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⚠️ATENÇÃO, ESSE CAPÍTULO CONTÉM OS SEGUINTES GATILHOS⚠️
❂ Morte
❂ Sofrimento
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☾✧ ━━ O sentimento do fracasso é como uma sombra que me persegue, me lembrando constantemente de todas as minhas falhas (Qiang Huang)━━✧☽
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Cheguei na capital sem mais ninguém ao lado, o que era extremamente raro para mim. O cheiro a sangue foi ficando cada vez mais forte e enjoativo, o que me fez tirar a faixa do rosto.
Eu não estava ferido fisicamente, coisa que eu não podia dizer do meu emocional, e mesmo tendo sentido uma das piores dores da minha vida, eu não estava preparado para ver a paisagem que se estendia na minha frente.
A capital estava destruída, haviam casas em chamas, casas que haviam sido desabadas provavelmente com bombas.
Deixei meus passos seguirem pelas ruas destruídas, eu não via ninguém vivo. Acima da minha cabeça, havia fios e mais fios de seda, prendendo corpos de braços abertos, como se fossem roupas em um varal, fazendo com que uma pequena chuva de sangue caísse sobre mim. Eu não me importei ao senti o sangue escorrer pela minha pele, era sangue dos meus súditos, era sangue daqueles que eu deveria ter protegido.
Me sentei em um dos escombros, sentindo um vazio imenso tomar conta de mim. Eu havia falhado. Não sei quanto tempo fiquei ali parado, olhando para o nada entre um escombro e outro, quando ouvi um choro fino e soluçado. Fui atrás do som e encontrei uma das crianças que viviam no complexo ali. Eles deveriam ter ido embora, mas não quiseram se sujeitar a viver no meio dos plebeus. Haviam pagado muito caro pelo preconceito, mas a criança que soluçava segurando a mão de seus pais não sabia disso, ele não tinha culpa.
Quando ele se virou para mim, ele chorou mais.
— Eles não querem se mexer majestade — sua voz saiu cortada e dolorosa e eu segurei a dor no peito — Fala pra eles levantarem, por favor.
Segurei em sua mão, eu não tinha palavras no momento para consolá-lo, mas queria muito fazê-lo.
— Venha — o chamei com a voz compreensiva e ele se agarrou a mim.
O levantei no colo. Seu corpo pequeno se encaixou com perfeição ao meu e ele enterrou a cabeça ainda chorando no meu ombro.
— Não me deixa sozinho, Majestade — ele falou com um fio de voz — eu estou com medo.
— Não irei deixar — deixei meus passos seguirem, tentando forçar as pernas a me obedecerem. Fiz de tudo para que ele não levantasse a cabeça, ele não precisava ver aquele cenário.
Passei por uma pilha de concreto em uma rampa que dava para um dos nossos armazéns, teríamos que chegar ali para retirar os alimentos que ainda estavam inteiros. Havia corpos e pedaços de corpos espalhadas em uma grande área. As casas que não estavam em chamas, estavam congeladas, mas não me entrava na cabeça o como tinham detonado tantos edifícios ao mesmo tempo.
Escutei mais gente pedindo socorro em uma outra entrada. Aparentemente, as pessoas que se esconderam ali se salvaram. Havia algumas pessoas feridas, mas estavam vivas.
— Majestade — alguém gritou de dentro dos escombros — é o senhor?
— Estou aqui — me abaixei e gritei de volta — eu irei ajudá-los, por favor, se mantenham seguros e calmos.
Com a criança ainda nos braços, eu enterrei qualquer sentimento que eu pudesse ter. Eu não tinha tempo para ficar de luto, eu não tinha tempo para lamentar as vidas perdidas, o meu papel naquela hora, era salvar as que ainda precisavam ser salvas.
Marquei o lugar exato em que ouvi as vozes e me apressei até a entrada do que havia restado do palácio.
— Majestade — o Professor Yakumo apareceu saindo de algum dos lados daquela loucura toda — Eu sinto muito, fizemos o possível.
— Eu também sinto — falei, mas não parei de andar — há sobreviventes nos escombros, preciso de ajuda para tirá-los.
— Juntamos alguns sobreviventes na ala leste do palácio central, a maior parte da estrutura do palácio está inteira.
— Leve qualquer sobrevivente para dentro e chamem aqueles que estão fortes para trabalhar. Preciso de ajuda para os resgastes e para os primeiros socorros — falei ao colocar a criança no chão e me abaixei para me nivelar a ela — olha, eu vou te deixar aqui dentro. Você estará seguro agora. Eu irei ajudar as outras pessoas, mas prometo voltar aqui. Você irá ficar bem, ta bom?
Ele balançou a cabeça e quando me levantei, ele me segurou novamente pela roupa.
— Majestade, onde está a lady Ohime?
Torci naquele momento para não ficar louco, mas mentir não era o ideal naquele momento, então apenas respirei fundo antes de responder.
— Nós iremos encontrá-la também — respondi.
— Eu posso ajudar em alguma coisa? — ele parecia ansioso para ajudar, talvez quisesse esquecer a imagem de seus pais mortos entre os escombros.
— Sim, ache a enfermaria dentro do palácio e ache o estoque de remédios. Preciso que você conte os remédios e liste todos os que temos. Se encontrar alguém para ajudar, vai ser melhor. Consegue fazer isso.
— Consigo — ele respondeu e correu para dentro do palácio.
— Onde está a Ohime, Majestade? — o Professor acabou perguntando — onde está Zyon ou Syaoran?
A voz do professor não saía ansiosa, mas eu notava que ele ao mesmo tempo que perguntava, também temia a resposta.
— Zyon e Syaoran foram falar com o rei Kai — respondi, mas não demorei para falar a verdade — Levaram Ohime.
Ele respirou fundo, podia ouvir seu dente rangendo na tentativa falha de se manter calmo.
— Vamos encontrar os outros — ele falou por fim — Tales está com o exército ainda procurando sobreviventes. Ari está em outra parte com alguns prisioneiros que conseguimos fazer no ataque. Khalil foi ferido gravemente e tivemos que prendê-lo, pois não está conseguindo se manter na sua forma humana. Ah-Kum, que melhorou rapidamente após o tratamento, está atualmente servindo e ajudando os sobreviventes dentro do palácio.
— Como isso aconteceu? — perguntei em um suspiro.
— Ataques do exército das divindades e dos membros do Kugutsu, eram muitos, mas pararam de atacar repentinamente. Talvez tivesse algum sinal que indicasse que já podiam parar. Provavelmente queriam nos separar.
— Sim — respondi respirando fundo — foi uma armadilha desde o início. Isso tudo foram só eles?
— Não — ele suspirou — a Jorōgumo e o espírito da nevem pareciam comandar os ataques, mas não contávamos com as bombas. Trouxeram bombas de outros universos. Esse estrago que o senhor está vendo, foram bombas que foram implantadas em diversas casas. As divindades submeteram os cidadãos que estavam aqui e coordenaram a destruição em massa.
— E os corpos pendurados?
— Eu não sei, Majestade — ele respondeu parecendo cansado — sem dúvidas foi obra da Jorōgumo. A divindade que está com a gente, tentou salvar a maior parte de vidas possíveis enquanto lutávamos. Segundo ele, as divindades que estão aqui estão agindo sem autorização. As barreiras que ele usou impedia ataques diretos, mas não foi o suficiente.
— Entendo — lutando para manter o corpo reto eu me virei em direção a saída do palácio — vamos ajudar os sobreviventes, assim que o exército tiver tomado conta da maior parte da situação, preciso que você, Tales e Ari se reúnam comigo. Sobrou alguém do meu conselho?
— Não sei te dizer, senhor — o professor respondeu me seguindo.
— Mesmo se sobreviveram, não os chame. Sinceramente ficaram porque quiseram, as pessoas sensatas foram para os refúgios, inclusive os nobres.
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Encontrei com os demais e fui em direção aos escombros que eu havia passado um pouco antes e um dos rapazes do exército começou a revolver a alvenaria, mas não conseguiu. Ele estava em estado de choque e era hesitante demais para aquela tarefa. Eu não o julgava, nunca havíamos visto nenhum ataque como aquele antes. Disse a ele que saísse e tomei seu lugar, cavando sem parar. Cada uma das pedras foi removida com todo o cuidado, a fim de impedir que grandes blocos de concreto despencassem e esmagassem os possíveis sobreviventes.
Conforme íamos cavando, descobríamos um corpo esmagado atrás do outro, alguns sem os membros, outros esquartejados ou esmigalhados na alvenaria.
Havia um grande pedaço de concreto impedindo a escavação. Ele precisava ser retirado. Havia gente ainda mais embaixo, e eu pedia para continuarem falando alguma coisa de vez em quando, só para que eu soubesse o rumo que eu deveria seguir. Eu poderia girar o pedaço de concreto, mas ele só se moveria em uma direção. Isso significava girá-lo por sobre a cabeça de um soldado morto, preso nos escombros. Eu sabia que tinha que fazer aquilo, pelo bem dos sobreviventes, mas isso não impediu que um dos soldados atrás de mim me criticasse.
— Majestade, o senhor não pode fazer isso — ele falou com horror na voz — irá desonrar um dos seus soldados.
— O pobre sujeito está morto — argumentei o óbvio — quem está lá embaixo ainda está vivo. O que você faria?
Ele não falou nada, mas se virou para não olhar a cena. Respirei fundo e comecei a empurrar. Ao final, entreguei o corpo do soldado morto já praticamente inteiro desfeito para alguém do exército e segui meu trabalho.
Minhas mãos doíam, estavam inteiras cortadas e machucadas, mas aquela dor não me incomodava.
Depois de horas de trabalho, pude enxergar um pequeno movimento de luz. Abri os olhos, eu não tinha muita saída naquele momento e puxei mais pedras a fim de me rastejar para dentro. Quando alcancei o primeiro sobrevivente, ele estava semiconsciente. Perguntei qual parte do seu corpo estava presa, ele não conseguia responder. Eu não podia saber pelo tamanho da sua dor, pois todo o corpo do homem doía de maneira igual. Sem conseguir uma resposta dele, perguntei para quem estava mais para baixo.
— O pé dele que está preso, majestade — uma mulher falou com dificuldade. Possivelmente tinha pó na garganta que a dificultava seguir falando.
Sai com dificuldade de onde havia me metido e pedi água, me entregaram com rapidez e foi o tempo máximo que fiquei para fora daquele buraco. Passei a água para a mulher, que agradeceu e passou a água para os outros sobreviventes.
Pensando nas minhas possibilidades, manipulei minhas chamas. Não tinha tempo de pensar no que os outros sobreviventes pensariam se vissem aquilo, minha prioridade era salvar o homem preso.
A sangue frio, precisei cortar o pé preso do homem, cauterizando pouco a pouco com as minhas chamas, para que ele não tivesse uma hemorragia.
Foi difícil, mas com ajuda eu consegui retirá-lo dali. Sua vida tinha sido salva e era aquilo que me importava.
Tiramos cerca de 30 pessoas feridas dali e apenas umas 4 sem ferimentos. Os juntamos da melhor maneira possível cada um deles e os cobrimos para mantê-los aquecidos.
Sentia o suor grudar na minha roupa e sentia o corpo pegajoso e sujo, mas o alívio por ter salvado aquelas vidas foi tão intenso, que precisei sair de perto de todos e após muito tempo sem saber o que era ter o rosto molhado pelas próprias lágrimas, eu chorei. Chorei pelo meu reino perdido e por todas as vidas que se foram, chorei por não ter estado ali com eles e chorei por não ter impedido que Ohime fosse levada.
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Assim que Syaoran voltou, ele buscou pelo Imperador. Ele demorou para acreditar no que seus olhos viram e soube por meio de algum sobrevivente que estava refugiado no palácio que o Imperador havia ido ajudar no meio dos destroços.
As ruas devastadas e a quantidade de mortos eram impressionantes. Dos que resolveram ficar, quase nenhum realmente se salvou.
— Tales — ele perguntou ao ver o nefilim ajudando a retirar os corpos dos escombros — onde está Sua Majestade?
— Foi para aquela direção — ele respondeu apontando para uma das viradas de uma das casas — ele ajudou a tirar os sobreviventes e se retirou.
Tales não se deu o trabalho de dar oi, nem mesmo de perguntar o como Syaoran estava. A situação não permitia tais perguntas e do mesmo modo que ele respondeu, ele não se molestou ao ver que Syaoran apenas seguiu na direção indicada sem perguntar ou dizer mais nada.
Quando ele chegou, o Imperador tinha o corpo dobrado, impossibilitado de suportar o peso que havia sobre si mesmo, o que fez Syaoran lembrar que Qiang não era um deus como muitos acreditavam, ele sempre havia sido um homem e um homem que sem dúvidas não merecia passar pelo que estava passando. Syaoran viu com pesar que a dor finalmente havia dobrado o melhor dos homens que ele já conhecera.
Syaoran pensou se deveria chegar perto ou não, Qiang era acima de tudo seu amigo e como amigo ele queria estar ao seu lado, mesmo assim, ele sabia que um Imperador não deveria mostrar fraquezas e talvez ele devesse respeitar esse espaço e se retirar, fingindo não ter visto nada.
Entre a decisão de ir e vir, ele escutou seu amigo murmurando. Ele claramente estava chorando, uma cena, que apesar de ser terrivelmente triste, também era inédita para Syaoran.
— Eu falhei, Syaoran — Qiang resmungou de novo — Falhei como Imperador e falhei como homem e eu não sei o que fazer agora.
Syaoran por fim se aproximou e se sentou ao lado do amigo sem dizer uma única palavra. Ali eles não eram Imperador e servo, ali eles eram dois homens que haviam perdido muita coisa em pouco tempo.
— Eu perdi o rumo — ele voltou a falar — não sei se vou ter forças para seguir dessa vez, mas sei também que não posso desistir, não sabendo que tem tanta gente precisando de mim, não posso desistir sabendo o quanto Ohime pode estar sofrendo agora.
— O senhor sempre foi o pilar desse lugar e dessas pessoas — Syaoran falou com a voz baixa, mas firme — sempre esteve para elas. Você moldou esse mundo, erradicou a fome, erradicou a maior parte da violência e estava presente até mesmo nos mais insignificantes eventos. Deu forças para diversas famílias e amparou todos que você pôde. Não se supõe que você tenha que fazer o trabalho de um deus, Majestade. O que aconteceu aqui não tinha como evitar. O senhor fez o possível para encontrar o culpado, mas ele estava um passo à frente e isso não significa que seja a sua culpa.
— Eu deveria ter forçado todos a saírem daqui — a voz de Qiang, apesar de derrotada, saiu um pouco mais convicta do que antes.
— O senhor deu a opção de escolha para cada um deles, não ocultou o perigo após o incidente na residência da Ohime e sabe que muitos não saíram por puro preconceito de terem que dividir um cômodo com pessoas comuns. Por que o senhor acha que foi sua culpa isso?
— Porque eles contavam comigo e eu falhei e agora realmente não sei se consigo levar isso adiante. Não sei se consigo carregar essa culpa.
— Qiang! Isso não é sua culpa — Syaoran praticamente chacoalhou o ombro do Imperador e Qiang se surpreendeu ao escutar seu nome na boca do amigo — Você vai conseguir!
Essas palavras tão comuns, tão simples e dirigidas a ele como se ele não fosse o Imperador e sim um simples homem o aqueceu por completo. Syaoran não o via como uma máquina e isso de certa maneira o aliviou.
— Acha mesmo? — o Imperador sabia que aquilo não soava como ele, mas o sentimento devastado dentro de si parecia que o tinha envolto em uma escuridão terrivelmente densa.
— Eu não conheço ninguém mais capaz do que o senhor para isso — Syaoran ofereceu a Qiang um sorriso fraco, mas acolhedor e Qiang cedeu ao desejo de olhar realmente para o seu conselheiro, espelhando todos os seus sentimentos.
Syaoran estava triste, terrivelmente triste. E estava ansioso, mas misturado com esses dois sentimentos, Qiang espelhou dele também a esperança e a confiança. Syaoran confiava nele e estava ali por ele.
— Se o senhor sentir que irá se cansar, ou que não irá conseguir — Syaoran voltou a deixar sua voz moderada ao se levantar. Ele se virou para o Imperador e ofereceu sua mão para ajudá-lo — Se isso acontecer, então deixa comigo que eu faço questão de te carregar e, tenho certeza de que todos farão questão de me ajudar com isso. Se o nosso Imperador não pode nos levar, então nós o levaremos, mas faremos você chegar na vitória.
Qiang sorriu fracamente, mas foi um sorriso sincero. A confiança de Syaoran nele foi o suficiente para fazer com que uma nova esperança surgisse em seu interior e ele soube naquele momento de que ele não iria parar até conseguir salvar seu povo e sua rainha.
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