16 | (IR)REAL
16
(IR)REAL
TATE
4 MESES ANTES
METADE DO OUTONO EM BAYFIELD
Deslizo a caneca vermelha fumegante para a jovem loira, robusta, usando uma camisa flora, do outro lado da ilha, na casa da minha família. Entre os meus dedos envolvo uma xícara semelhante do delicioso café com canela e noz moscada do meu pai – um gostinho de Natal fora de época.
Alice bebe. Eu beberico o líquido quente que queima minha língua desprevenida. Abandono brevemente o café na esperança de esfria-lo e ansiosa pelo que minha amiga tinha a dizer. Pela décima vez naquele começo de tarde, ambas olhamos pela abertura que dava acesso àquele cômodo. Estávamos sozinhas, mas o assunto em questão exigia cautela.
Os olhos claros sentados à minha frente me encaram sem o humor habitual. Alice sabia brincar e provocar, mas quando precisávamos falar sério, ela falava.
Seus braços cobertos pelo tecido floral deslizam sobre o mármore escuro. Repito seu gesto, aproximando nossas cabeças.
— O nome dele não estava na lista de convidados — minha amiga revela — Mas estava na lista de acompanhantes.
Engulo a amarga saliva. Não sabia se aquela informação era boa ou ruim. Ainda não me ajudava a concluir se tudo não passava de uma simples coincidência ou algo orquestrado de forma ardilosa. O ar permanece contido nos meus pulmões.
— Ele estava acompanhando quem?
Uma fagulha de medo passeia por meu corpo ao soltar aquela pergunta e a espera da resposta.
— Estava acompanhando uma representando de um jornal de Nova York — as palavras são calmas e precisas.
Engulo a bola expeça e dolorida de saliva.
— Sabe quem ela é?
Para o meu desespero que beirava a alivio, Alice balança a cabeça em negativa. Troco o peso do meu corpo para outra perna. Encaro a mistura de cafeína e leite dentro da caneca. Aquelas respostas geravam mais perguntas. E as perguntas aumentavam o meu tormento.
— Então ele está em Nova York !?! — concluo quase em uma auto pergunta que atormenta a minha mente.
Estaria Guster tão próximo? Ele sabia que eu estava ali?
— Provavelmente — mesmo sem necessidade Alice responde.
Minhas mãos esfregam meu rosto. Uma dor persegue minhas têmporas que queimam dia e noite deixando poucos momentos de paz e sossego. Estava exausta, como se há anos estivesse fugindo daquele homem, para agora sentir que tudo tinha sido em vão. Evitei sua presença. Evite suas lembranças. Evitei o seu nome. Evitei o meu passado. Para agora simplesmente colidir com ele.
Porém, se ele estivesse em outra cidade que não Boston, poderia permitir o nascimento de uma pequena esperança.
— Você vai contar para a sua mãe? — aquela possibilidade em forma de pergunta obriga meu rosto a erguer-se de entre as minhas mãos.
Choco meus olhos com o olhar amigável e cauteloso, não vejo os lábios da loira, escondidos atrás da caneca vermelha. Aquela questão nem tinha passado em minha mente: minha mãe.
A mulher que tinha me arrancado do buraco que tinha me enfiado. Sem saber. Ela foi a primeira e única a notar as marcas no meu corpo, a sentir meu distanciamento e apodrecimento interno. Anne Evans percebeu tudo antes de mim, me resgatando do fundo do poço e expulsando Gus da minha vida.
Se ela soubesse. Droga. Se minha mãe soubesse, seria um desastre.
— Não — nego com a cabeça — Sem chance — decreto — Se ela souber — reviro os olhos em um suspiro que afugenta aquilo que não queria imaginar — Se ela souber vai aparecer feito uma fera e despertar a desconfiança do Elliot e do meu pai.
E o temor deles saberem volta a assombrar meu peito. Agarro a alça da caneca, engolindo o café quente junto com meus temores. Minha mãe saber já era difícil, mas era diferente, ela tinha estado lá, era mulher. Agora eles? Eles não poderiam sonhar. Sentiria vergonha, medo de perde-los e de me perder, tê-los por perto era a coisa mais normal e aconchegante que tinha sentido em anos. Não permitiria que Guster me tirasse mais aquilo.
— Você vai ficar bem, amiga? — a pergunta do outro lado da bancada arranca um suave curvar dos meus lábios.
Alice era como o Adam, pessoas que entraram depois e não mudavam comigo.
— Estou — confirmo com a cabeça.
Os olhos claros estreitam-se desconfiados e retomando o habitual humor.
— Jura de mindinho? — o beiço infantil quase me faz rir.
Ela entende a mão com apenas o dedo menor em riste. Quero rir com aquele gesto infantil que afasta quase toda a agonia e medo.
— Juro de mindinho — me rendo, enlaçando seu dedinho ao meu — Vou ficar ótima.
Nossos dedos se afastam e a loira dá o melhor e maior largo sorriso, comprimindo suas bochechas rosadas.
— E dá próxima vez que ele aparecer, me avisa — decreta autoritária — Vou ter uma conversinha com o senhor Guster Burton.
Maneio a cabeça positivamente, nem pensando em outra resposta. Não temia Gus pelo que ele poderia fazer, mas pelo que tinha feito, como se ácido fosse jogado em uma ferida que deveria estar cicatrizada. Se existisse uma borracha, o apagaria da minha história, mesmo que ficasse um vácuo em branco no lugar.
— Eu vou te proteger vadia — brinca bebericando o café.
— Eu sei — sorrio grata por aquela amizade.
A única coisa que todo aquele trauma tinha trazido de bom para a minha vida: Alice. Pois se tudo aquilo não tivesse acontecido, não teria me mudado, nem a conhecido.
— E acho que o sr. Rabugento também te defende — a piscadela sugestiva faz meus olhos revirarem.
Engulo cafeína, preferindo não me prender naquela possibilidade. Adam tinha sido incrível naquela noite. Do jeito dele. Tinha sido. Até entrar no táxi sozinha, não pensei no que me assombrava, apreciando aquele momento com coxas de frago apimentada e músicas que o irritavam.
— Você não me contou sobre a noite de vocês em Boston — minha quase sempre confidente recorda ao bater a caneca sobre o tampo de mármore.
Suspiro encurralada.
— O Adam foi legal — dou de ombros com os dedos aquecidos pelo café dentro da cerâmica — Apenas me tirou de lá sem fazer perguntas e me levou para comer.
Resumo a noite da melhor forma possível. Não tinha cenas picantes, proibidas ou românticas, apenas dois não-estranhos comendo juntos e conversando. Apesar de que tinha sido difícil arrancar algumas respostas dele sobre coisas aleatórias.
— Só isso? — a decepção toma o tom da minha amiga.
— Só.
— Nada além? — a decepção toma os seus olhos de filhote abandonado.
— Não — silabo batendo a língua nos dentes — No final peguei um taxi, voltei para o apartamento e ele foi a pé para o hotel — concluo bebericando o café.
Escondo a parte que tínhamos conversado sobre Scooby Doo, Os Simpsons ou os filmes do Adam Sandler. No fim tinha devolvido a jaqueta e apenas dissemos: tchau.
Os olhos analíticos de filhote me analisam cuidadosamente. Os meus fogem, fingindo observar o ambiente vazio. Bebo mais um gole sem afastar a caneca dos lábios.
— Você gosta dele — a loira aponta.
Engasgo. Tusso. Nego com a cabeça em meio a vergonhosa tosse. Bato a cerâmica no mármore. Continuo tossindo. Continuo negando com a cabeça.
— Não — decreto com a voz estrangulada e as bochechas vermelhas.
Finalmente a tosse some, mas os olhos cheios de razão continuam a me encarar.
— Gosta sim — Alice sorri toda convencida.
Droga.
Suspiro apertando os olhos. Não que gostasse, porém não podia dizer que não. Gostava de estar com ele, já estava acostumada com o seu jeito rabugento de ser. Gostava dele nunca mudar comigo.
— O Adam não me trata diferente — afundo meu pescoço em meio aos ombros, tentando explicar algo que não entendia — É igual a você. Nada demais — tento soar casual.
— Só que é homem e gostoso.
Sem opção, concordo com a cabeça.
— É — murmuro sem vontade de ser ouvida.
Alice joga as mãos no ar em comemoração.
— Ela admitiu — grita a plenos pulmões — Finalmente admitiu.
Apoio meus cotovelos na bancada e afundo meu rosto entre minhas mãos, esperando os gritos de comemoração da mulher diante de mim terem fim. Aquilo iria me render horas de comentários e ideias que não queria pensar.
— Admitiu o que? — a voz grossa e estridente do meu pai anuncia que não estamos mais sozinhas.
Ergo minha cabeça em um só movimento brusco. Arregalo os olhos e encaro o homem de cabelos grisalhos penteados para trás, usando uma blusa de moletom preta com os olhos vidrados em mim e Alice. Os olhos azuis da minha amiga me encaram, antes de voltar a encarar o meu pai.
— Que gosta de mim, tio Mark — a loira pisca toda sorridente.
— Isso todos já sabemos — meu pai nos olha como se fossemos malucas.
Alice ri. Eu rio. E o olhar do meu pai não melhorar.
♦
Após um dia exaustivo de trabalho, barulho e poeira, o turno parecia que não tinha acabado. Normalmente, Elliot me acompanhava nas visitas a imóveis inscritos para a reforma. Porém, hoje, essa missão ficou para o Adam. Não me sentia mais desconfortável ou pisando em ovos ao seu lado.
Destranco a porta de uma antiga edificação abandonada a anos. Guardo a chave no bolso. Entramos. Somos acolhidos por um terrível cheiro de bolor, poeira e alguns móveis cobertos com lençol. No geral o salão com assoalho de madeira, amplo e com um bar fixo no canto estava bem conservado.
Agradeço quando o moreno alto – trajando jeans, coturnos e camiseta cinza – acha o quadro de luz atrás da porta e nos tira da penumbra do começo da noite. A claridade só aumenta a minha certeza de que tudo estava melhor do que havia sido me descrito.
A porta de armação de madeira e vidro no meio bate-se. O espaço está silencioso e com velhas mobílias empilhadas em um ou outro canto.
— Esse lugar era um bar nos anos 60 — revelo para o encarregado da reforma — Um rapaz herdou do pai, que tinha herdado do avô. E agora quer transformar em uma espécie de Starbucks. O que acha?
Rodopio, encontrando Adam analisando o velho balcão de madeira tomado pela poeira.
— Que está empoeirado — observa secamente ao passar a ponta do dedo sobre a velha mobília.
— Está abandonado há anos — dou de ombros, justificando o efeito do tempo — O cliente quer conservar o estilo original e acrescentar alguns elementos com ferro para deixar com um ar industrial.
Olho ao redor. Não consigo evitar a tentação de buscar com o canto dos olhos a figura masculina naquele lugar. Como uma certeza de que ele ainda estava ali.
— Vai ficar bom — finalmente meu não-astro quebra o silêncio — Não é muito trabalho, será mais restauração e modernização da fiação que está fora dos padrões e certamente o encanamento.
— Então será poucas semanas?
— Sim. Só preciso checar o encanamento.
E antes que o sr. Rabugento terminasse suas palavras suas mãos impulsionam seu corpo que sobe com uma velocidade assustadora sobre a velha bancada. Não consigo tirar os olhos, nem esboçar uma reação.
— O que você está fazendo? — finalmente disparo — É perigoso, isso pode estar podre — argumento me aproximando.
O moreno me ignora, esticando os braços e abrindo uma tampa que dava para o foro. Cruzo os braços, esperando o pior. Tudo que não precisava, um homem daquele tamanho machucado. Carrega-lo bêbado não tinha sido fácil, machucado seria pior ainda.
— Você pode se machucar — insisto — Agora quem está sendo teimoso é você.
Ele me ignora, agarrando uma pequena lanterna no bolso de trás do seu jeans e apoiando entre os seus dentes. O feixe de luz quase me cega, mas não me impede de captar seu olhar cheio irritação pela minha censura.
— Não precisa me olhar assim — resmungo — Não falo mais nada — jogo as mãos no ar em desistência — Você quem sabe.
Seus olhos de ambares somem assim que suas mãos puxam seu corpo para dentro do pequeno buraco escuro e apavorante. Suspiro. Tentando evitar qualquer ruído que atrapalhasse o captar de algum som de aviso de perigo.
Nada. Total silêncio.
Começo a bater a ponta do tênis contra o assoalho, sem ser capaz de tirar os olhos do buraco escuro, silencioso do qual Adam não saia.
— Está tudo bem aí? — grito, não conseguindo mais segurar.
— Está — a resposta curta e grossa é rápida.
Respiro aliviada.
— Ok — respondo mais para os meus ouvidos do que para os dele — Ok.
Enfio as mãos no bolso de trás do jeans, andando aleatoriamente pelo lugar esquecido pelos donos e consumido pelo tempo. Pela primeira vez reparo em velhos retratos escondidos atrás da fina camada de marrom. Sem pressa e desocupada tiro um por um, os espalhando sobre uma mesa redonda próxima. Aquilo poderia ser reutilizado.
Meus olhos esbarram em algo que não era quadrado, mas sim redondo, dentro de uma enorme moldura de madeira, com encaixe na parte debaixo para pequenos, finos e pontudos objetos. Dentro da moldura, um objeto redondo, com vários círculos desenhados ficava amostra e ao lado um pequeno espaço semelhante a um quadro de giz: era um jogo de dardos. Fazia anos que não via um, desde a época da faculdade.
Agarro uma das hastes pontuda, limpo a poeira. Dou alguns passos para trás. Fecho um dos meus olhos, dobrando o cotovelo e balançando o pequeno dardo verde em direção ao alvo não muito limpo.
Lanço o dardo que rompe o ar e acerta alguns centímetros abaixo do meu objetivo, caindo no chão.
Bufo frustrada.
— Caralho, como você é péssima nisso.
Dou um pulo para trás com o coração disparado, me deparo com a enorme figura masculina – empoeirada como aquele lugar – e os braços cruzados.
— Droga, Adam — resmungo irritada — Que susto, você não fez barulho.
Ele nem dá de ombros, descruzando os braços e batendo a sujeira das suas calças.
— Eu sei ser silencioso — observa com o corpo curvado para frente e as mãos ocupadas — E o encanamento precisa ser trocado.
— Percebi — reviro os olhos.
Dou-lhe as costas, agarrando o dardo caído sobre o piso sujo e mais um preso no suporte da parede. Ainda posso ouvi-lo. Estranhamente podia sentir sua presença em qualquer ambiente sem realmente precisar olha-lo.
Tento lançar mais um dardo em direção do alvo. Mais uma vez ele vai parar no chão. Um resmungo vibra na minha garganta.
— Você está fazendo errado — a voz rouca e firme decreta o que ambos já sabíamos.
— Estou atirando o dardo no alvo — resmungo sem paciência com sua análise — Como isso pode ser errado?
O moreno bufa. Não consigo ignorar o seu marchar em minha direção, arrepiando todo o meu corpo a espera. Ele passa por mim. Meus olhos colam em seu corpo que quase cobre o alvo. Seus pés giram, suas mãos carregam mais dardos e seus olhos permanecem insondáveis.
— Eu vou te ensinar — anuncia ao agigantar-se em minha direção.
Sem perguntas. Sem preliminares. Sem aviso prévio. O homem grande posiciona-se atrás de mim, enfiando entre meu indicador e polegar o fino dardo. Por puro reflexo meus dedos o seguram. O mesmo reflexo que ameaça me deixar quando a grande, áspera e firme mão esconde a minha dentro da sua.
Sua pele queima contra a minha, revirando o meu estômago vazio.
O reflexo volta apenas para os meus olhos que assistem o toque inesperado. Engulo um suspiro inesperado com o toque quente do peito firme contra as minhas costas. Desobedientes minhas bochechas começam a queimar. E já não tenho mais certeza se quero aprender algo.
— Percebe que o alvo está na altura da sua cabeça? — a pergunta baixa e sussurrada queima inesperadamente em minha orelha — É só se guiar por sua altura.
Giro a cabeça na direção dos seus lábios. Seus olhos encaram o alvo. Eu busco seu olhar por pequenas frações de segundo, procurando algo que não sabia. E a única coisa que percebo é sua mão suavemente dobrando meu cotovelo e a erguendo na altura dos meus olhos.
Ignoro seus olhos. Ignoro seu corpo quente que aquece o meu de forma aconchegante.
Que droga está acontecendo com você, Tate?
Entre um não pensar e outro consigo pensar. Não gostava do Adam, não era uma adolescente deslumbrada e sonhadora, mas lá estava tentando ignorar sensações novas, velhas e esquecidas.
— O segredo está no punho — ignoro o murmuro firme e controlado.
A mão do Adam balança a minha para frente e para trás. Pisco. Obrigo-me a prestar atenção. Foco minha atenção na mão que se movia como um ensaio para o que deveria fazer.
— Deixa o braço solto, não precisa lança-lo junto, basta colocar a firmeza no punho — a voz rouca continua a instrução — Sinta o balanço e quando sentir segurança atire. Entendeu?
Balanço a cabeça apressadamente, com as palavras engasgadas em algum lugar entre minha garganta e boca.
— Agora tente — ordena.
Não tenho certeza se de propósito ou por pura curiosidade, Adam fica onde está: atrás de mim. Sua mão abandona a minha, que quase esquece de balançar quando suas mãos param em meu quadril. Seus dedos são firmes e sem segundas intenções.
Suas mãos me distraem.
Pisco. Sopro o ar para fora. Evito qualquer fraquejo. Tento ignorar as sensações. Encaro o alvo e balanço minha mão quase na altura dos meus olhos. Balanço e balanço, organizando as instruções em minha mente, atiro o dardo.
Suspiro. O dardo acerta e para no alvo. Sorrio.
— Consegui — solto incrédula, ainda encarando o meu feito — Consegui. Consegui, Adam — a alegria toma meu interior.
Giro meu corpo em um pulo. Uma droga de erro. Lá continua o homem de 1,90. Parado. A alegria diminui quando vejo algo que não entendo em seus olhos que apenas me observam, como se buscassem algo.
— Consegui — as palavras fraquejam em meus lábios quase como um reflexo.
Algo resfolega nas narinas do sr. Rabugento, chegando em meus tímpanos que podem jurar que é algo animado. Ele me olha uma última vez, antes de dar alguns passos para trás, como se tivesse dito algo que o repelisse.
— Viu. Não é impossível, Sunshine — murmura erguendo sua armadura — Só precisa de prática — sua mão estende os dardos restantes na sua.
Os agarro.
Uma pontada de decepção alfineta meu interior. Uma pequena alfinetada que ignoro. Pigarreio. Ele me dá as costas, fingindo olhar uma ou outra coisa a mais no velho espaço.
— Onde você aprendeu a jogar? — agradeço quando a pergunta sai dos meus lábios, tentando trazer nossa habitual tentativa de não interação que o irritava.
Seus ombros aumentam a rigidez sobre a camiseta ainda um pouco suja.
— Não lembro — murmura ao balançar o corpo sobre uma velha tabua que range.
Meus dedos brincam com os objetos que esfregam contra a minha pele. Dou-lhe as costas. Decido repetir o feito, apenas para não perder aquela sensação de sucesso. Repito suas instruções e acerto mais um dardo no alvo.
— Não lembra ou não quer contar? — questiono ciente da sua fuga de perguntas.
— Por que você quer saber?
Não o encaro. Preferindo usar os dois dardos restantes em minha mão para praticar, enquanto ignoro seus passos pelo resto do ambiente.
— Eu não ligaria de saber mais coisas sobre você — dou de ombros, antes de focar e acertar um dardo quase na borda para fora.
— Por que?
Por que?
Suspiro e aprisiono a necessidade de procurar suas ambares, apenas para saber se aquela pergunta era pura curiosidade ou irritação.
Novamente, dou de ombros. A ponta da minha língua, atrasa a resposta, ao umedecer os meus lábios.
— Sei lá — digo a verdade — Você é todo misterioso. Isso faz a gente imaginar.
Posiciono o último dardo entre os meus dedos
— Imaginar?
Quase perco a concentração e cedo a vontade de procurar seus olhos.
— Imaginar coisas.
Balanço o braço. Balanço e balanço. Foco apenas no balançar.
— Imaginar coisas? — finalmente consigo constatar uma pitada de curiosidade em seu tom dubio.
Atiro o dardo que vai parar no chão. Droga. Não sei se era coisa da minha cabeça, ou Adam realmente estava insinuando qualquer coisa. Droga. Droga. Droga. Fecho os olhos, desejando pela primeira opção.
— Não coisa desse tipo — meus lábios disparam, não conseguindo esperar minha cabeça — Ou qualquer outro tipo.
Tento justificar. O encontro a poucos passos de mim, com os braços cruzados e um olhar peculiar que me apavora.
— Eu não imagino.
— Você disse que imaginava.
— Eu. Eu. Eu. — gaguejo vergonhosamente — Eu tenho curiosidade. Pronto.
Sopro o ar para fora. O alivio não vem junto com o olhar peculiar ainda vidrado em mim. Meus pés se movimentam parados no mesmo lugar.
— Vai ficar me olhando assim? — questiono desconfortável, o imito e cruzo os braços.
O moreno alto nada me responde. E não muda nada em seu rosto com a testa enruga, os cenhos erguidos e os lábios comprimidos.
— É só curiosidade — decreto espalmando as mãos no ar e indisposta a continuar falando sobre aquilo.
Giro os calcanhares, caminhando em direção a parede, ignoro os seus olhos e a estranha sensação de que ainda estavam repousados em mim. Dobro os joelhos e recolho o dardo no chão. O silêncio continua. Arranco os dardos do alvo. O silêncio permanece junto com a sensação. Guardo os dardos em seu lugar. Um por um. O silêncio continua na mesma proporção.
— Eu não me lembro — e o desconfortável silêncio é arruinado com suas palavras.
Curvo os lábios, menos desconfortável.
Que droga estava acontecendo comigo? Não ficava desconfortável diante do sr. Rabugento. Não dava voz aos minúsculos pensamentos. E lá estava eu fazendo tudo que normalmente evitava. Queria me aproximar dele, mas as vezes parecia errado. Proibido. E era errado em vários sentidos. Trabalhávamos juntos. Um não fazia o tipo do outro. Éramos feridos e ferrados. E eu escondia coisas que ele não tinha ousado me perguntar.
Enquanto eu fazia inúmeras perguntas que ele começava a responder.
Tínhamos trabalhado juntos na última semana e nenhuma vez Adam perguntou sobre o que tinha feito paralisar naquela noite.
— Adam — murmuro, umedecendo meus lábios que não tinham tanta certeza do que estavam fazendo, meus olhos encaram o último dardo entre meus dedos, apenas uma desculpa para não busca-lo — Eu vi o meu ex naquela noite, não o Ian, outro — tento quebrar uma barreira minha — Por isso fiquei estranha.
Estranha. Parecia eufemismo definir aquilo como estranheza. Um alivio toma o meu peito por compartilhar aquilo. Não tinha medo de contar as coisas para ele.
— Não precisava me contar.
Curvo os lábios com a sua resposta. Guardo o último dardo. Fico feliz em comprovar a minha teoria de que ele não mudava comigo.
— Eu sei — concordo, finalmente o encontro um pouco distante, mas perto para ver seus olhos — Mas você me ajudou. E eu fico te enchendo de perguntas — curvo os lábios — E mesmo não perguntando, acho que você merece saber. Sei lá — dou de ombros — Pode esquecer se quiser.
Bato com a mão no ar, antes de enfia-las no bolso de trás do jeans.
Suas ambares apenas me olham em silêncio, em uma pequena analise que se detém em meus olhos.
— Você está bem? — a pergunta sai em um tom agradável.
Pisco. Maneio a cabeça positivamente.
— Nada que não saiba lidar — suspiro — Eu vou ficar bem.
Por alguns piscar os olhos dele fogem, como se fugisse de mim. Seus lábios se entreabrem e não tenho certeza se é para dizer algo ou apenas respirar. E mesmo na incerteza fico na expectativa. O clima fica desconfortável e confortável ao mesmo tempo. Era absurdamente estranho, parecia que tinha ficado pelada diante daquele homem e não me sentia estranha com isso.
Algo toca ecoando pelo velho ambiente. E a minha expectativa morre quando os seus lábios se selam em um movimento amargo ao arrancar o celular de flip do seu bolso. Ele mal pisca antes de atender.
— Alô
E é a minha vez de fingir olhar algo que não vejo. Voltando a passar os olhos nas paredes sem mais retratos ou entretenimentos.
— Como assim sumiu? — não consigo ignorar as palavras audíveis — Cacete — rosna, o encaro — Vou ver o que posso fazer.
A veia em seu pescoço pulsa enquanto a pessoa do outro lado da linha continua a falar. Adam murmura mais algumas coisas e fecha o aparelho em um baque seco, suas narinas dilatam-se irritadas e seus olhos me encontram, me olhando como se tivesse esquecido a minha presença.
— Eu preciso ir — decreta, me dando as costas.
— O que aconteceu, Adam? — o sigo, quase correndo atrás, preocupada.
A porta se abre, revelando a escuridão e o frio da noite.
— O meu pai sumiu — revela, trocando o celular pela chave que agora estava em sua mão — Eu preciso acha-lo — murmura ao destravar a porta da velha caminhonete.
Não penso duas vezes. Nem penso. Apenas contorno a caminhonete em passos largo e agarro a maçaneta do lado contrário. Nossas portas se abrem quase ao mesmo tempo.
— Onde acha que ele pode estar? — minha pergunta atrai seus olhos para o outro lado da cabine.
— Você fica — rosna irritado.
Nego com a cabeça.
— Não, eu vou com você — decreto, subindo no carro e fechando a porta.
Não iria ficar para trás esperando notícias, preocupada. Não tinha paciência para esperar.
— Tate — seu rosto fica vermelho.
Lanço meu melhor olhar de razão.
— Não estou perguntando, Adam. Você precisa de ajuda e está perdendo tempo.
Ele bufa. Pulando para dentro da cabine e fechando a porta quase ligando o motor junto.
SEGUNDA CHEGOU TRAZENDO UM NOVO CAPÍTULO
Como estão meninas? Como está o começo de semana?
E o capítulo? Gostaram? Odiaram? Amaram? Já tem teorias?
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