6.0 | NIGHTMARE
Alerta à menções de assédio.
{ Pesadelo }
Maze Jules Maybank -MJ
A água morna escorria pelos meus dedos enquanto eu lavava os pratos, o som da TV preenchia a casa como um zumbido constante, e o cheiro de cerveja pairava no ar, misturado com o cigarro barato que meu pai e os amigos dele fumavam na sala. Eu podia ouvir as risadas deles, grossas e arrastadas, enchendo cada canto do ambiente como uma ameaça invisível.
Não olhe para eles. Não olhe para eles.
Meus olhos estavam fixos no prato ensaboado nas minhas mãos, mas eu sentia a presença deles como se estivessem logo atrás de mim. Luke soltou uma gargalhada alta, batendo a garrafa contra a mesa de centro, e eu soube naquele instante que um deles estava vindo. O som dos passos pesados contra o piso de madeira ressoou na minha cabeça como um alarme, e meu corpo inteiro ficou rígido.
— Olha só, a pequena Maze, ajudando nas tarefas de casa... — a voz dele deslizou como algo sujo, grudando na minha pele. Eu continuei esfregando o prato com mais força, tentando ignorá-lo, e torcendo para que pudesse me tornar invisível.
O outro apareceu logo depois, encostando-se na pia ao meu lado, tão perto que senti o cheiro forte de álcool misturado ao suor antes mesmo de ouvir sua voz.
— Você tá crescendo rápido, hein? Aposto que já tem um monte de moleque atrás de você na escola.
Engoli em seco, e senti as palavras presas na garganta como um nó sufocante. O prato escorregou um pouco das minhas mãos molhadas, e eu me apressei para segurá-lo, sentindo o olhar deles queimar minhas costas.
— Dá um tempo, cara... ela tá ocupada. — meu pai grunhiu da sala, mas a voz dele soou vazia. Ele nem se importava de verdade.
— Só estamos brincando, Luke. — um deles respondeu, rindo baixo, e eu não precisava olhar para saber que eles estavam se entreolhando com aquele sorriso nojento.
Meu coração martelava no peito, e eu queria correr, queria gritar, mas tudo que fiz foi continuar parada, desejando que aquilo acabasse logo.
Porém, o pesadelo não acabava.
As vozes continuavam a fluir ao meu redor, sussurrando coisas que eu queria esquecer. Minhas mãos tremiam, o som da água batendo na pia se misturava às risadas, e então...
Um toque firme na minha cintura. Frio.
Me virei num sobressalto, mas não havia ninguém. Só o quarto, a luz fraca do amanhecer e o JJ dormindo ao meu lado, totalmente alheio ao pesadelo que ainda me assombrava. Meu peito subia e descia rápido, e eu podia sentir o suor frio na minha pele. Passei as mãos pelos lençóis, tateando, como se precisasse ter certeza de que estava ali, segura, longe daquela cozinha, daqueles olhares.
Era só um pesadelo. Ou melhor, uma das lembranças que eu não conseguia deixar para trás, desde os treze anos.
Fechei os olhos com força e continuei deitada, tentando esquecer aquele maldito sonho. Mas a sensação de mãos invisíveis ainda estava ali, persistente.
— Maze? — abri os olhos rapidamente, assustada.
Suspirei aliviada quando vi que era apenas meu irmão. Seus olhos ainda estavam meio fechados pelo sono, mas a sua expressão carregava um toque de preocupação.
— Oi. — minha voz saiu fraca, quase como se não fosse minha.
Ele se virou um pouco na cama, apoiando o braço atrás da cabeça, me observando como se esperasse que eu acrescentasse algo mais na minha resposta.
— Você tava se mexendo muito.
Soltei uma risada fraca, tentando afastar a tensão.
— Sonho bobo, só isso.
Meus olhos vagaram até o teto, buscando algum tipo de distração. Mas tudo que encontrei foi o som da respiração tranquila do JJ, lembrando-me que eu estava ali agora, naquele momento.
— Só volta a dormir, Jay. — murmurei, fechando os olhos por um instante.
— Você também, maninha.
No entanto, voltar a dormir não estava mais nos planos.
Soltei uma respiração longa antes de me levantar preguiçosamente, e observar o relógio em cima da cabeceira indicar que eram seis e meia. A luz fraca do amanhecer entrava pelo lado de fora, pintando o quarto com tons suaves de laranja e azul. Tudo parecia calmo demais comparado ao turbilhão dentro de mim.
Caminhei até a janela, afastando um pouco a cortina, e o ar fresco da manhã bateu no meu rosto, trazendo um alívio momentâneo. Fora do castelo, tudo seguia seu ritmo normal — o mar ao longe, as folhas se movendo com o vento... Era apenas mais um dia comum.
— Hoje daria um dia incrível para surfar. — ouvi a voz rouca do JJ me puxar de volta para a realidade.
Virei a cabeça para vê-lo já sentado na cama, se espreguiçando e com um sorriso maroto nos lábios.
— Você vai trabalhar hoje? — perguntou, provavelmente esperando alguma reação minha.
Eu queria responder com algo que não denunciasse o nó na minha garganta, mas tudo que consegui fazer foi dar um aceno de cabeça e soltar um murmúrio baixo.
Meu irmão continuou me olhando por um instante, como se tentasse decifrar algo, mas não insistiu. Somente sorriu levemente e se jogou de volta no colchão, cobrindo o rosto com o braço.
Aproveitei a deixa para sair do quarto de vez. Passei as mãos pelo rosto, tentando afastar os resquícios do pesadelo, e fui até a porta, abrindo-a com cuidado para não fazer barulho. Assim que saí para o corredor, dei de cara com o John B, que vinha na direção contrária com a mesma expressão sonolenta de sempre. Ele parou por um segundo, avaliando meu rosto com aqueles olhos atentos demais para tão cedo da manhã.
— E aí? Dormiu bem?
— Uhum. — murmurei, acenando com um sorriso forçado e passando por ele antes que pudesse fazer mais perguntas.
Senti seu olhar me seguir por alguns segundos enquanto eu ia andando, mas ignorei. Meus passos eram arrastados, e tudo que eu queria era uma quantidade de álcool o suficiente para me manter longe das lembranças que ainda rondavam minha cabeça.
Quando cheguei à cozinha, o silêncio caiu sobre meus ombros de uma forma quase insuportável. Não havia mais o canto insistente do galo para encher a casa. E de algum jeito, isso deixava o ambiente mais pesado.
Sem pensar muito, fui direto até o armário e peguei o frasco de antidepressivos. Meus dedos trêmulos desenroscaram a tampa com pressa.
"Você tá crescendo rápido, hein?"
Antes que eu pudesse reconsiderar, três comprimidos já estavam na minha palma. Coloquei-os na boca e, sem pensar, abri uma cerveja da geladeira, engolindo tudo de uma vez.
"Só estamos brincando, Luke."
A lata ficou suspensa no ar por um instante. Respirei fundo, apertando-a com força, como se pudesse esmagar tudo o que vinha junto com aquela frase.
Os pratos, a pia, a luz fraca da cozinha de anos atrás — tudo estava ali de novo. Eu, aos treze, tentando ignorar os risos abafados vindo da sala. Tentando convencer a mim mesma de que o jeito como me olhavam não significava nada.
"Aposto que já tem um monte de moleque atrás de você na escola."
Outro gole.
Meus pulsos queimaram quando raspei as unhas sobre a pele, buscando alguma dor que não fosse a que eu carregava dentro. Só precisava esquecer, só isso. Larguei a lata na bancada com um baque surdo e fui até o armário mais alto. Me estiquei na ponta dos pés, puxando uma garrafa de vodka escondida lá no fundo. Coloquei-a sobre o balcão com força, proferindo, na minha mente, que aquele seria o ponto final.
Basta dessas lembranças por hoje.
— Vou sair e não tenho hora para voltar! — gritei, sem esperar por qualquer resposta dos garotos.
No quarto do John B, arranquei a camisa que vestia e troquei por uma blusa de botões dele — ele tem estilo, afinal. Vesti meu short jeans, ensaquei a blusa e segui até o banheiro. A água fria escorrendo pelo meu rosto enquanto escovava os dentes me trouxe uma breve tranquilidade, mas foi passageira.
Quando saí, dei de cara com o Boker e o JJ me encarando como se eu tivesse anunciado o fim do mundo.
— Vai aonde? — John B perguntou, franzindo as sobrancelhas.
— Me avisa quando chegar lá, tá ouvindo? — meu irmão comunicou, cruzando os braços.
Passei os dedos pelo cabelo, tentando desembaraçar as pontas com uma paciência que eu não tinha.
— Vocês sabem que eu sou a mais velha, não é? — sorri, desafiadora.
— E o que isso tem a ver? — Jay retrucou, de cara fechada.
— Tem a ver que ela que manda em você, cara. — John B zombou, dando tapinhas no ombro dele.
Revirei os olhos e voltei à cozinha. Peguei a garrafa de vodka e girei a tampa lentamente, antes de tomar um gole longo. O líquido queimou minha garganta, e eu me forcei a engolir, sem pensar muito.
— Espera aí! Seu café da manhã vai ser vodka? — John B exclamou, olhando para mim como se eu tivesse perdido completamente o juízo.
Eu e o JJ trocamos um olhar rápido antes de respondermos em uníssono:
— Qual o problema?
John apenas suspirou, balançando a cabeça em derrota.
— Deixa pra lá. — resmungou, antes de sair de lá.
JJ se aproximou um pouco, olhando para a garrafa em minha mão com um meio sorriso.
— Me dá um gole? — ele pediu, quando eu fiz menção de sair também.
— Não. — sorri de canto, já indo em direção à porta da casa. Tranquei-a atrás de mim antes que ele pudesse argumentar alguma coisa.
Dei o primeiro passo para fora, sentindo o calor do sol queimando minha pele. Não se passaram nem dois segundos até que a voz indignada do JJ ecoou lá de dentro:
— Essa era a última, MJ!
Ri sozinha, balançando a cabeça. Talvez sejam essas pequenas coisas que me fazem continuar.
Depois de alguns minutos vagando sem rumo, me vi diante da mansão dos Cameron. Suspirei, sentindo o peso do que me trazia até ali se tornando mais evidente a cada passo. Peguei a garrafa quase vazia de vodka e tomei mais um gole, ignorando a dor de cabeça que já começava a se formar, enquanto o líquido queimava minha garganta.
Sem pensar muito, atravessei o jardim bem cuidado e apertei a campainha.
A porta se abriu alguns segundos depois, revelando uma garotinha que não devia ter mais de treze anos. Pela postura e o olhar, soube imediatamente que era a filha mais nova do Ward. Ela me avaliou de cima a baixo, desconfiada, como se já tivesse percebido que eu não era o tipo de pessoa que deveria estar ali.
— Oi, pirralha. — cumprimentei educadamente, me inclinando um pouco para ficar na altura dela. — O Rafe está?
Ela cruzou os braços e estreitou os olhos, claramente analisando cada detalhe meu.
— Depende. Você é alguma namoradinha dele?
Soltei uma risada curta e balancei a cabeça.
— Nem ferrando. — sorri ainda mais, gostando da audácia dessa garota.
— Nesse caso, ele tá. — ela deu de ombros, parecendo satisfeita com a resposta.
— Ótimo. Pode me levar até ele?
A Cameron mais nova revirou os olhos, abriu a porta um pouco mais, e lançou um olhar cúmplice por cima do ombro, como se estivesse cometendo um pequeno crime.
— Tá bem, entra logo antes que alguém veja você.
Atravessei a entrada luxuosa, e ela fechou a porta atrás de mim. Enquanto eu olhava ao redor, sentindo-me completamente deslocada naquele ambiente extravagante, resolvi puxar assunto. Eu tentava inutilmente parecer mais à vontade do que realmente estava.
— Então, garota, qual é o seu nome?
— Qual é o seu? — rebateu, subindo as escadas com um sorriso travesso no rosto.
— Touché. — assenti, subindo atrás dela. — É Maze.
— Eu sou a Whezzie, May. — respondeu, antes de me lançar um olhar curioso. — Posso te chamar de May?
— Pode sim, Whezzie. — testei o nome, notando que combinava com a atitude dela. — Prazer em conhecê-la.
Ela sorriu suavemente e apontou para o final do corredor à nossa frente.
— O quarto do Rafe é o último à direita. E só pra constar... ele tá de mau humor.
— Novidade. — revirei os olhos, seguindo em frente.
Ela continuou andando ao meu lado por algum tempo, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça e um jeito despreocupado de quem conhece cada canto daquele lugar.
— O que você quer com ele, afinal?
— Assunto de gente grande, pirralha. — sorri de canto, parando diante da porta do mais velho.
Whezzie bufou, mas não conseguiu esconder a diversão nos olhos.
— Boa sorte. Você vai precisar. — disse, antes de desaparecer pelos corredores.
Bati duas vezes na porta. Do outro lado, a voz abafada do Rafe soou impaciente:
— Estou ocupado!
Ignorei e bati de novo, dessa vez com mais força.
— Já falei que estou ocupado, Whezzie! — a voz dele veio mais alta, claramente estressada.
Apoiei o ombro na parede e bati mais uma vez, tranquila.
Até que ouvi passos se aproximarem do outro lado e, num rompante, a porta se abriu de supetão, revelando Rafe Cameron com uma expressão nada amigável.
— Que parte de "ocupado" você não entendeu? — ele começou, mas logo se calou assim que viu que era eu quem estava na sua frente.
Lancei um sorriso de escárnio e levantei a garrafa de vodka em uma saudação sarcástica.
— A parte em que eu não ligo.
Rafe me encarou por um momento, como se tentasse decidir se valia a pena me mandar embora ou não. No fim, suspirou, passou a mão pelo rosto e se encostou no batente da porta.
— O que é que você quer, Runner?
Arqueei uma sobrancelha, cruzando os braços.
— Sério que você acabou de transformar meu nome numa referência de filme? Que original.
Soltei uma risada sarcástica, mas ele só revirou os olhos, impaciente.
— Preciso que venha comigo. — por fim, respondi a pergunta dele.
— Tá de brincadeira, né? — a ironia na voz dele era evidente, mas assim que percebeu minha expressão, se calou.
— Rafe, eu não estou pedindo. — afirmei, sustentando seu olhar desafiador.
Ele emitiu um murmúrio ininteligível, negando com a cabeça antes de pegar a garrafa que estava pesando na minha mão e sair andando.
Não precisei de um convite. Cruzei os corredores atrás dele sem hesitar e seguimos diretamente para uma cozinha. Me deixei apreciar o leve frescor do ar-condicionado, e senti o contraste com o calor sufocante lá de fora. Rafe andava na minha frente, ainda segurando a garrafa de vodka pela boca, como se fosse um problema que ele já houvesse decidido como lidar.
— Agora fala. — ele se desbruçou na bancada, após ter colocado a garrafa na pia.
Apoiei as mãos na mesa, batendo levemente os dedos contra a superfície fria do mármore.
— Já falei. Preciso que venha comigo.
— Ah, claro. E ir com você para onde, exatamente? — perguntou, cínico.
— Barry.
O nome pairou no ar como um estalo, e a expressão do Cameron endureceu na mesma hora.
— Maze... — ele passou a língua pelos dentes, irritado. — Eu não estou com o dinheiro aqui.
— E quem foi que falou em dinheiro? — inclinei a cabeça, observando sua expressão. — Só vamos bater um papo com o chefe.
Ele soltou um suspiro pesado, bagunçando os próprios cabelos como se tentasse decidir se queria mesmo entrar nessa furada. Porém, ele sabia que não tinha escolha.
— Eu tenho escolha?
Sorri de canto, reconhecendo que ele havia perguntado exatamente o que eu pensava.
— Nenhuma.
Rafe revirou os olhos, tirou um molho de chaves do bolso e saiu da cozinha sem dizer uma palavra.
— Bem hospitaleiro, você. — comentei, alcançando-o na metade da escada.
— Hospitaleiro é tudo que eu não vou ser com você, Maybank.
— Ah, então o kook não nega? — caçoei, antes de apressar os passos para sair da mansão sem tardança. Aquele lugar me dava ânsia.
O calor bateu em cheio assim que cruzamos a porta, e o sol escaldante parecia refletir no asfalto quente. Assim que chegamos à calçada, Rafe pegou um dos capacetes e, sem nem avisar, o colocou direto na minha cabeça. Apenas empurrou a faixa sob meu queixo, ajustando-a como se fosse obrigação dele, não uma gentileza.
— Tenta não embaraçar meu cabelo, kook. — resmunguei. — Não sou igual a você, que enche o seu de gel.
Ele soltou um riso curto, sem humor, e subiu na moto, pegando o outro capacete.
— Sem discussões. Eu dirijo. — declarei antes mesmo que ele tentasse mandar eu subir na garupa.
Rafe franziu a testa e lançou um olhar confuso para mim.
— Não confio em ninguém pilotando minha moto.
— Bom, o Barry também não confia em gente que deve à ele. — sorri falsamente, pegando a chave da mão dele sem pedir permissão.
Ele me encarou por um longo momento, como se esperasse que eu desistisse da ideia. Mas como sabia que isso não ia acontecer, bufou e saiu da moto com irritação.
Subi no banco com naturalidade, encaixando a chave na ignição com uma familiaridade que o fez semicerrar os olhos. O Cameron demorou um segundo antes de vir atrás, subindo na garupa com uma hesitação que me fez rir.
— Tá com medo, garotinho? — brinquei, soltando uma risada.
— Cala a boca e só dirige.
Senti as mãos dele pousarem na minha cintura, primeiro leves, quase relutantes.
— E segura firme, ouviu? — acrescentei, sorrindo de canto. — Não quero ficar conhecida como a garota que pilotava quando Rafe Cameron comeu asfalto.
Antes que ele pudesse revidar, girei o acelerador e deixei o motor roncar sobre a estrada.
A temperatura daquela manhã continuava incandescente, queimando nossa pele enquanto a moto deslizava pelo asfalto quente. O vento, longe de ser refrescante, apenas fazia o calor rodopiar ao nosso redor, bagunçando meu cabelo sob o capacete.
No começo, Rafe manteve as mãos hesitantes na minha cintura, como se ainda ponderasse o quanto aquilo era uma péssima ideia. Mas bastou uma curva mais fechada para que seus dedos apertassem um pouco mais. Instintivamente. De modo que, finalmente, tivesse aceitado que eu sabia exatamente o que estava fazendo.
Sorri comigo mesma. Era bom vê-lo sem escolha pela primeira vez.
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