42 | NÃO PARE DE CANTAR
42
NÃO PARE DE CANTAR
ADAM
METADE DO INVERNO
O cheiro de pólvora impregna todo o ambiente. O silêncio é ensurdecedor. O silêncio é quebrado por pneus que gritam contra o asfalto. Aperto com força o corpo embaixo do meu.
Conhecia. Conheceria o barulho de uma metralhadora a milhares de distância.
Posso sentir Tate tremer embaixo de mim. Ergo a cabeça. Tem vidro por todo o chão. Rapidamente procuro sinal de alguém. Nada. Não escuto nada. Não vejo nada. A calmaria é assustadora.
— Já foram — anúncio libertando minha protegida.
Fico de joelho. Tate lentamente se vira. Posso notar que está assustada. Caralho! Tudo gira na minha cabeça. Pendo entre a vontade de sair correndo atrás dos malditos e de ficar ali.
Passo as mãos no cabelo. Eu entendo uma tentativa de assassinato facilmente. Aquilo não era uma ameaça. Nigel estava tentando me matar.
— Você está bem? — me preocupo com a garota de olhos redondos, seguro seu rosto entre as minhas mãos — Está bem?
Tate parece zonza. Seus olhos observam nosso redor com tudo destruído. Ela se desvencilha das minhas mãos. Seus dedos penteiam seu cabelo. Posso ver a confusão em seus olhos. Seus olhos pousam em mim. Ela me analisa. Para no meu abdômen.
— Você está sangrando — dispara assustada.
Corro os olhos até onde os seus observam. Passo os dedos sobre a camiseta. Tem uma mancha vermelha. Meus dedos umedecem. É sangue. Mas não sinto nada. Não tem nada. Saberia se tivesse sido baleado. Temendo o mais óbvio corro os olhos para a mulher na minha frente. Meu sangue gela.
— Tate — o ar me é sugado dos pulmões.
Ela entende. Não sei como. Ela entende. Ela corre os olhos até o seu abdômen. Ela ergue a blusa preta. A ferida circular jorra sangue.
— Adam — sua voz é trêmula.
— Merda! Merda!
Agarro uns trapos próximos. Coloco sobre a ferida pressionando.
— Segura firme — pego sua mão e pressiono contra a ferida — Segura — pego seu rosto entre as minhas mãos — Vai ficar tudo bem. Eu não vou deixar que nada aconteça com você. Eu juro. Entende.
Espero sua cabeça balançar concordando.
— Ótimo. Fica calma. Pressiona.
Olho para suas costas. Maldita bala tinha atravessado para o meu desespero. Não digo nada, apenas engolindo o nó na minha garganta.
Em um pulo procuro minha caixa de ferramentas. Vasculho. Jogo tudo no chão. O tilintar de chaves caindo quebra o silêncio. Finalmente acho. Agarro a fita adesiva cinza.
Corro até Tate! Rasgo mais um pano e pressiono em sua costa.
— O que você está fazendo? — a curiosidade da minha Sunshine permanece intacta.
— Confia em mim — o abrir da fita é audível.
Coloco a fita em torno da sua cintura. Bem apertado. Segurando os trapos. Sabia que era inútil, mas tinha que tentar.
— Acho que não tenho escolha.
Fico em pé. A ergo no colo. Não vejo mais nada. Não penso em mais nada. Pela primeira vez na vida sinto algo que jamais senti. Caralho! Pela primeira vez na vida sinto algo que fui treinado para não sentir: pânico.
Estou em pânico.
Luto contra o tremular das minhas mãos.
Não sei como a coloquei na caminhonete. Não sei como entrei. Mal sei para onde estou dirigindo. Não consigo pensar direito. Minhas mãos querem tremer.
— Pressiona — ordeno dividindo minha atenção entre o trânsito e a mulher ao meu lado.
Ela quem prende mais minha atenção. Suas pálpebras estão abaixando. Me desespero.
— Tate! Tate! Fica comigo! Por favor! Fica comigo.
— Adam — vocifera em um sussurro quase inaudível — Tô bem.
Enfio o pé no acelerador.
— Fica comigo — imploro tentando ser mais rápido que podia — Vamos. Canta alguma coisa.
— Não quero.
Espalmo minha mão sobre a dela, ajudando a conter o sangramento.
— Você ama cantar. Canta para mim — imploro.
— Não — sua voz está meio grogue.
— Vamos. Eu canto com você — divido minha atenção entre a estrada e a garota ao meu lado, ignoro a poça de sangue que começa a se acumular no banco do carro — And I need you now, tonight. And I need you more than ever. And if you only hold my tight. Web'll be holding on forever.
Ela se mexe sob minha mão.
— Sobrevivi para ver Adam Baylor cantando para mim Total Eclipse of the Heart — sua risada é fraca, o que aumenta o meu desespero.
— Não estou cantando para você. Estou cantando com você. Vamos Sunshine! Você adora essa música.
— Como você sabe?
— Você cantou para mim. Lembra?
Tate tosse. Enfio mais o pé no acelerador desviando de vários carros. Não me lembrava que o hospital ficava tão longe.
— Cantei? Quando?
— Quando você estiver melhor eu conto.
— Ainda estou com raiva de você. Não quero cantar.
— Você precisa ficar acordada.
— Eu te odeio
— Vamos fazer você ficar bem para continuar me odiando. Agora vamos. Canta. And we'll only be making it right.
— Cause we'll never be wrong — sua voz é fraca e decrescente — Togheter we can take it to the end o... — ela para.
— Tate. Tate. Tate fica comigo — suas pálpebras fecham — Por favor. Fica comigo.
Ela balbucia algo que não entendo e mais nada.
— Merda! Merda! Merda — bato contra o volante.
***
Meu coração pulsa descompassadamente, agredindo o interior das minhas costelas que mal conseguem sustentar o dilatar dos meus pulmões que executam a nefasta tarefa de respirar. Faz horas que mal sei o que é respirar. Estou morrendo.
Eu não quero respirar. Se ela não pode respirar. Eu não quero.
Estou morrendo. Se algo acontecer com ela. Porra. Se algo acontecer com ela.
Meus braços descobertos carregam o pequeno corpo mole da mulher pálida, cabelos castanhos jogados para baixo e olhos fechados. Seus malditos olhos redondos não me encaram com o habitual brilho. Um brilho que queria ver mais uma vez. Uma e outra vez.
Um nó se forma no meu estômago e o desespero toma conta de cada parte fodida do meu interior. Eu fodi tudo. Eu estou fodido. Eu fodi com a vida dela. Eu sabia que foderia. Eu sabia que ela foderia com a minha vida. Eu tinha certeza que ela foderia a minha. Soube disso naquela manhã em que abri os olhos e a encontrei parada ao lado da minha cama, com um irritante sorriso de orelha a orelha. Como eu odiei aquele sorriso. Foi lá, naquele sorriso, com aqueles olhos redondos e gentis que soube que ela seria a minha ruina. Ela seria a minha ruina. Ela estava sendo a minha ruina. Eu era a ruina dela. Eu sabia. E mesmo assim não a impedi.
Eu não tive forças.
Eu não tive forças para impedi-la.
De repente ela estava lá. Ela estava em todos os lugares. Sua maldita mania de tagarelar ecoava em todos os lugares. Ecoava no silêncio na minha mente.
Ela não tinha o direito de não estar mais lá.
Caralho
Eu não podia perdê-la.
Seu corpo está gelado. Seu corpo está mole. Sua maldita boca tagarela está fechada, com os lábios pálidos.
Seus malditos pulmões parecem não funcionar com a mesma determinação que os meus pés que correm em direção a enorme porta de vidro que parece se distanciar a cada passada que me aproximava. Ignoro as buzinas e gritos, que parecem sons de fundo irritante. Foco na porta. Corro.
Corro. Ofego. Seu corpo balança entre os meus braços. Corro ofegante. Algo quente gruda o tecido da camiseta contra o meu abdômen. Eu sei o que é. É sangue. O sangue da minha Sunshine.
Eu não queria perde-la. Não ela.
Porra. Eu estava cansado de perdas.
Era para ser eu ali. Não ela. Eu era o maldito filho da mãe que contabilizava inimigos. Era eu quem tinha uma família de merda. Era eu somente eu. Mas a vida parecia rir da minha cara, mostrar o maldito dedo do meio e me deixar para o final da fila.
A ferida profunda em seu abdômen jorrava sangue com uma velocidade que meus pés não conseguiam acompanhar. Merda. Nunca uma porta pareceu tão distante. Seu sangue manchava a minha camiseta. Seu sangue era quente com um cheiro ferroso que ofuscava seu aroma floral. Seu sangue era quente. Sua pele era gelada. A maldita bala estava alojada dentro do seu corpo. Eu queria. Eu necessitava tira-la, mas não podia, não pude arrancar aquela bala de dentro do seu corpo. Não pude evitar aquele tiro.
— Não me deixe, Sunshine — suplico ofegante.
Seu braço desliza sobre o seu corpo e cai para o lado.
Não
A encaro por meia fração de segundos. Uma vez mais. Apenas mais uma vez.
— Aguente firme — imploro — Por favor. Eu preciso de você — as palavras não saem com clareza, mas sei que ela pode entende-las.
Ela as entenderia. Ela sempre entendia. Na maioria das vezes.
Necessitava que apenas mais uma vez tornasse para sempre. Um para sempre que não merecia, mas queria com todas as forças. Como um bastardo egoísta queria agarrar um para sempre ao lado daquela mulher insuportável, maluca e teimosa.
Invado a porta automática que se abre ao sentir meu corpo se aproximar. Nossos corpos são absorvidos pelo ambiente impessoal e branco. Minha cabeça gira e gira para os lados em busca de qualquer ajuda. O lugar está vazio. Não consigo enxergar ninguém. Não consigo diferenciar entre médicas e pacientes.
Nunca me senti assim: impotente. Achava que tinha sentido, mas não, aquilo era enlouquecedor.
— Ajuda — berro a plenos pulmões.
O meu grito ensurdece os meus ouvidos. A minha voz não agita o pequeno corpo entre os meus braços, como se tudo ao seu redor fosse inexistente. Como se ela estivesse se tornando inexistente.
Eu imploro por apenas mais um pulsar. Só mais um pulsar daquele coração teimoso que deveria ser meu.
Antes que consiga perceber seu pequeno corpo está sobre a maca e rodeada de pessoas. Não sei o que me perguntam. Não tenho as respostas. Entro no modo automático. Pela primeira vez na vida entro no modo automático. Agarro sua pequena mão suja de sangue.
Encaro seu rosto em busca de qualquer movimento. Mas nada. Absolutamente nada. Alguém me segura. Na verdade duas pessoas me seguram.
— Você não pode passar daqui — é a única coisa que escuto alguém dizer.
Paro. Ela se afasta. As portas se abrem. As portas engolem a maca com o seu corpo. Ela some. Eu fico sozinho. Meu peito se aperta. Meu peito de comprime. Sugo com dificuldade o ar ao sentir meus olhos arderem. Lágrimas correm dos meus olhos. Estava chorando. Estava chorando de raiva de mim. Estava chorando de raiva dela por ter ido atrás de mim. Estava chorando porque não poder protegê-la. Estava chorando porque tinha medo de perdê-la.
Na minha vida já senti medo por perder alguém. Tive medo quando minha mãe saiu e nunca mais voltou. Tive medo todas as noites que meu pai saia e demorava a voltar. Tive medo de perder algum companheiro.
E agora. Caralho. Agora estava com medo de perder a única mulher que tinha significado algo para mim.
Enfio meu punho na primeira parede que acho. Apoio minhas costas na mesma parede e deslizo no chão, mesmo não sentindo nada debaixo dos meus pés. Abraço meus joelhos como uma criança e choro de impotência. Choro de ódio. Choro de amor.
— Adam — não sei quanto tempo se passou.
Ergo a cabeça encontro Elliot com os olhos vermelhos.
— Elliot — murmuro impotente.
Queria pedir perdão. Se ele me batesse ali até iria agradecer.
— Desculpa — suplico — Eu juro que tentei protegê-la.
A figura familiar se ajoelha em minha frente e segura meu rosto.
— Não foi sua culpa.
Nego com a cabeça.
— Foi! Ela estava comigo. Eles estava atrás de mim. Eu não sabia — soluço — Não consegui prever o que aconteceu.
Ele nega.
— Eu que mandei ela até lá. Devia ter previsto que ela não deixaria barato o fato de querermos afastá-la do programa. Se tem um culpado sou eu.
Elliot chora . Eu choro.
— Adam — seus olhos passam pelo meu corpo — Você está sangrando.
Olho minha camiseta cinza toda manchada de vermelho.
— Não é meu.
Não consigo concluir e dizer que todo aquele sangue era da Tate.
— Seu braço — ele aponta para os fios grossos de sangue que escorrem pelo meu braço, até as pontas dos meus dedos.
Ergo a manga da camiseta. Tem dois buracos: um de entrada, um de saída.
— Merda — rosno irritado.
Não tinha percebido. Não estava doendo. Meu peito doía mais do que o meu braço.
— Médico — Elliot grita, me irritando mais ainda.
Não queria sair dali. Não podia sair dali.
Mesmo diante dos meus protestos acabo em uma sala privada, com um médico costurando meu braço. Não quis anestesia. A dor é um maldito alívio.
O hospital já estava tomado de policiais. Os Evans estavam na sala de espera. Não tinha coragem de encará-los. Por mais que Elliot não me culpasse eu não me sentia diferente.
O médico dá o quinto ponto, com fio preto, no meu braço, enquanto conversa com a enfermeira que o auxilia.
Bufo impaciente.
Não queria estar ali. Ali não era meu lugar. Não consigo parar de olhar a movimentação no corredor tentando pescar qualquer informação ou mudança.
— Atenção. Atenção. — o rádio de um dos policiais sentado no corredor é audível — Suspeito detido no Red Roads, no quilômetro 76. Repito. Suspeito detido
ESTAMOS CHEGANDO AO FIM!
Faltam 3 capítulos para o final!
Estão preparados?
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