ARRITMIA
ARRITMIA
TATE
LOS ANGELES, CALIFÓRNIA
METADE DO VERÃO
A enorme loja de decoração no centro de Los Angeles estava vazia para um meio de tarde de sábado. Rodeada por latas de tintas, papéis de parede, placas de revestimento de parede e outros setores divididos em quase uma quadra. Espero ao lado do balcão de pagamento, com o homem de cabelos castanhos claros, com suaves mechas loiras que contrastavam com seu rosto comprido e olhos azuis, uma belo homem. Um belo homem chamado Guster Burton, ou Gus.
Um belo estudante de direito que um dia se perdeu no campus da USC – University of Southern California – ao visitar o seu irmão. Nos esbarramos. Ele catou meus livros e me acompanhou até a sala de aula, todo falante e sorridente anotou o número do seu telefone em um dos meus livros, sem que eu percebesse.
Gus não era um romântico incurável, apenas um sedutor apaixonante, paciente e amigável, que esperou por longos meses até me recuperar do termino com Ian Jones, meu primeiro amor.
Finalmente a pequena fila de duas pessoas anda. Paramos em frente ao enorme balcão azul, com apenas uma atendente do outro lado. E para um sábado, ela não estava de bom humor.
— Forma de pagamento, senhor?— a mulher de cabelos encaracolados, baixinha e magra pergunta seriamente, sem nos encarar.
O loiro ao meu lado sorri com todo o seu charme e habilidade de ignorar.
— Cartão — o homem de 1,80, retira a carteira de couro marrom do bolso detrás da calça jeans surrada, pega o cartão.
— Vou pegar a máquina — seria a caixa anuncia, como se seu dia tivesse piorado.
Gus concorda com a cabeça, lançando-me um olhar acompanhado do seu largo e envolvente sorriso.
— Tintas compradas, baby — comemora me lançando uma piscadela.
Sorrio, me derreto diante daquele homem. Estar com Gus era incrível, como um doce nunca antes experimentado e que agora queria provar todos os dias. Não sabia se era amor, era diferente do que tinha com Ian. Minha mãe dizia que era paixão, logo o fogo morreria. Eu duvidava. Era intenso. Todos os dias eram uma página em branco que pintávamos juntos.
— Vai ficar incrível o seu apartamento novo.
Seu sorriso diminui com as minhas palavras, seus olhos estreitam-se de forma peculiar. Seu corpo inclina-se para o lado até sua boca se aproximar da minha orelha. Não consigo evitar sentir a longa e demorada fungada de suas narinas ao sugarem meu aroma. Minhas pernas ficam moles. Mordo meu lábio inferior, contendo a tentação de me aproximar.
—Sabe o que seria mais incrível? — suas palavras são sedutoras.
— O que? — sussurro sem forças.
Sua cabeça se afasta e seu pescoço roda analisando o nosso redor solitário. Ainda sem a atendente que parecia ter se perdido no caminho.
— Vem aqui comigo, que eu conto.
Sua mão firme agarra a minha e me puxa alguns passos de distância do caixa. Saímos da fila e paramos atrás de uma propaganda de papelão de tintas, com tamanho razoável para esconder os nossos corpos.
— Gus — tento pestanejar, quando nos escondemos.
O largo sorriso toma seus lábios novamente e suas mãos reivindicam meu corpo, agarrando minha cintura de forma possessiva. Nem penso em recuar quando sua testa cola na minha.
— Shii. Deixa eu falar — o som é soprado entre os seus dentes — Seria incrível você morar comigo, Elizabeth Evans.
Crispo os lábios, escondendo o sorriso com aquele repetitivo convite, que já tinha recusado uma dezena de vezes. Seria uma loucura morar com ele. Minha mãe me mataria ou me arrastaria pelos cabelos de volta para o dormitório da USC. Ou pior, me levaria para morar na casa dela a poucos minutos da Universidade. Por mais que fosse tentador, não era uma opção.
Meus dedos tocam seu rosto liso e macio. Meus polegares desenham e redesenham o formato dos seus lábios carnudos que tanto amava tocar. Sentia-me sem chão entre os seus braços.
— Você sabe que não é fácil assim — repito a decorada resposta — Não quero brigar com a dona Anne.
Seu perfeito cenho arqueia-se inabalável com a minha recusa.
— E se eu falar com ela?
Maneio a cabeça em negativa, com os olhos vidrados nos lábios que queria beijar mais uma vez naquele dia.
— Dona Anne não é osso fácil — recordo.
Minha mãe era moderna. Com o pensamento de que lugar de mulher era ter uma carreira, liberdade e depois pensar em casamento, quando não corresse mais o risco de ficar dependente de um marido e presa a um casamento.
Gus balança a cabeça para a frente discordando de mim.
— Deixa vai.
Nego com a cabeça.
— Não — seu queixo inclina-se para frente.
Meus dedos deixam de ser um obstáculo. Meus lábios absorvem o calor dos seus com gosto de bala de morango.
— Sim — insiste.
— Não — sussurro contra os seus lábios.
— Senhor — um chamado alto e sonoro, acompanhado de um pigarreio faz nós dois fecharmos os olhos.
— Acho que ela achou a máquina — brinca antes de se afastar.
♦
A parede estava pela metade. Tinha mais tinta em nossas roupas e sobre o plástico revestindo o chão do que na parede ou lata cheia pela metade, já estava vendo tons de azul escuro dentro dos meus olhos.
— Definitivamente não somos bons nisso — decreto abandonando o rolo dentro do suporte para tinta e limpando meu rosto com a costa da mão.
— Isso é chato — o loiro com a velha camiseta do U2 reclama, sustentando seu corpo sobre uma estreita banqueta e o braço esticado quase tocando o teto.
— Isso é arte — discordo — E somos péssimos em arte — um zumbido irritante se repete pela vigésima vez naquele começo de noite — Seu telefone — aponto para o aparelho brilhando sobre uma caixa de papelão lacrada, escrito: cozinha, na lateral.
— Droga — o estagiário reclama ao saltar da banqueta.
Gus joga o rolo ao lado do meu, limpa suas mãos na camiseta e agarra seu telefone, cumprimentando seu insuportável chefe. Ele estava mais para escravo do que para estagiário de uma grande e famosa empresa de advocacia. Sabia que deveríamos fazer nossos sacrifícios no começo de carreira, mas tudo deveria ter algum limite.
Meu namorado se afasta, indo para o cômodo ao lado para discutir com o seu chefe que normalmente ligava para saber onde estava o óculos, que normalmente acabava sendo encontrando no topo da sua cabeça ou empoleirado no próprio nariz.
Encaro a parede ainda necessitando de algumas passadas de tinta para ser definida como finalizada. Suspiro. Sem opção agarro o pequeno rolo, molho de tinta e retomo a repetitiva tarefa de cobrir a parede branca com azul petróleo, exercitando músculos desconhecidos do meu braço.
— Meu chefe está atolado — Gus entra na sala, resmungando e com o reflexo do humor do chefe — E fica com um humor infernal — ele devolve seu aparelho sobre a caixa.
O sorriso tinha sumido do seu rosto. Seus ombros estavam tensos e sua testa enrugada.
— E deixa você — comento com os olhos concentrados na minha tarefa de ajudante inexperiente em pintura — Relaxa, Gus — sugiro.
O loiro suspira a muitos passos de distância de mim. De soslaio observo suas mãos inquietas esfregarem suas madeixas, quase as arrancando. Às vezes me perguntava se compensava ter tanto estresse na vida, apenas para ter o nome como membro de um grande escritório. Já tinha sugerido para ele buscar lugares menores, com mais oportunidades de crescimento e menos de exploração, mas tocar naquele assunto era piorar o seu humor.
— Não é fácil — resmunga.
— Por que você não joga o seu charme no seu chefe? — brinco, tentando aliviar o clima.
Meu braço sobe e desce, dobrando o cotovelo cansado pelos movimentos repetitivos, porém minha obstinação por não deixar nada no meio era maior que a o desconforto pela descoberta de músculos inexistentes.
Ele não me responde. Rapidamente busco seus olhos azuis e encontro uma profunda censura. Engulo a amarga saliva. Com Guster tudo era perfeito, até pisarmos no pequeno calo: sua carreira. Carreiras eram importantes. A minha era importante para mim, porém deveria ser algo prazeroso, uma meta a ser alcançada com esforço, não um sacrifício que te tornava alguém mau humorado e tenso.
— Droga — a palavra vem acompanhada do irritante zumbido — Ele de novo.
Jogo o rolo na bacia, espirrando um pouco de tinta sobre o plástico, agarro o celular com um esticar de braço, constatando suas palavras.
— Deixa tocar — ordeno, escondendo o celular atrás de mim.
Guster se aproxima com uma expressão de poucos amigos. O tom azul dos seus olhos dá lugar a algo negro que nunca tinha visto antes.
— Me devolve, Tate — ordena, esticando a mão em minha direção.
Suas bochechas claras estavam vermelhas. Seu pescoço estava vermelho.
Nego com a cabeça.
— E se algum dia estivermos em algum evento importante, você vai largar a tudo e a todos para ficar de babá do seu chefe? — arqueio o cenho questionando o óbvio — Trabalho é uma coisa, mas ter que ficar fazendo coisas pessoais para ele é outra, é função de um assistente ou secretária, não a sua.
Suas narinas inflam-se cheias de algo que jamais tinha visto em seu rosto. Seus dedos balançam impacientes em minha direção. Conhecia aquela faceta, mas naquela noite estava pior.
— É minha carreira —observa em um tom obscuro.
Seus olhos não fazem minhas pernas tremerem. Meus pés querem recuar como um instinto desconhecido em mim.
Bato o telefone em sua mão.
— Lembre para ele que é final de semana — murmuro pouco confortável.
O homem com o celular em mãos nada me responde, apenas me dá as costas e começa a balbuciar pedidos de desculpas ao homem do outro lado da linha. Desisto de judiar do meu corpo, agarro a garrafa de água esquecida e tento afastar aquele momentâneo desconforto.
Bebo. Escuto seus passos e o silêncio em sua voz. Ergo o olhar. Sua expressão continua rígida e seria. Era uma transformação que notava em algumas ocasiões. Era como se nada mais existisse além dele e o seu chefe. Uma obsessão que o transformava em alguém desconhecido para mim. Alguém que não gostava.
Engulo a água.
— E então? — disparo curiosa — O que era de tão importante?
Seus olhos me evitam, preferindo olhar a tela do celular.
— Nada sério.
Engulo com a saliva a pequena e curta observação, resumida em: eu disse. Suspiro, tentando recuperar nosso final de semana que deveria acabar com risos, pizza e em seus braços. Fico em pé. Caminho em sua direção.
— Relaxa, Gus — murmuro a poucos passos de distância, minha mão toca seu ombro — Va [...]
As palavras engasgam na minha garganta assim que seu braço atinge meu peito com força, meus pés saem do chão e meu corpo é arremessando contra a parede inacabada. Minha cabeça bate com força no drywall, meu ouvido zumbe e tudo fica escuro entre um piscar e outro. Tudo fica escuro. Mal consigo respirar.
Pisco.
Pisco.
Pisco.
Pisco.
Gus aparece diante dos meus olhos com uma expressão de preocupado. Ajoelhado em meus pés e apalpando meu rosto.
Pisco.
Gus balbucia algo que não compreendo.
Pisco.
As mãos de Gus agarram meu rosto. Meu corpo quer recuar, mas é impedido pelo obstáculo atrás de mim. Sinto ânsia. Quero arrancar sua mão de mim, mas não tenho forças.
Pisco.
— Olha pra mim amor — finalmente consigo ouvir o que tanto seus lábios dizem.
Meus lábios tremem. Minhas mãos tremem. Um pavor toma o meu interior.
Pisco.
— Você está bem?
Não tenho certeza se consigo balançar a cabeça, mas o seu suspiro de alivio é sinal de que tinha conseguido. Quero me afastar. Preciso de distância. Ele continua lá, envolvendo o meu rosto e com o arrependimento estampado em seu rosto.
— Eu jamais te machucaria, baby. Acredita em mim — suplica.
Não sei se acredito. Um pavor despertar dentro de mim, algo nauseante e apavorante, como se a minha realidade fosse arrancada diante dos meus olhos e me jogado em algum pequeno pesadelo.
Pisco.
Não consigo raciocinar. Mau entendo o que aconteceu. Parte de mim não consegue aceitar. A outra parte manda eu fugir.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro