadas. Na mudança eu não poderia deixar de fora os meus livros, a caminha confortável e meus quatro travesseiros macios. Além disso, tenho um guarda-roupa novinho, uma escrivaninha e um notebook que papai insistiu em me dar antes da mudança. A cozinha ainda permanecerá um mistério; por causa do trabalho passarei boa parte do dia fora de casa, necessitando apenas da minha cafeteira e da sanduicheira. Decidi comprar o resto depois, minha prioridade foi o sofá e uma TV, como eu poderia sobreviver sem Netflix numa cidade nova?!
Bem, de qualquer forma, demoramos um pouco para esvaziar o caminhão e após todo o trabalho duro, estendi o tapete bege na sala para que todos deitassem no macio, enquanto as crianças colocavam as minhas suculentas no cantinho da janela. Após várias tardes de vídeos no Youtube de como cuidar delas, até os meninos passaram a gostar das plantinhas fofas.
— Pizza para o jantar? — num suspiro exausto, papai questiona dramático, enquanto todos respondem em uníssono. E isso nos deu força para desencaixotar pelo menos metade das coisas.
Talvez tenha dado menos trabalho do que eu esperava, pelo menos tive uma ajudinha que é sempre bem-vinda. Paulo estava trabalhando em um novo projeto e por isso não nos vimos hoje. Combinamos de nos encontrar mais tarde para matar a saudade e beber alguma coisa. Pesquisando sobre a cidade, pude ver um bar bem popular que já foi o antro de muitas fofocas, não que eu goste de fofoca, prefiro dizer que sou uma boa ouvinte. Mas, o local além de bem frequentado também é bastante requintado e acolhedor, perfeito para uma noitada com uns amigos. Vesti a minha melhor roupa e arrumei o cabelo, usando os meus novos cremes de frutas cítricas, cachos perfeitos, aí vamos nós!
Tudo parecia ótimo, eu estava confiante e decidida quando entrei naquele bar, mandando uma mensagem para Paulo e uma velha amiga de infância que mora por aqui. Gostei do lugar, da música, dos funcionários e até do barman simpático. Poderia levar a noite toda conversando bobagens com ele, mas Paul não apreciou muito o bar, nos levando para um restaurante caro e chato, com uma música clássica que me dava sono.
Porém, quando minha frustração prévia passou, acabei me divertindo e contando as amenidades do dia; com o charme de sempre, meu noivo partilhava ideias e conquistas. Ele sempre ficava lindo quando se empolgava falando de projetos. Foi até melhor do que eu esperava, talvez aquele bar realmente não fosse legal para nós num primeiro encontro. Depois disso voltamos para o apê e matamos a saudade daquele jeitinho. Paulo não pareceu gostar do apartamento, sem demonstrar sua insatisfação, mas frisou que era temporário, que assim que nos casarmos teremos um local agradável e só nosso. Não tive objeções, sempre soube que seria temporário e que em breve teríamos nosso lar.
E depois de juras e promessas de amor, Paulo volta para a casa dos pais e promete que nos encontraremos amanhã. Aproveito meus travesseiros e a cama macia, que sempre pareceu grande demais para uma só pessoa. De qualquer forma, hoje foi exaustivo demais e tudo que eu mereço é uma boa noite de sono, amanhã seria um novo dia, tudo prestes a mudar.
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