CHOQUE
CHOQUE
ADAM
MISSÃO ESPECIAL: 00129.82
TIPO: RESGATE ESPECIAL
EQUIPE: STAR
LOCALIZAÇÃO: SOMÁLIA, ÁFRICA
COORDENADAS: 2.03333. 45. 35. 1' 65'
TEMPO DE MISSÃO: 5 HORAS
LOCAL DE RESGATE: COSTA LITORANÊA DO QUÊNIA
----- MISSÃO CONCLUÍDA COM SUCESSO --------
RESGATADOS:
1. ADAM DANIEL BAYLOR
2. BENJAMIN FINLEY
3. JOSÉ VARGAS ( RESTOS MORTAIS)
BERLIM, ALEMANHA
HOSPITAL MILITAR
Os tenebrosos corredores silenciosos cheiram a doença e morte. Conhecia aquele maldito cheiro cultivado em minhas narinas nos últimos meses. Meu corpo perambula exausto devido ao efeito dos analgésicos diários. A tipoia presa em meu corpo, que sustenta meu braço esquerdo, é uma amarra a mais.
O horário entre o almoço e troca de turno era o melhor para escapar, fumar um cigarro ou simplesmente subir até o telhado e ficar sozinho em silêncio. A vida no meio das pessoas não parecia mais a mesma, o falatório me irritava, os olhares desconfiados, cheios de perguntas e com piedade eram revoltantes.
Não queria voltar para o buraco do qual tinha sido resgatado, mas não sentia que pertencia àquele lugar. Não pertencia a aquela vida. Foram apenas dois meses sem identidade, dignidade ou descanso, que pareciam uma vida inteira roubada.
O Adam Baylor que deixou o helicóptero em sua última missão, não era o mesmo que percorria os corredores daquele hospital militar, em Berlim.
Eu tinha morrido junto com os meus companheiros.
A maldita ficha começava a cair lentamente. Nunca mais voltaria a ver Jansen, Willians, Stone e Vargas. Suas vozes estavam vivas na minha cabeça, mas só conseguia lembrar dos seus rostos sem vida.
E mal conseguia lembrar como tinha conseguido ir parar ali com vida. Tinha saído de um buraco, que tinha deixado outro buraco em minha mente fodida. Acordava gritando pela madrugada. Dormia com medo. Não dormia. Acordava esperando encarar as paredes fedorentas de barro e sem luz.
Estava esperando abrir os olhos e descobrir que não tinha deixado aquele maldito buraco. Parte de mim ainda queria estar lá. Parte de mim achava que merecia ficar lá.
Trago o ar fedorento daquele lugar pouco acolhedor com suas paredes brancas gélidas. Paro diante do quarto 304 – quase a dois corredores de distância do meu – encaro o número pregado na porta azul fechada.
Não preciso entrar para ouvir o barulho das máquinas que consumiam qualquer silêncio. Paro. Pela primeira vez sinto medo em meses. Merda. Sinto medo pelo que vou encontrar do outro lado. Ouvir era diferente de ver. Sinto medo de encarar a única pessoa que me entendia naquela merda de lugar. Naquela merda de vida.
Cacete.
Com um puta medo bato na porta.
— Pode entrar — a voz familiar autoriza do outro lado.
Tinha passado anos ao lado daquele homem. Tinha passado os últimos meses da minha vida enfiado em um buraco com ele. Agora tudo que queria era não estar ali, ou estar no lugar dele.
Abro a porta, não tenho dificuldade para encontrar a cama hospitalar reclinada no centro do quarto – nossos quartos eram parecidos –, nem para encontrar o moreno deitado sobre ela.
Fecho a porta, não conseguindo ignorar a cadeira de rodas logo atrás. Meu estômago se revira e minha cabeça queima. Minha sentença era uma tipoia a sentença de Benjamin Finley era uma maldita cadeira de rodas.
— Finley — me aproximo da cama.
O homem moreno não me encara, com os olhos azuis vidrados na janela, o corpo coberto até o torso, a barba negra por fazer e os cabelos aparados. Tão diferente da figura alegre, sedutora, de barba aparada, sorriso fácil, olhos azuis brilhantes, cabelos volumosos e aparados ao lado. Posso ver apenas o movimento da sua garganta que parece engolir inúmeros caroços. Apoio minha mão na base metálica do desconfortável leito.
— Como você está? — a pergunta não soa boa aos meus ouvidos.
Não queria estar ali, nem dizer aquelas palavras infernais que pareciam insignificantes, quando eu sabia, apesar de não lembrar.
Minha mente fodida não lembrava de nada coerente dos principais momentos da minha vida. Malditamente não lembrava como Finley tinha acabado ali, nem Vargas dentro de um caixão.
— Como você acha? — sua risada sarcástica é menos impactante do que o seu olhar vazio que me encara.
Seus olhos estão vermelhos e cheio de ódio. O conhecia o suficiente para saber.
— Eu sinto muito — balbucio a péssima frase ensaiada.
A risada irônica de Ben ecoa pelas paredes vazias do quarto.
— Deveria sentir — o não humor some, deixando o olhar de ódio — Se você tivesse me obedecido — rosna furioso.
Minha mente gira junto com o meu estômago vazio. Sinto ódio de mim. Sinto um maldito ódio quando meu companheiro de equipe joga os lençóis e estapeia suas pernas mortas dentro de uma calça cinza.
— Isso é culpa sua — esbraveja — Está feliz agora de bancar o herói? Um herói que salvou apenas a si mesmo — acidamente cospe as palavras.
Seu olhar negro me fuzila. Eu mereço. Sou um filho da puta que merece aquilo.
— Ben, eu [...] — ranjo os dentes.
— Você o que? — me interrompe irritado — Sente muito? Não sabia que acabaria assim? Não sabia que acabaria mal para mim? Não preciso disso, preciso das minhas pernas de volta.
— Se eu pudesse trocaria de lugar com você.
— Acredite eu também. Eu também queria que a bala alojada na coluna fosse para você. Você deveria estar aqui — sua mão soca a cama — Não eu.
Ele desabafa. Eu respiro. Solto a base da cama. Não podia mudar aquilo. Não tinha como. Finley cobre suas pernas. Suas pernas que segundo o médico poderiam nunca mais voltar a andar, tudo graças a uma bala, uma maldita bala que tinha acertado a sua coluna.
— Eu vou te deixar descansar — decreto me afastando em direção a porta.
Giro a maçaneta, ansiando por sair dali.
— Adam — paro, encaro minha mão em torno do objeto metálico — Você é a minha família — ele pigarreia — Eu te devo muito, mas nunca mais quero te ver na vida. Agora é cada um por si.
Concordo com a cabeça, sem olha-lo por uma última vez, deixo meu último companheiro para trás e carrego a culpa comigo.
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