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Isso foi há tanto tempo... Mas foi onde tudo começou.

Eu não me lembro bem o que estava acontecendo... Ah sim!

Estava em casa, ou melhor, na casa dos meus pais; e minha mãe chegou toda distraída com algo particular e acabou jogando sua bolsa em cima de mim, seguindo pelo corredor sem nem se dar conta do que havia feito.

Me lembro que foi nessa hora que me dei conta do quanto eu era totalmente irrelevante para ela, eu não era somente invisível; ela simplesmente não se importava.

Senti vontade de chorar e fui para o meu quarto para que nenhum empregado percebesse essa fraqueza e fofocasse pelas minhas costas.

O meu quarto era lindo, todo planejado em tons de rosa e branco. Algo que deveria estar nos sonhos de muitas pessoas, mas que nunca me passou conforto algum...

Eu me joguei na cama afim de esquecer tudo.

Voltei para meu celular, a fim de retomar minha conversa com a minha melhor amiga. Essa era uma cobra venenosa das piores, eu não podia abaixar a guarda próximo dela, pois sei que me destruiria sem pestanejar, mas... isso me mantinha atenta e ligada.

Me encostei no conjunto de belas e elegantes almofadas que se aglomeravam em minha cabeceira e ali fiquei a conversar sobre trivialidades inúteis enquanto sentia que iria partir em pequenos fragmentos de tanto chorar.

Debati com ela os planos de viajarmos à Paris no fim do ano novamente ou variar e ir à uma ilha paradisíaca com algum gato, enquanto refletia em total silêncio sobre meus pais: Cheguei à conclusão de que eles nunca me quiseram; minha mãe apenas me teve para forçar o casamento e assim garantir sua vida mansa, e meu pai só não queria um escândalo com seu nome.

Ele sempre me deu de tudo, além de uma boa educação, mas nenhum deles me amava de verdade.

Conversamos sobre que roupas iríamos usar durante a semana e que precisávamos urgentemente de roupas novas, pois essas já estavam batidas e saindo de moda; enquanto pensava o que fazer com a minha vida. Eu não podia ficar naquela casa para sempre; pensava sobre qual faculdade ir, ou se eu realmente queria fazer uma faculdade.

E então desabafei que encontrei uma camisinha usada no carro do meu namorado, ela pareceu horrorizada e espantada de ele ter me traído assim, afinal nós éramos as rainhas e isso era uma grande ofensa. Ela pareceu realmente enfurecida e começou a bolar uma forma de vingança para o humilhar, mas sabia que o trono estava primeiro com eles e depois para nós. Ele podia espalhar um boato terrível sobre nós e assim nos destruir, então tínhamos de ser espertas.

Essa era a nossa guerra de trono. Assim como lia nas histórias e livros; podia ver e associar facilmente aos aspectos da minha vida. Talvez fosse uma forma de romantizar a merda que vivia na época...

Ela elaborava seu plano cruel e eu ria de cada detalhe sórdido e demorado que me descrevia nas mensagens. Mas na verdade ainda estava chorando por saber que se tivesse nascido homem minha vida seria muito diferente; apenas fingia estar bem, pois atrás de uma tela eu era o que eu queria mostrar ser.

Eu...

Sei que meu pai queria um filho homem, tanto que há alguns meses ele arrumou uma nova amante. A briga em casa foi feia e minha mãe ameaçou o expor, eles brigaram por dias e no fim ele aceitou pagar por uma viagem a um spa para ela onde passou vários dias, e em troca o bebe iria morar conosco.

A amante assinou os papéis abrindo mão da criança em troca de uma bolada e meu pai está radiante em saber que "finalmente" terá um filho.

Isso doeu muito na hora, na verdade ainda hoje dói muito de me lembrar.

Essa família é tóxica.

A minha vida toda é tóxica.

Dormi que nem senti quando.

Acordei torta por ter dormido de qualquer jeito e de tanto chorar, e fui tomar um banho. Os empregados já tinham preparado o meu banho como em todas as manhãs. Eles eram tratados como... a mobília da casa. Eram invisíveis e não deveriam interferir em nossas vidas. Foi assim que eu fui acostumada.

Tomei um longo banho de banheira a fim de espantar essas energias ruins. Sequei os meus longos cabelos e hidratei meu corpo como em todas as manhãs, afinal eu tinha de estar impecável.

Fiz um penteado mais meigo ao prender minha franja de lado e por um amarril de forma a fazer mais volume no lado oposto; trabalhei na maquiagem de hoje combinando com a roupa e saí para tomar o meu café. E quando digo café estou dizendo um iogurte diet com um suco de laranja e meia torrada integral.

Minha mãe sempre foi exigente com a minha aparência. Dizia que se ela fosse gorda jamais teria a vida que tem hoje; e que as mulheres precisam cuidar da aparência sim, que não adianta lutar pelos direitos iguais e exigir ser feia; pois o mundo ainda é dos homens e eles não vão nos entregar só porque exigimos. Temos de tirar deles com planos, e esses planos exigem curvas exuberantes que os iludam.

Eu não consigo negar.

Os homens só ligam para nossa beleza.

O mundo só nos vê pela aparência.

Podemos ser o que for: inteligentes, refinadas, meigas, se não formos belas eles não nos dão atenção. Diga o que você quiser.

Mal saí pela porta e já vi o carro "dele" a me esperar.

Eu até podia ficar com raiva de ver o carro novamente; mas só de olhar aquele sorriso de cafajeste dele eu me lembrava dos planos que aquela naja que eu chamava de melhor amiga arquitetou e isso me fazia rir e sorrir.

― Está linda Cloe. ― Ele diz ao ligar o carro e ir em direção a escola.

Adrien era... lindo.

Éramos o casal perfeito. Ele era o capitão do time de futebol, assim como eu era a capitã das líderes de torcida, então já era mais que uma regra que ficássemos juntos. Simples assim. Não precisávamos ter nada em comum ou nos amar, isso era como um contrato social da posição que estávamos; como faziam na época dos reis.

Ele era aquele moreno alto de corpo atlético dos sonhos de toda garota, mas que só poucas têm acesso. E eu também mantinha o porte físico perfeito de vitrine assim como os cabelos sem nunca aparecer a raiz; às vezes ousava em uma californiana degradê em outros tons de loiro ou mechas em outro tom, mas nunca perdia os tons dourados.

Minhas entradas nos corredores da escola sempre eram um desfile, e eu contava cada olhar sobre mim. Os de admiração e os de inveja.

Eu era a rainha daquele lugar e todos sabiam muito bem disso. E eu me sentia no meu tapete vermelho.

No meu reinado eu me sentia segura e plena.

Mas aquele dia, como disse, foi quando tudo começou. Eu não estava bem e não tirava esses pensamentos ruins da mente.

A forma como minha vida era... isso me desagradava tanto...

Eu tinha tudo, nasci rica e privilegiada. Mas não estava feliz e por isso sempre que via alguém mais feliz do que eu, sem ter nada do que eu tinha... eu fazia de tudo para tirar a felicidade dessa pessoa. Se eu não era feliz, ninguém mais tinha este direito! Era injusto!

Não estou dizendo que eu sou boazinha. Não. Me desculpa, achou que eu seria? Não, eu sou a vilã, como sempre.

Você vai saber a minha versão das coisas, mas isso não me fará certa nem heroína de nada.

Passando para tornar a alertar que: Esta é uma obra que conta o ponto de vista de uma pessoa tóxica melhorando aos poucos. 

Minha ideia é trazer a fantasia de que estas pessoas podem melhorar. 

Como? Cada uma tem de ter seus aprendizados.

 Bjs s2