3 - Alívio onírico
Nada como uma dose de remédio mágico pra acalmar o que me torna vivo. A mente paralisada não me incomoda em sonhos. Vêm várias coisas no mundo onírico que guardo na cabeça, mas nada faz sentido. Inconsciente, não busco contexto algum nas cabeças com orelhas de asas que voam sobre meu olhar, no barulho fosco de maquinário, no céu cinza ou em várias outros elementos que já não me lembro.
Ah, como é maravilhoso aquele líquido que se intromete em minha veia!
Minha família vem me visitar nesta manhãzinha. Aqueles rostos distantes, frios e tristes me dão lembrança... Mas, ao chegarem, o que vejo primeiro, e pelo qual lembro, é um rostinho redondo e alegre, pertencente à desinformada da situação.
A pequena garotinha de cachos castanhos e olhos de mesma cor, Eli, minha neta mais nova, a que vi nascer há sete anos, corre da mão protetora da mãe para me abraçar.
— Saudade, vovô.
Ela diz, sem saber o porquê de minha ausência, tendo como única lembrança o carinho fraterno que a dei. Não sabe de nada. Não sabe em que lugar está, cheio de mulheres com longas vestes azul claro e cabelos presos em rabo de cavalo ou coques, homens com calças pretas e uniformes cujos botões chegam até a gola polo e pessoas que são amparadas por estes e levadas até algum local.
Sinto nos funcionários um carisma e um gosto em tratar dos não sãos da cabeça nos quase dois meses que moro aqui. Trabalham com uma alegria que não é controlada pelo salário. Mas Eli é muito inocente para entender a beleza. Em sua primeira visita tem uma aura assustada, formando caretas e apertando meus dedos com sua mãozinha sempre que alguém passa pelos bancos em que estamos. Sua expressão covarde me dá abruptos arrepios, como se o medo se transportasse a mim por alguns segundos. Tal tempo fica maior quando encaro uma cicatriz dela acima da testa, onde não cresce mais cabelo, não impedida de ver pela franja, que não cumpre o objetivo de disfarçar o machucado curado.
— Vocês estão todos bem?
Pergunto, olhando de relance para as minhas duas filhas e tentando encurtar a distância de vários metros de mim.
— Sim. Quando você vai voltar pra casa?
Sorrio de vergonha, relutante para não responder aquilo e um tanto agonizante com a resposta que pouco me satisfaz.
— Logo volto. O vovô precisa ficar aqui mais um pouco, mas é pro meu bem.
— Logo volta?
Balanço a cabeça com um sorriso amargo, o de quem sabe que está mentindo.
Ela quer confirmar a resposta, mas não como uma criança que não tenha entendido, numa incapacidade de seu desenvolvimento. Quer forçar um sentimento de esperança em ter-me por perto, não impedida pelas verdades não sabidas sobre mim.
Linhas se formam em seu rosto macio que ainda se molda, contrariando os enrijecidos semblantes das duas que chamam por ela, que balança a mão livre com um alto sorriso. A alegria anula completamente a reação normal que uma criança teria com uma visita tão curta.
A temporária felicidade dela existe pela minha amarga mentira. Seu alívio antecipado é como meus sonhos, quando nada faz sentido... Mas logo tudo volta, buscando nossa compreensão, buscando remédios mais duradouros que o tempo no mundo mentiroso.
Acho que preciso de mais daquele azul...
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