As chamas que purificam as sombras dos pecados em vida

     Esta descrição é baseada na narrativa #1652 do Arquivo Português de Lendas (APL 1652).

     Volta e meia encontram-se fogueiras onde menos se esperam de noite, sem ninguém por perto que as tivesse acendido, à volta das quais se movem sombras sem dono. Estas sombras são as Almas em Volta da Fogueira, uma variante de Almas Penadas que aparece em Guimarães.

     O João da Telhada viu uma destas fogueiras sobrenaturais perto da casa da Rua (possivelmente a Rua Egas Moniz) onde viveu um homem cuja malvadez não tinha sido esquecida. Esse homem era o José da Rua, e a sua alma era uma das que estava nessa fogueira. Pelos vistos, as Almas em Volta da Fogueira podem fazer-se ouvir, pois o José falava numa criada de alguém da Eira (possivelmente a Rua da Eira). Ora, essa criada queixava-se da sopa de vinho e pão que o José comeu antes de morrer (para ela se queixar do que aconteceu de mal a alguém, por mais maldoso que fosse em vida, era porque provavelmente tinha algum tipo de relação não-desagradável com ele, que falava nela agora que era uma Alma Penada). Consta-se que essa sopa tinha uma certa pitada de veneno, «cortesia» daqueles a quem o José fizera uma doação de bens em vida!

     O José não tinha sido uma pessoa totalmente má no fundo, pois a criada da Eira provavelmente gostava dele pelas qualidades redentoras que devia ter e ele teve a oportunidade de fazer penitência das faltas que cometeu em vida com vista a puder entrar no Céu (ver descrição das Costureirinhas). Mas desconheço a razão pela qual alguém se torna uma Alma em Volta da Fogueira em específico.

     É lógico que as Almas em Volta da Fogueira andem à volta do fogo: tal como este elemento, as fogueiras simbolizam a purificação e a luz em casos com este. Deve ser nas chamas que as Almas têm de queimar os pecados que cometeram como pessoas vivas e agora lhes pesam. E são as chamas da fogueira que recordam a luz que representa a bondade em detrimento das trevas que levam ao castigo eterno.

     Pergunto agora quem eram as almas que estavam com o José da Rua na mesma fogueira. Não seria irónico que estas Almas em Volta da Fogueira fossem aqueles que o assassinaram se as constatações neste caso tivessem sido verdadeiras?

Fonte da imagem: IHeart (site)