03🌷 Lee Hee Joey segue em modo avião
Joohyun tinha aparecido no apartamento de Hee Joey por volta das sete horas da noite. E tinha encontrado a amiga sentada no chão da pequena sala de estar, envolta a diversas fotos em polaroid e uma grande caixa de papelão com caixinhas de presentes menores e ursos de pelúcia do tamanho da palma de sua mão.
E é claro que tinha ficado sem reação ao ver que as fotos que Hee Joey examinava, com uma tesoura na mão, eram dela e Kim Yugyeom.
— Que merda você está fazendo? — Joohyun atirou a bolsa com força no carpete da sala de estar, o aroma de algodão vindo de umas das varetas de um difusor aromatizante acima da estante penetrando suas narinas como o cheiro do verão.
Hee Joey só tinha decidido olhar a amiga assim que Bae curvou-se à ela, sentando-se nos calcanhares. Os cabelos vermelhos de Bae cheiravam a morango e estavam molhados, assim como os de Joey, que acabaram de ser lavados no banho noturno. Ela não costumava se demorar no banho durante à noite, principalmente se quisesse lavar os cabelos porque dormir com os fios molhados era muito desconfortável, no entanto, ao sair do hospital, Hee Joey tinha que estudar como uma condenada para o processo seletivo do governo que faria em pouco tempo e por isso nem sempre tirava tempo para priorizar a si mesma como deveria.
— Só me desfazendo de Yugyeom e qualquer coisa que diga respeito a ele — bradou Hee Joey, vasculhando mais fotografias na pilha de papéis coloridos dentro da caixa, pequenas e médias polaróides de seus momentos felizes.
— Vai fazer isso mesmo? — Bae perguntou, o coração batendo tão forte que ela quase podia ouví-lo como o som alto de uma bateria de escola de samba.
Hee Joey, que estava de cabeça baixa, não percebeu a gotícula de suor se formando nas têmporas de Joohyun tão logo que rugas produziram vincos em sua testa.
— Tô, ué — respondeu Lee, dando de ombros. — Não foi você que me disse para seguir em frente? Então! Esse é meu jeito de seguir. Digamos que você tem razão. Eu não vou ficar correndo atrás de um cara que não me quer mais.
Bae franziu os lábios ao mesmo tempo em que erguia as sobrancelhas. Ela tinha trocado de posição e naquele momento estava sentada confortavelmente no chão da pequena sala, examinando as velharias do ex-namorado das quais Joey se desfazia. A de fios de cabelos vermelhos ficou um tempo observando a Lee com atenção. Ela sabia que Hee Joey tentava ser forte, mas também tinha ciência do quanto deveria estar sendo difícil para ela superar tudo aquilo. Afinal, parecia que Joey sempre tinha que lidar com perdas em sua vida, não importava como e quais fossem.
Saber disso apenas fez com que Joohyun se sentisse tonta, uma sensação nauseante quase fazendo perder o equilíbrio embora não estivesse em pé, e naquele instante, ela precisou se esforçar para engolir as próprias palavras, as quais desceram por sua garganta como ácido dilacerando todas as suas estruturas internas.
Já fazia muito tempo desde que ela vinha tentando contar a verdade à amiga. Até ensaiava tudo em frente ao espelho do banheiro de sua casa e do próprio Hospital do Câncer, palavra por palavra e frase por frase. Entretanto, por mais que seguisse confiante até certo ponto, bastava olhar bem ao fundo dos olhos de Hee Joey para que todo o seu esforço jorrasse por água abaixo. Ela não aguentava mais guardar aquele segredo.
Se não falasse com ela o quanto antes, com certeza iria sufocar.
— Tá legal, fico feliz por você ter entendido o recado. Mas isso quer dizer que você finalmente vai se dar uma chance de ser uma adulta normal pelo menos uma noite?
Hee Joey pegou mais um punhado de fotografias e colocou-os na caixa de papelão. Uma delas havia caído e Joey pegou-a lentamente. A foto havia sido tirada em uma daquelas máquinas de fotografias polaroides automáticas típicas em parques de diversões.
A ideia partira de Yugyeom, na última noite em que o circo e o parque de diversões da cidade passava por Heavenland. Ele tinha dito que seria bom ambos registrarem aquele passeio, já que seria a última noite da atração nas redondezas, e Hee Joey nunca tinha ficado tão feliz em toda a sua vida.
A foto mostrava uma sequência de caretas propositais feitas por Joey, e Yugyeom falhando miseravelmente em sua tentativa de demonstrar fofura. Havia sido um dos melhores encontros de sua vida, e de repente tudo havia acabado...
Hee Joey balançou a cabeça ao perceber o caminho que seus pensamentos estavam percorrendo. Ela deu de ombros e pegou fita isolante para selar o receptáculo.
— Eu sou uma adulta normal, com boletos para pagar, insônia e ansiedade. Aliás, a única coisa que eu quero me preocupar agora é com o trabalho e fazer o possível para ser aprovada nessa seletiva do governo — Joey retirou uma mecha de cabelo castanho caindo no rosto, e disse, apontando para Bae: — E quero continuar assim.
— Por favor, Jo — Joohyun praticamente implorou à amiga quando levantou-se do chão, seguindo os passos da Lee. Ela uniu ambas as mãos em frente ao peito como se fizesse uma oração. — Sabia que tem uma festa incrível rolando no Floratta? Eu meio que estava esperando que você me fizesse companhia hoje à noite, sabe.
— Quem sabe no fim de semana? — Hee Joey disse, balançando os ombros, mas no fundo sabia que teria de inventar uma desculpa bem convincente para escapar dos convites de Joohyun para suas saídas noturnas malucas. — Eu já estava indo dormir.
Bae suspirou, as mãos pousando na cintura. Ela nem tratou de disfarçar seu descontentamento.
— Isso não me parece dormir — apontou para a caixa selada no meio da sala, e Hee Joey coçou a nuca, olhando para as laterais da sala. Ela sabia que não tinha escapatória. — E você sempre diz a mesma coisa quando eu te convido para sairmos. Daqui a pouco eu encontro outras amigas com quem me divertir e você vai sentir saudade de quando não fazia conta dos meus rolês.
— Ninguém mais consegue suportar você além de mim e do Jinyoung — Hee Joey brincou, sorrindo pela primeira vez naquela noite. — Mas se quiser, pode tentar. Assim pelo menos você para de me meter nas suas broncas.
— Que broncas, sua idiota? Eu só tô te convidando para vermos pessoas diferentes dos nossos chefes e colegas de trabalho. Você sabe que eu vou continuar insistindo se você continuar recusando.
Hee Joey respirou fundo, pensando em todos os contras de sair com Bae àquele horário da noite. Joohyun não era como ela; que gostava de dormir cedo e ter sua rotina sob controle. A ruiva não sabia o que aqueles dois tópicos significavam, de fato, porque com sua vida noturna explicitamente ativa, era lógico que os fins de semana simbolizavam nada além de diversão.
Joey de repente pensou onde Jinyoung estaria naquele horário. O rapaz completava o trio de enfermeiros, sendo amigo de Bae e Hee Joey desde a época do estágio.
Bae permaneceu com as mãos unidas em frente ao peito, os olhos piscando rapidamente enquanto encarava a amiga. Sua expressão era a típica de uma criança que quer pedir seu doce favorito da mãe.
A Lee às vezes sentia vontade de cortar os laços de amizade que tinha com Bae. A ruiva sabia exatamente como persuadí-la a fazer o que quisesse.
Se ela fosse, poderia passar meia hora com a amiga no Floratta, depois alegaria enjoo ou qualquer outro mal estar e voltaria à sua casa.
— Se eu for, você promete que vai me deixar em paz? — indagou Joey, ainda que no fundo soubesse que era mais fácil ver anjos no céu. — Pelo menos por um tempo?
Joohyun fez um símbolo de X com os dedos indicadores sobre os lábios e beijou-os, indicando que sua promessa estava selada.
— Juro pelo vermelho dos cabelos! — ela disse, os olhos castanhos grandes e brilhantes de expectativa, e quando Hee Joey finalmente soltou o ar preso em seus pulmões nos últimos segundos e sorriu, Bae soube que havia vencido.
Pelo menos daquela vez.
🌷
O Floratta era o bar mais badalado da cidade.
Não por ser o único. Mas sim por conta das músicas ao vivo tocadas por uma banda local cujo vocalista arrepiava os pelos de cada parte do corpo de todas as mulheres que frequentavam o local e a diversidade de drinques servidos pelos garçons: o melhor vinho tinto que os clientes poderiam tomar, vodca doce com sabor de frutas vermelhas e petiscos deliciosos servidos como cortesia pelas bebidas.
Hee Joey não se encaixava no grupo de habitantes de Heavenland que sabia diferenciar alguma daquelas bebidas atrás do balcão só pelo gosto, ou que era conhecida pelo bartender com um rosto quadrado excepcional como uma das frequentadoras natas do estabelecimento. Claro, não que ela não gostasse de festas ou de beber um pouco de vez em quando. No entanto, o posto de enfermeira do Centro de Oncologia Pediátrica do Hospital do Câncer de Heavenland não lhe permitia uma rotina festeira como a de Joohyun, por exemplo — Bae era mais forte com o álcool, até onde sabia, então para ela não era problema beber um pouco além da conta —, e Joey nem conseguia se lembrar quando fora exatamente a última vez em que esteve naquele lugar.
Bae a cutucou na barriga com o dedo indicador e o polegar. Hee Joey pulou para trás com o susto, os olhos acastanhados quase totalmente escondidos atrás das sedosas madeixas medianas que serviam como uma espécie de cortina ocular.
— O quê? — Joey questionou à amiga, três linhas pequenas e irregularmente curvas desenhando o centro de sua testa.
— Olha lá — disse Bee, a cabeça baixa propositalmente para esconder o sorriso malicioso contornando seus lábios. Quando ergueu a cabeça, pôs uma mecha de cabelo vermelho já seco atrás da orelha e lançou aquele mesmo sorriso maldoso à Hee Joey. — Eu te te falei que o cara tá afim de você. Ele não para de te secar desde que chegamos.
— O quê? — Lee franziu o cenho, inclinando o rosto próximo à amiga para escutá-la melhor.
O som de Dive, de Ed Sheeran, preenchia o ambiente como uma trilha sonora reconfortante e calma. Mas estava alta demais considerando que ela não costumava ouvir aquele tipo de música em decibéis tão alarmantes.
Joey ainda estava confusa esperando que Bae respondesse o motivo do cutucão.
— O bartender, como você é lerda! Aposto que ele só está esperando uma oportunidade para falar com você.
Hee Joey encarou o homem preparando as bebidas em uma coqueteleira metalizada do outro lado do balcão onde bancos almofadados enfileiravam-no em linha reta até se perder onde o balcão virava, à direita.
O tal "sujeito" era pelo menos uns vinte centímetros mais alto do que ela, e usava roupas pretas como se fosse a um enterro. Ela também observou a grande tatuagem cobrindo o braço esquerdo do homem com os dizeres *Wellcome To The Jungle e, assim como o cabelo preto cor de ônix espetado formando um topete quase idêntico ao de Elvis, a tatuagem do sujeito fora a única coisa que Hee Joey achou visualmente interessante no bartender.
Ela não teve nenhum outro namorado na vida além de Yugyeom, por isso ficava difícil saber de que tipo de cara ela costumava gostar. Ousava dizer que dos tímidos com sorriso contido, como seu ex-namorado era na época em que se conheceram. Algo recôndito na adrenalina e o nervosismo por não saber o que dizer diante de alguém que gostava parecia estranhamente convidativo à enfermeira. As mulheres que ela conhecia jamais pensariam algo do gênero, pois preferiam caras com atitude do que aqueles que mal sabiam estabelecer uma conversa durante uma paquera, e talvez isso só atenuasse o fato de que a vida amorosa da Lee era como uma tela em branco de um artista que ainda não descobrira sua inspiração. Quando a olhava, não conseguia imaginar que havia uma coisa honita esperando para lhe dar vida.
Às vezes ela até se perguntava se Bae tinha razão. Se ela devia mesmo sair de sua zona de conforto e aproveitar os prazeres da vida agora que finalmente estava solteira e desimpedida. Era em raros momentos como aquele que as pessoas costumavam sentir aquela parcela de culpa ao se perguntar o que haviam feito de errado ao longo de um relacionamento para o mesmo acabar quando as metas do casal não haviam sido alcançadas. Hee Joey não sentia como se fosse a vilã da história, porém tinha certeza que havia deixado alguma coisa escapar durante aqueles anos todos de namoro com Yugyeom, porque uma parte dela insistia que ele não fara isso; terminar tudo consigo usando uma desculpa esfarrapada. E a outra dizia que ela estava muito enganada se achava que o conhecia o bastante, até porque namorar alguém por doze anos não a fazia conhecê-lo fielmente como se conhece uma cédula ou bolsa de marca falsificada.
Algumas pessoas conseguem ser boas até demais em esconder quem realmente são. Você acha que sabe tudo sobre elas, quando na verdade conhece apenas aquilo que elas querem que conheça. Nem todas as verdades são ditas um para o outro, e a maior parte sempre vai preferir se manter recôndita... Como Yugyeom e tudo o que ele tinha contado ano passado.
Passado algum tempo, Hee Joey não tinha certeza se queria ou não saber a verdade em todo o caso. Ela poderia libertar ou sufocá-la.
— Ele deve estar olhando para você, não para mim — Hee Joey balançou a cabeça enquanto um riso escapava por seus lábios.
Bae franziu o cenho, olhando fixamente o horário no celular. O "amigo" que a mulher aguardava no balcão do Floratta estava um pouco atrasado, mas ela preferiu não deixar transparecer seu nervosismo. Era só o que faltava para completar a noite, Joohyun pensou, levar um bolo de um ex-namorado.
Jackson Wang e ela tinham namorado por oito meses, há muitos anos, e talvez ele fosse o único cara que realmente valesse alguma coisa, considerando a lista de homens com quem saíra. Claro, o que sentia pelo atual "companheiro" misterioso de quem Hee Joey nunca tinha ouvido falar, era algo muito diferente, porque a paixão havia sido instantânea — quando Joohyun percebeu, estava caidinha pelo "senhor cabelo colorido perfeito", embora, na época, ela tivesse sentido como a rainha má na história da Branca de Neve.
E, bem, talvez ela realmente fosse.
— Claro que é para você. Será que eu aviso para ele limpar a baba da boca agora ou seria inconveniente da minha parte? — Bae brincou para se descontrair, quase arrancando os cabelos vermelhos com as mãos em algo próximo a histeria. Se perguntava onde diabos Jackson estava, e por que demorava tanto. — Aquele filho da mãe do Jackie está atrasado, mas eu juro, Hee Joey, que se ele me der um pé na bunda hoje à noite eu vou matá-lo.
Hee Joey, que estava longe de considerar aquilo um motivo para preocupação, apenas suavizou sua expressão conforme sorria sem espaçar os lábios. Bae, por outro lado, tinha ciência de como a razão para ela quase roer o esmalte das próprias unhas era música para os ouvidos da amiga.
Ela achava um milagre a Lee ainda não ter arranjado a velha desculpa de ir ao banheiro para sair do bar de fininho como se nunca tivesse estado ali.
— Quem sabe não é um livramento?
— Você está adorando isso, não é? — Bae a questionou, seus olhos voltando-se à amiga sentada à sua direita, a qual expressava o irônico semblante de quem estava contando os minutos para voltar ao aconchego de seu apartamento e dormir seu precioso sono.
— Prefiro pensar que é você quem vai levar o bolo. Eu, pelo menos, não me lembro de ter marcado nada com o Jackie.
— Será que eu devia ligar? — Joohyun pensou alto, ignorando a música ecoando pelo ambiente para dar ouvidos aos pensamentos zumbindo em sua mente como milhões de insetos.
— Tem certeza? — a Lee brincou. — Ele vai pensar que você está desesperada por esse encontro.
— Não é por mim, idiota. O Jackie disse que traria um amigo para nos fazer companhia e meus planos não incluem ninguém ficar de vela.
— Você costuma agir assim com todos os seus ex-namorados? — Joey questionou e Bae franziu o cenho.
— Só com os que podem ne beneficiar de alguma forma, tipo apresentando um amigo gostoso e solteiro para a minha amiga gostosa e solteira.
A de cabelos vermelhos lançou um sorriso malicioso à amiga.
— Só que eu não estou desesperada para encontrar um cara novo, a menos é claro que ele tenha a aparência do Hyunbin — disse a Lee.
— De aparência eu não sei, mas o Jackie me disse que o amigo dele é o tipo caseiro que ama gatos e café, ou seja, vai se dar bem com você.
— Se ele for realmente o tipo caseiro, quem sabe eu pense a respeito. Mas só pensar mesmo.
— Às vezes eu queria te dar um soco, sabia? — Joohyun balançou negativamente a cabeça cheia de cabelos vermelhos e respirou fundo, checando o celular quando o aparelho vibrou em suas mãos.
Ela abriu o aplicativo de mensagens e leu a de Jackson Wang silenciosamente. Em seguida virou-se para a amiga.
— Então? Ele mudou de ideia e nós podemos ir para casa? — Hee Joey suspirou. Mas o sorriso vencedor de Bae foi uma faca atravessando a chama de esperança dentro dela.
— Não — Joohyun explodiria de satisfação se fosse possível. — Eles chegaram.
Hee Joey acompanhou a amiga ao procurar o rosto conhecido de Jackson Wang na multidão. Ela percebeu que as mesas atrás de ambas no balcão começavam a lotar com todo o tipo de frequentadores locais, indo desde a grupo de estudantes universitários aproveitando o domingo à noite até casais e amigos fazendo cliques em flashes com seus celulares a fim de publicar em suas redes sociais o feedback do fim de semana, e assim que suas íris miraram duas figuras paradas na entrada do bar, ela pode ver o ex-namorado de Joohyun e o homem alto a seu lado.
A visão daquele cabelo loiro cuja franja amarelada faziam-na lembrar de cortinas de seda numa casa de veraneio e os óculos de grau que ela tinha visto uma única vez na vida estavam de volta para assombrá-la àquela noite como uma cena de filme de terror. E Hee Joey teve certeza que o sentimento era compartilhado quando os olhos chocolates de Kim Namjoon fixaram-se aos dela, e o sorriso tímido que adornava o rosto encantador dera lugar a mesma expressão de confusão que ela nutria em seu semblante.
Hee Joey nunca ficou tão agradecida por estar sentada em toda a sua vida, porque pelo susto que levara, ela provavelmente teria perdido a noção de gravidade e despencado no chão frio e sujo do bar.
Joohyun estava tão distraída que só percebeu quem era o amigo que Jackson queria apresentar a Hee Joey quando os rapazes começavam a contornar as mesas com seus ocupantes indo até ambas.
— Puta merda! — Bae arregalou os olhos, cutucando Hee Joey na barriga. — Aquele não é...?
— O próprio — respondeu uma Joey tomada por surpresa, compartilhando o mesmo sentimento da amiga. — Ele é o tal amigo do Jackson?!
As duas se entreolharam sem dizer nada até que ambos os rapazes chegassem ao balcão, a resposta para a conjectura de Hee Joey clara como a luz do dia.
Quando o loiro parou a uma distância significativa da Lee, suas dúvidas foram obliteradas de que realmente era Kim Namjoon, e pela incontável vez em tantos anos de amizade, Hee Joey teve certeza que mataria Bae Joohyun quando as duas saíssem dali.
— Oi, meninas. Foi mal pelo atraso — Jackson cumprimentou Bae com um meio abraço e Hee Joey do mesmo jeito. — Pensei que estivessem em uma das mesas.
Joohyun empurrou o ombro dele.
— Hoje é domingo, Jackie, se toca! Você acha mesmo que encontraria mesas vazias com tanta facilidade?
Apesar das palavras, a de fios vermelhos sorria. Eles nem pareciam ex-namorados.
— Pelo menos ainda podemos sentar juntos — Wang abriu espaço para que Namjoon pudesse ser notado pelas moças, mesmo com toda aquela altura. — Esse é o amigo de quem falei, Kim Namjoon. Essa é Bae Joohyun, minha ex-namorada. E aquela é a amiga de Bae, de quem falei.
— Oi — Bae disse, sorrindo sem mostrar os dentes, e acenou com a destra.
— Oi, tudo bem? — ele disse, olhando de Bae para Hee Joey, e depois parando na Lee.
Ela não sabia se esticava a mão para cumprimentá-lo ou só dizia olá. Desesperada para não parecer mal educada, a enfermeira de fios castanhos optou pela opção mais convincente. Afinal, por mais que estivessem em um bar, Kim Namjoon ainda era o familiar de um paciente dela.
— Oi.
— Vamos sentar? — Jackson cortou a conversa, passando por Joohyun e sentando-se a seu lado, no lugar onde Hee Joey estava antes.
Os dois únicos bancos vazios no balcão eram à esquerda, o que significava que Hee Joey e Namjoon ficariam sentados lado a lado.
Hee Joey sentiu náuseas.
Namjoon foi o último a se sentar, tomando cuidado para não acabar esbarrando na enfermeira Lee. Àquela altura, ele nem sabia se deveria chamá-la assim, ou se a tratava pelo nome completo. Considerando que tinham acabado de se conhecer, preferiu manter as formalidades, e ficou grato por ela decidir manter a mesma pose.
Com exceção de Jackson Wang e Bae Joohyun, os dois adultos sentados ali não sabiam o que falar. Ambos ainda pareciam meio alarmados pela presença um do outro naquele bar e tanto Hee Joey quanto o loiro em sua companhia encontravam-se perdidos. Felizmente todo mundo se ocupou com os cardápios dispostos na parede do outro do balcão e houve apenas o som da música ao vivo nos próximos minutos, seguida por falatório ambiente.
No entanto, Bae, com medo que seus planos fossem por água abaixo, decidiu por um ponto final naquele silêncio ensurdecedor.
Alguém diz alguma coisa, pelo amor de Deus!
— Vamos pedir? — ela disse, referindo-se à comida e bebida. — Estou ficando vesga de tanto olhar essas letras miúdas.
— Eu ainda não decidi — Hee Joey engoliu em seco, os olhos travados na parede onde o menu da casa se encontrava. — Mas prefiro alguma coisa leve, e barata.
Os homens no balcão riram suavemente, mas a enfermeira apenas ouviu o reconfortante ruído da risada baixa de Namjoon, e tampouco pôde perceber a curvatura nos lábios dele ao ouvir as palavras dela.
— Acho que vou ficar com barriga de porco — Jackson proferiu, sua visão escaneando a face dos demais a sua volta esperando alguma objeção. Em seguida, voltou-se à garçonete usando avental preto e gesticulou para que a moça fosse a seu encontro. — Ok. Vamos querer uma porção grande de barriga de porco e quatro garrafas médias de Ice Tea. Alguém quer mais alguma coisa? Hoje é por minha conta.
— Eu estou de boa — Joohyun deu de ombros. — E você, Joey?
Hee Joey soltou um leve murmúrio.
— Uma garrafa com água sem gás.
Água? Você vai pedir só uma água? Sério, dá para ser mais patética?
Jackson disse mais alguma coisa à garçonete que Hee Joey não conseguiu entender, tanto pelo som da música quanto pelo sangue pulsando em seus ouvidos. Suas bochechas ficaram levemente coradas e ela sentiu aquela quentura estranha se alojando em sua nuca como quando você sente que está sendo observado.
— Namjoon e eu somos amigos há bastante tempo — disse Wang, batucando os dedos grandes na superfície do balcão. — Trabalhamos em um café no shopping. Vocês conhecem?
— Heavenland é um fim de mundo do tamanho do meu dedão do pé — Joohyun jogou a cabeça para trás, retirando os fios vermelhos que caíam em seus ombros, e sorriu. — É claro que a gente conhece.
— Eu conheço apenas de nome — Hee Joey tentou soar descontraída, mas era péssima no quesito fingimento. Ela não achava que tinha liberdade o suficiente para lidar com aquele encontro de desconhecidos sem parecer uma idiota que mal podia formular uma frase. — Por causa do trabalho, sabe como é. Não tenho muito tempo fora de casa e quando estou nela é só para trabalhar ainda mais.
— Que fria — Jackson abriu os lábios em um sorriso. — Namjoon é igualzinho. Eu tive que fazer um sacrifício para esse cara sair de casa.
— Jackson está exagerando — Namjoon balançou a cabeça em negativa. Parecia que estava na roda de amigos do colegial. — Eu tenho um filho de seis anos e não gosto de me afastar dele por muito tempo. É coisa de pai, ele é quem não entende.
— E a mãe dele? Seu filho está com ela, agora? — Joohyun conjecturou a pergunta que Hee Joey ficou grata por não fazer.
— Não moramos juntos — segredou o loiro. — E Seokjin está com uma pessoa da minha confiança.
— Uau — Bae lançou-lhe um meio sorriso complacente. — Eu não sabia.
— Sem problemas — Namjoon disse. Agora ele estava de frente para os três no balcão, o corpo de lado ao encostar-se na parede inferior que o sustentava e apoiava o rosto na palma da mão, o cotovelo acima da madeira. — Vocês têm uma rotina bem cansativa no hospital, não é?
Felizmente, Jackson não percebeu que o amigo sabia, de fato, onde as duas moças trabalhavam.
Joohyun arqueou as sobrancelhas na direção da amiga sem dizer uma só palavra. Hee Joey sabia que a intenção da ruiva era fazer ela quebrar o gelo dentro de si.
— Às vezes — disse a Lee, e limpou as maos em seu jeans, as quais encontravam-se suadas. — Mas faz parte da área em que escolhemos atuar. Não é tão ruim quanto parece. Na verdade, a correria de vez em quando é boa para manter a gente no pique e não acabar fazendo besteira. Somos enfermeiras, carregamos inúmeras vidas em nossas mãos e qualquer cuidado nunca é de mais.
— É uma profissão muito arriscada — Jackson disse — Não sei se eu me comprometeria tanto com algo assim. Carregar a vida de outra pessoa em minhas mãos.
— Você namorou Bae por oito meses — Hee Joey lançou um sorriso discreto à amiga. — Aguentá-la é um esforço e tanto.
— Não liga para a Hee Joey. No fundo sei que ela me ama muito.
— E você, Hee Joey? — Jackson fez com que os olhares dos amigos se voltassem para ela. — Tem namorado?
— Não — ela fora direta.
— Não? Tipo, não tem um paquera ou algo assim? Alguém que esteja de olho?
— Não tem ninguém em quem eu esteja interessada, e ninguém sente o mesmo por mim — a enfermeira Lee disse aquilo deliberadamente, tentando deixar claro, tanto para Bae quanto para o próprio Jackson, que não tinha vaga disponível para nenhum outro cara em seu coração.
Ela sabia que não ficaria remoendo Yugyeom pelo resto da vida. Mas alguma coisa em seu âmago sinalizava que não era o momento certo para deixar alguém entrar em sua vida novamente. Pelo menos por enquanto...
— Ah! Nossos pedidos estão prontos — Hee Joey tinha ficado contente por Namjoon ter quebrado o silêncio assim que a garçonete caminhou até os quatro.
— Obrigada — a Lee disse, gesticulando com gentileza para a jovem.
Os demais fizeram a mesma coisa, embora os olhos da moça tivessem se perdido mais nas orbes castanhas de Namjoon do que de qualquer outra pessoa presente ali.
Mas o rapaz não pareceu se abalar com aquilo. Hee Joey, que tinha prestado mais atenção nele do que deveria, perguntou-se quantas mulheres babavam pelo jovem Kim, e se ele não percebia realmente o efeito que tinha sobre elas ou se apenas não ligava.
— Você quer beber? — ele perguntou quando as garrafas médias de Ice Tea foram dispostas sobre o balcão.
Na verdade eu queria beber gasolina e depois fumar um palito de fósforo, era o que ela queria dizer, de fato. Mas uma voz em sua mente sinalizou para pegar a maldita garrafa e ficar de boca fechada.
Então ela o fez. Pegou a garrafa de vidro com tampa esverdeada da mão de Kim Namjoon, sem olhar nos olhos dele. No entanto, não fora capaz de lutar contra a quentura que se alastrou por suas falanges e subindo até os braços quando seus dedos pequenos tocaram os dele por uma fração de segundo. Era tudo o que ela precisava para ficar ainda mais tranquila naquela noite, ironicamente falando.
— Obrigada — tinha sido sua resposta.
Em dez minutos, os quatro já estavam degustando as refeições do Floratta, e Bae, acompanhada por Jackson, estavam em suas terceiras garrafas de vodca. Namjoon mal tinha tocado na bebida. Hee Joey tinha decidido arriscar dois goles rápidos para fingir que não era uma idiota que não sabia beber — embora ela fosse exatamente isso; tolerância zero no assunto bebida alcoólica.
A Vodca Ice Tea era praticamente uma bebida alcoólica com sabor de chá gelado ruim que Hee Joey tinha provado na vida. E, puta merda, pensou ela, que bebida é essa? Tem gente que realmente paga caro por isso?
O gosto era pior do que o cheiro. Um sabor meio doce e amargo que descia como ácido em sua garganta e provocara uma espécie de dormência em sua língua.
Quando terminou o primeiro gole, depois de muito esforço para controlar sua expressão, os olhos revirando e o nariz franzindo graças ao gosto ruim do líquido amarronzado, Hee Joey se perguntou por que diabos tinha aceitado beber aquilo. Ela nunca tinha sido o tipo que fazia certas coisas sem querer porque queria parecer legal em meio a roda de amigos. Primeiro porque era ridículo se diminuir para caber no espaço de outra pessoa. E segundo porque ela nem tinha tantos amigos assim. Seu "círculo" de amizades correspondia apenas à Bae Joohyun e Park Jinyoung.
Pela primeira vez naquele dia, a Lee ficou curiosa por saber onde raios seu amigo estava que não tinha dado notícias o dia inteiro.
Provavelmente estava saindo com algum cara que podia fazer transferências bancárias, pensou ela, e depois sorriu.
—... eu te falei que essa merda era forte.
— Desde quando você entende de bebidas? — Bae tinha perguntado para Jackson.
— Não seja ridícula, Bae, eu já estava de ressaca quando você tomou o primeiro gole de cerveja na vida — Wang tinha vociferado.
— Como é você é engraçado — a ruiva disse. — Sem dúvidas aquele pé na bunda foi a melhor coisa que eu já fiz por nós dois. Sério, Jackie, você era muito lerdão...
O casal de ex-namorados discutia em bom-humor, como sempre, mas Hee Joey não tinha a menor ideia do que ambos falavam, porque sua mente estava nublada devido à pouca quantidade de vodca que tinha ingerido. Essa percepção fora suficiente para fazer a enfermeira de fios castanhos se sentir uma imbecil.
Ela levantou a cabeça para espiar o espaço atrás de si e percebeu que as pessoas ao seu redor pareciam fantasmas, figuras distorcidas que um míope visualiza ao tirar os óculos.
Por um momento, ela ficou apenas ali parada, observando tudo e nada ao mesmo tempo.
Que merda está acontecendo?, ela pensou. Em seguida, fechou os olhos com força e novamente o gosto amargo de bebida alcoolizada inundou sua garganta, e Hee Joey fez careta como se tivesse provado limão puro.
— Você está bem? — Bae perguntou, mas a voz da ruiva parecia distante como o cantar de um pássaro numa árvore ao longe.
— Eu estou — Joey balançou a cabeça, mas notou que aquela era uma péssima ideia, pois a tontura antes leve parecia se acentuar ainda mais. — Só minha cabeça que está girando.
— Mas você nem bebeu nada! — bradou a ruiva. — Será que a bebida estava estragada?
— Quer mais um gole, Joey?
Jackson Wang sorria.
— Por mim você pode pegar essa garrafa e... — Hee Joey tentou sorrir, mas ficou ponderando se o amigo de Namjoon estava tirando sarro dela. — Deixa pra lá, vou lavar o rosto. Não demoro.
— Eu vou com você — sua amiga disse. Mas Joey a interrompeu com um gesto da mão direita.
— Não precisa. Já volto.
Quando a Lee desceu do banco almofadado, ficou surpresa por conseguir andar corretamente. Ela não tinha bebido muito, e apenas sua cabeça girava. Felizmente, pensou a jovem. Mas queria ir para casa o quanto antes. A música ao vivo parecia diminuir e aumentar de volume a cada cinco segundos e a cada vez que respirava, Hee Joey sentia aquele gosto ruim na boca.
Que tipo de pessoa fica bêbada com a droga de um gole de vodca?
Ela finalmente encontrou o banheiro feminino aos fundos do bar. Felizmente o Floratta era um lugar higiênico, e não como a maioria dos bares costumavam ser, com portas de cabines quebradas e o odor fétido de urina impregnando o local. Na verdade, o pequeno espaço possuía um aroma adocicado de um desinfetante com cheiro de chá de erva cidreira, percebeu a jovem enquanto mirava em direção às pias.
Havia quatro delas lado a lado na região esquerda à porta de entrada, e um único espelho retangular decorava a parede acima de cada torneira.
Hee Joey respirou fundo antes de mergulhar as mãos no jato de água corrente e levar o líquido até o rosto. A mulher observou seu reflexo no espelho e praguejou a si mesma por não ter colocado pelo menos um pouco de gloss em seus lábios.
Se soubesse que iria encontrar Kim Namjoon àquela noite, ela teria se produzido um pouco mais. Talvez usado os brincos prateados que ganhou em seu aniversário de quinze anos, os quais nunca foram usados, ou aquele batom coral que Jinyoung lhe dera no ano novo, e que nunca tinha sido retirado do lacre...
No que você está pensando?, a vozinha gritou em sua mente. Ele nem estava olhando para você!
— Burra, burra, burra! — Hee Joey bateu os punhos na própria cabeça, de olhos fechados.
— Nossa... — uma moça sussurrou, assustada, enquanto saía de uma cabine.
A garota lavou as mãos rapidamente e saiu sem olhar para trás, fechando a porta como se tivesse visto uma aberração.
A cota de passar vergonha por hoje já encheu!
Hee Joey secou as mãos com um secador acoplado na parede e, após algumas batidinhas no rosto, ela saiu do banheiro.
E quase caiu para trás.
— Desculpe — uma voz sibilou. —Você estava demorando, então achei que estivesse passando mal e precisasse de ajuda.
Kim Namjoon estava parado na coluna que separava o banheiro masculino do feminino. Pela primeira vez naquela noite, Hee Joey tinha prestado atenção nele de verdade. O corte do cabelo loiro combinava com seus óculos que, por sua vez, combinavam com as roupas pretas que usava; um conjunto de camiseta de gola alta e mangas compridas e calça que deixava marcas em suas pernas malhadas.
Ele realmente devia ter sido um atleta no ensino médio. Talvez ainda fosse.
— Tudo bem, eu só... fui lavar o rosto.
O rapaz estava recostado na parede, as mãos inseridas nos bolsos da calça, o olhar fixo no dela.
Hee Joey, que um segundo atrás tinha colocado a mão sobre o peito pelo susto, agora não sabia o que fazer com elas.
— Sua amiga e Jackson estão ocupados misturando bebidas e soltando insultos um para o outro.
— Bae é uma figura — Hee Joey disse — Mas eu vou matar aquela cadela quando estivermos a sós.
— Perdão, o que disse? — Namjoon aproximou-se dela o bastante para escutá-la com mais avidez.
A enfermeira balançou a cabeça. O som dos cantores locais abafando o som de sua voz.
— Eu disse: que gentileza a dela. Bae é uma ótima amiga.
— Ah... — De repente, foi Namjoon quem pareceu não saber o que fazer. — Então... Eu... Sabe, eu estava pensando... Você não parece muito confortável. Sua amiga comentou algo sobre você querer ir para casa.
— Para ser sincera, lugares como esse não fazem o meu tipo. Na verdade, eu já estava indo embora mesmo.
Hee Joey prestou atenção no quanto Kim Namjoon era alto. Muito mais alto do que pareceu quando o viu pela primeira vez no hospital. As roupas pretas lhe ofereciam um ar robusto, como se de alguma forma fossem responsáveis por fazê-lo dobrar de tamanho.
— Confesso que eu estaria mais feliz se não tivesse que deixar meu filho em casa, mesmo sabendo que está seguro — o Kim disse. Depois de uma longa pausa, prosseguiu: — Eu estou de carro. Posso levá-la para casa, se quiser.
— Vou pegar um táxi — informou a enfermeira, já vasculhando os bolsos do jeans à procura da carteira. — Mas obrigada, de qualquer forma. É muito gentil da sua parte.
A moça já estava passando por ele quando a voz aveludada do rapaz a interceptou novamente:
— Um táxi a essa hora costuma ser meio perigoso. Vou ficar mais tranquilo se deixar você em casa.
Namjoon teve medo de parecer machista dizendo aquilo; que por ser mulher, Hee Joey não devia ficar zanzando por aí até tarde. Ele não pensava aquilo de jeito nenhum. Mas sabia que o mundo era cruel com as mulheres, e que mesmo Heavenland sendo inofensiva como uma xícara de chá gelado e o último crime ocorrido em oito anos fosse o furto de alguns fios elétricos em um bairro residencial não muito longe dali, ele não podia arriscar. Parte da preocupação com pessoas que não conhecia muita das vezes partia de Seokjin, seu filho. Como pai, Namjoon não conseguia pensar na ideia de alguém correndo qualquer tipo de perigo sem pensar em seu filho na mesma situação. Se ele tivesse uma filha ou irmã, ficaria feliz de ela encontrar alguém que pudesse lhe proteger verdadeiramente.
— No seu carro eu estarei mais segura do que num táxi? — Hee Joey cruzou os braços, tombando a cabeça para a esquerda e arqueando as sobrancelhas a fim de indicar que sua pergunta fora séria.
Quer dizer, Hee Joey só o tinha visto uma única vez na vida, e em seu local de trabalho. Embora Kim Namjoon parecesse uma pessoa agradável e simpática, não era como se os dois tivessem se tornado melhores amigos do nada.
— Pode acreditar que sim — respondeu o Kim, exibindo a mesma pose seria que a jovem, mas Hee Joey conseguiu discernir um fiapo de sorriso tentando escapar do cantinho dos lábios dele.
Ela sentiu verdade em suas palavras. Mas ainda assim, embarcar no carro do rapaz não parecia uma ideia muito convincente.
— Eu não sei se deveria. Bae não vai querer ir para casa tão cedo e eu não quero incomodá-la.
— Você pode me mostrar o caminho, e não se preocupe, minha memória é ruim demais para lembrar. Além do mais, vou ter que voltar para pegar o Jackie. Sério, você não vai incomodar. Eu também só quero um pretexto para voltar logo para casa. Não gosto de ficar longe do meu filho por muito tempo — Namjoon fez uma pausa, checando o horário no celular. — Essa hora ele já teve estar no décimo sono.
— Digamos que eu aceite, isso não vai parecer estranho? — ela disse e Namjoon ergueu as sobrancelhas. — Tipo, eu entrar no seu carro sendo que eu nem te conheço direito. As pessoas podem, sabe...
— Bom... — o rosto do Kim ficou pensativo. Mas ele ainda sustentava um semblante descontraído. — Eu também não conheço você. Você pode facilmente ser uma assassina em série em busca de uma vítima para a sua longa lista de crimes notívagos.
Notívagos?, pensou ela. Quem usa essa palavra pessoalmente?
— Tem razão — a mais baixa decidiu entrar no jogo alheio. — Se eu fosse uma serial killer, você seria um alvo fácil.
— Considere seu dia de sorte. Ou melhor, noite — Namjoon virou-se para espiar Joohyun e Jackson Wang no balcão. — Eles não vão querer sair daqui tão cedo, e você não tem que ficar presa num lugar que detesta, assim como eu.
Hee Joey pensou por um momento. E daí que ela só o conhecia há um único dia? Que por sinal tinha sido em seu ambiente de trabalho?
Ele parecia não se importar com aquilo, até porque em momento algum Namjoon chegou a lhe questionar sobre.
Lee Hee Joey levou aquilo como um sinal verde. Ela só queria ir para casa mesmo. Que mal tinha?
— Tudo bem — afirmou a moça, abaixando os ombros. — Mas primeiro vou dizer a Bae que você me lavará em casa, ok? Se eu sumir sem avisar, ela vai me ligar igual uma desesperada.
— Claro — disse ele, acompanhando-a conforme esgueiravam-se pelas mesas e seus ocupantes.
— Ah, você está aí! — Joohyun agiu como se estivesse vendo a amiga pela primeira vez. — Para onde pensa que vai?
Hee Joey tinha empurrado o banco para baixo do balcão.
— Para casa — respondeu a Lee.
— Vocês vão juntos? — Jackson perguntou, o olhar dele encontrando o da ex-namorada.
— Eu só vou deixá-la em casa em segurança — respondeu o Kim.
Bae e Wang ainda trocavam olhares suspeitos.
— Eu falei que não queria vir — Hee Joey deu de ombros. — E aquela bebida não me fez nada bem. Você devia ir para casa, também. Amanhã é segunda, ou seja, trabalho dobrado.
Sendo sexta ou domingo não fazia muita diferença para Joohyun. Hee Joey sabia que as saídas dela durante as noites no fim de semana nunca interferiam em seu desempenho no trabalho. Felizmente, pensou ela.
— Eu vou ficar mais um pouco. Não se preocupe, pode ir sem mim. Sei que Namjoon vai manter você segura.
— Certeza? — os olhos de Lee estavam meio esperançosos.
Ela não achava que Kim Namjoon poderia lhe sequestrar. Mas ficaria mais contente se sua amiga estivesse junto no percurso.
— Absoluta. Amanhã a gente se fala.
Hee Joey acenou para a amiga, que apenas balançou a mão segurando a garrafa de vodca ice tea.
Quando ela e Namjoon saíram do bar, a enfermeira ficou grata por poder respirar ar puro, algo que não tivesse relação com álcool ou nicotina.
— Vamos? — ele fez menção de abrir a porta para que ela pudesse entrar. Mas Hee Joey tinha sido rápida.
Ela ainda estava meio desconcertada com a situação. E sentia que quanto menos coisas ele fizesse por ela, menos teria que agradecer posteriormente.
— Você está bem? — era a segunda vez que ele perguntava aquilo em menos de meia hora.
Namjoon tinha manobrado seu carro modelo anos 1990 fora do estacionamento e seguia em direção à rua principal, atento, obedecendo aos comandos que a enfermeira lhe oferecia.
— Só meio zonza — Joey afirmou. — Bebidas não são o meu ponto forte. Você me perguntou mais cedo porque eu tinha ido ao Floratta se não costumo frequentar esses lugares, mas é culpa da Bae. Eu nunca consigo dizer não, e ela sempre está tentando me arrastar para onde vai. Ela acha que eu não sou uma adulta comum, mas como disse, minha profissão não permite ultrapassar os limites.
— Vocês são amigas há muito tempo? — os olhos do Kim estavam vidrados na rua à sua frente, mas a atenção do jovem parecia totalmente voltada para ela como se ambos não dividissem o pequeno espaço no carro dele.
— Nos conhecemos na faculdade. Acho que somos tão próximas justamente por uma ser o oposto da outra. Tipo, ela vive tentando me tirar de casa enquanto eu fico arranjando uma desculpa diferente todas às vezes que me chama para sair.
Namjoon esticou os lábios para cima, dando vida a um sorriso gentil.
— Jackie e eu somos assim, também. Ele não é do tipo que sai toda noite para bares e casas de shows, mas gosta de curtir como qualquer pessoa, e às vezes brigamos porque eu também invento uma desculpa para nunca sair com ele. O Seokjin é muito pequeno para ficar sozinho, e eu não sei se teria coragem de deixá-lo com uma babá enquanto passo a noite na farra. Nunca vou ser esse tipo de pai.
Sabe quando você se sente excluído de todo mundo por gostar de algo que a maioria das pessoas não está nem aí? E quando conhece alguém que tem os mesmos interesses que você, aquele calor dentro do peito começa a transbordar e tudo o que você quer é puxar assunto com essa pessoa a fim de descobrir o que mais ambos têm em comum? Era assim que a Lee se sentia.
— Exatamente! — havia um sorriso infantil no rosto dela, como criança recebendo presente de natal. — Bae fica virada comigo. Ela conhece todas as minhas desculpas. Às vezes nem sei o que inventar, mas fico com vergonha de recusar seus convites malucos.
— É normal — foi o que o Kim disse, e por um tempo não houve mais nenhuma palavra a ser dita.
O percurso para a casa de Hee Joey estava sendo mais fácil do que Namjoon tinha pensado. Heavenland era uma cidade muito pequena, e dentre todos os prós e contras de viver num lugar do tamanho de um bairro de cidade grande, saber que a casa de qualquer pessoa ficava perto de qualquer lugar era o melhor deles.
— Se importa se eu abrir a janela? — as palavras tinham sido praticamente cuspidas de sua boca quando o veículo começou a ficar abafado e o gosto de bebida alcoólica acentuando em sua garganta. — Não quero acabar vomitando no seu carro.
Namjoon estava ocupado olhando a rua atrás deles pelo retrovisor externo. Mas fez que sim com a cabeça.
— Fique à vontade. Melhor?
— Sim, obrigada.
— Você mora aqui? — ele perguntou assim que chegaram em frente a um prédio com pequenas plantas pendentes adornando a portaria.
A Lee sentiu uma estranha emoção tomar conta de seu interior. Era como quando o seu filme favorito acabava, ou aquele livro de enredo perfeito chegava ao final e sua vida nunca mais seria a mesma.
Hee Joey só não sabia por que sentia aquilo tão de repente.
Ela estava em sua casa, afinal. Por que diabos sentia como se quisesse ficar?
— Sim — a mulher respondeu, olhando a janela de seu apartamento no alto. — Já está ficado tarde, é melhor eu entrar. Obrigada, e desculpe pelo incômodo.
Quando Namjoon sorriu, covinhas perfeitamente redondas circundaram suas bochechas. E por um instante, o tempo pareceu congelar.
— Não foi incômodo algum. Você estará no hospital, depois de amanhã?
— Sim — Joey respondeu.
— Ok, então eu te vejo lá. Boa noite.
Ela estava tão vidrada nos detalhes do rosto dele que só percebeu que ainda estava dentro do carro quando um vento gelado ultrapassou a janela aberta e fez cócegas em sua nuca. Mas Hee Joey não riu. Apenas observou a portaria do prédio e respirou fundo, desafivelando o cinto de segurança.
— Boa noite — disse ela pela última vez.
E saiu andando sem olhar para trás.
Assim que ultrapassou a catraca da portaria, o senhor Jung sorriu gentilmente para ela de onde estava no cubículo de vidro, sentado numa cadeira giratória com uma xícara de café quente em suas mãos.
O ronco do motor do carro de Namjoon fez com que ela se sentisse grata por estar em casa, e por estar bem. Antes de chamar o elevador, Hee Joey deu uma última espiada na rua silenciosa, mas o veículo do Kim havia sumido depois de ele ter feito o retorno para, provavelmente, voltar ao Floratta em busca de seu amigo.
Seu apartamento estava quente quando ela entrou. A janela basculante da cozinha estava aberta, e depois de fechá-la, a jovem enfermeira enfiou-se abaixo do chuveiro, jogando as roupas sujas direto na máquina de lavar. Depois de tomar meia xícara de chá de camomila, ela finalmente sentiu que estava pronta para dizer adeus àquela noite e preparar-se para a correria do hospital na manhã seguinte.
Os lençóis eram quentinhos e o clima convidativo. A luz do abajur já estava desligada e o quarto tinha sido mergulhado num abismo repleto de escuridão. Mas, por alguma razão, Hee Joey não conseguia dormir.
Por mais que estivesse sonolenta, virava-se de um lado para o outro na cama grande de seu quarto e ao fechar as pálpebras, o sono simplesmente desaparecia e ela começava a ficar ofegante.
Ela tinha ido à cozinha em busca de um comprimido de sominex. O medicamento não era usado há semanas, mas naquela noite seria inevitável usá-lo.
Quando retornou ao quarto, os eventos da noite atual reverberaram sua mente como uma fita sendo rebobinada. Só então ela juntou forças suficientes para questionar a si mesma se o desconforto no estômago era consequência da bebida ingerida no bar ou se havia outro motivo por trás daquilo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro