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Un - Salomón Steiner

"Eu nunca soube me dar muito bem com a hiperatividade; não suportava ficar quieta, mas também não suportava quando ficava andando de um lado para o outro sem fazer nada. Me lembro de que eu tinha uma baita necessidade de sentir as coisas, de fazer parte delas, como se eu precisasse achar uma parte de mim escondida em cada objeto ao meu redor. Isso era um castigo na realidade, porque eu nunca me completava comigo mesma. E por isso creio que demorei pra me sentir inteira, demorei pra me sentir completa. Depois de perceber que estrelas nunca poderiam ser contadas, eu ainda insisti em ter os números exatos de muitas outras coisas - mas dessa vez, coisas contáveis. As palavras de um capítulo novo, por exemplo. Só me sentia satisfeita ao completar o número de palavras que eu havia dado antes de começar a escrever, do contrário, voltava a me sentir vazia. E quando as palavras de repente me faltavam, eu tentava ler em algum livro outras palavras para poder engoli-las e voltar a estar fazendo parte de alguma coisa. Mas esse pequeno detalhe, essa parte que me faltava vinha de mim mesma - eu só não sabia que precisaria de um pouco mais de paciência para achá-la. Eu só não sabia que estava tão perto..."

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Salomón Steiner
📖 Capítulo Um 📖

Turim, Itália
11/08/2017 🍃
Pelas poeiras daquele livro antigo. 📖

📜

Completamente indesejado e sem convite, o dia amanhece e o sol vem entrando bem devagar pelo quarto. A luz invade as janelas amplas aos poucos, e acabo pedindo mentalmente coragem para conseguir levantar da cama. Mas tudo o que faço é permanecer ali, jogada no meio dos travesseiros fofos, encarando o teto branco e desejando não pensar em nada.

Aliás, isso é um fato interessante. Quanto mais desejamos não pensar em nada, mais vamos pensar naquilo. É como dizer ao cérebro: "pare de trabalhar!", mas não vai adiantar. Porque você pediu para não pensar, mas teve que pensar para pedir. E é por isso que muitas pessoas nunca superam o passado; pedem demais para superá-lo, mas continuam pedindo e consequentemente, continuam pensando naquilo. Não soa chato? Querer com todas as forças esquecer a ansiedade forte no peito e deixá-la para lá, mas não conseguir justamente por querer esquecer?

Me deparo com minha situação em um baque. Vejo que o tempo passa sem me pedir permissão, e vejo que cada dia mais aquele vazio interno aumenta. Dói. Dói porque não tem nada, nada que o faça parar. O espaço dentro do peito só fica maior, continua fazendo mais buracos e estragos em mim. E no fim, isso tudo soava tão estranho. Se eu estava ansiosa por não sentir coisa nenhuma, porquê estava também ansiosa por sentir coisa demais? Que maneira doida é essa do ser humano procurar alívio?

Não que eu goste de rotina, na verdade, detesto sair fazendo coisas repetidas e no automático. Mas essa já vinha se aventurando em mim há algum tempo. Esse aperto no peito já era familiar; familiar o suficiente para eu saber que bastava apenas esperar cinco minutinhos que ele iria passar, e então meu despertador iria tocar e algum toque de piano que coloquei ontem antes de dormir iria me dar forças pra conseguir levantar da cama. É como se o cérebro se auto marcasse nesse mesmo horário todas as manhãs, dizendo "Ah, poxa, vou deixar cinco minutinhos à toa pra ela ficar pensando em nada com nada e sentir o peso de um caminhão no peito antes do alarme, só pra começar o dia bem haha".

Me permiti respirar fundo assim que a melodia soou debaixo dos travesseiros. A cabeça girou tonta quando me sentei, e o peso do peito subiu pros ombros. Na hora, eu quis deitar ali novamente. Mas tudo o que fiz foi puxar meu celular para encerrar o alarme e ficar olhando fixamente em algum canto da parede. Alguma coisa me incomodava, e quando dei uma olhada ao meu redor percebi o que era. O meu quarto nunca esteve tão bagunçado, e veja bem, estou em Turim apenas há duas semanas. Duas semanas sem arrumar o quarto, e isso estranhamente me incomoda, já que isso não era incomum. Por um breve instante lembrei de um dos meus professores da faculdade, que dizia: "Eu não sou desorganizado." Falava com as mãos na cintura, se defendendo. "É culpa do cérebro, meu interior tem muitos amontoados de papéis!". E faz sentindo; muitas vezes a bagunça do lado de fora reflete a bagunça do nosso interior. Nunca havia compreendido tanto isso como agora. E me passa em mente o quão estou bagunçada a ponto de querer corrigir a bagunça do lado de fora, só pra procurar algum alívio interior.

Uma sensação mais calma se passa por mim quando respiro fundo. As mãos pararam de suar e de tremer, então sei que tudo vai logo, logo ficar bem. Assim que coloquei os pés no chão, duas batidas leves na porta me fizeram mudar o percurso que eu faria até o banheiro para o lado oposto. A maçaneta gelada me deu arrepios, mas a voz tranquila do outro lado me fez sorrir.

- Farfalla mia.¹ - Chamou ele, sorrindo de volta ao me ver encarando-o por uma brecha na porta. - Te acordei?

- Não. - Sorri. - Meu alarme tocou agora, na verdade.

- Bem, o café já está pronto. Não enrole muito, ou vamos chegar na casa de sua avó um pouco mais tarde que o planejado, sí? - Aquele sotaque familiar tão presente quanto o sotaque de Matteo me fazia esquecer que havia tido uma crise de ansiedade poucos minutos atrás. Eu iria continuar apenas sorrindo e concordando com a cabeça, mas o chamei de volta antes que ele se fosse.

- Papá. - Chamei. - Faz aquelas panquecas, sim?

- Certo. - Sorriu. - Mas não demore, sabe como sua mãe é.

- Desço já. - Ele me piscou um olho, virando-se em direção ao corredor e assobiando alguma melodia antiga que deve ter naqueles discos empilhados que ele guarda no porão.

Fechei a porta, permitindo-me escorar as costas ali e morder o lábio inferior. Pude ouvir bem de longe o eco da voz animada de Matteo contando para mamãe como os meteoritos de ontem foram as coisas mais lindas que ele já viu na vida, e então de imediato fechei os olhos, deixando aqueles flashes de luzes se passarem em minha mente outra vez. Continuavam não tendo tanta graça, mas de alguma forma, tudo aquilo que senti ontem se cravou em algum lugar precioso aqui dentro, e eu só soube sorrir mais uma vez.

- Certo, Ella. - Suspirei. - Já é outra manhã, outro dia para fingir escrever graça nas entrelinhas e outro dia para fazer Matteo sorrir.

📜

Tenho plena certeza de que se existem muitos tipos de passageiros em um carro. Alguns são quietos, outros nem tanto, outros comentam sobre todas as coisas que possam estar do lado de fora da janela, outros ficam cantando as músicas que se passam no rádio e por assim se vai. Eu poderia facilmente dizer que Matteo é do time dos quietos e que fica observando tudo do lado de fora, mas por maior que sua aparência se mostre em plena quietude, sei que seus pensamentos estavam uma festa dentro daquela cabecinha pequena. Seus olhos sempre brilhavam ao analisar coisas nas quais ele julgava interessante; Seja nas rosas da vizinha ou nas estrelas no céu. É aquilo que eu sempre notava nele: Matteo tinha gosto pra vida. Tinha gosto pros mínimos detalhes. O quão bonito era o bater de seu pequeno coraçãozinho?

Pensei em inúmeras coisas nas quais ele poderia estar refletindo para dizer aquelas palavras filosóficas dele. Pensei qual a graça que ele via nas árvores, o que tanto o incutia em uma simples área urbana que aos poucos se tornava rural. Uma transição tão bonita e ao mesmo tempo, tão desinteressante. Meu famoso defeito de colocar minha "falta de algo" do peito em tudo que vejo.

De repente ele sorriu. Um daqueles sorrisos sinceros dele, de quando ele não estava sentindo dor. E então me olhou, sorrindo não só pelos lábios, mas pelos olhos também.

- Você viu?

- O que? - O encarei curiosa.

- Se passaram três daqueles passarinhos diferentes.

- Diferentes? Consegue enxergar a espécie daqui? - O perguntei sorrindo. - Boa visão essa sua, superman.

- Não é a espécie, são aqueles pássaros diferentes dos passarinhos que voam lá em casa. - Ele parou por um instante, apertando o botão e descendo a janela do carro para poder voltar a olhar lá pra cima. - Ah, veja só, aí vem outros! - Puxou a manga da minha blusa para que eu chegasse um pouco mais perto e apontou para cima onde mais dois passarinhos voavam. - Olha como eles são bonitos. Quando você vê essas coisas diferentes também fica feliz, Ella?

Estreitei o olhar. Eram exatamente como os pássaros que voam em York. Olhei disfarçadamente para mamãe que estava sentada no banco da frente, que percebendo meu olhar confuso apenas fez um sinal positivo com a cabeça, me incentivando a concordar. Eu ainda tentei focar os olhos lá em cima, mas simplesmente não consegui sentir nada mais do que o vento vindo da janela bagunçando meus cabelos e os pássaros sumindo do campo curto de visão que o carro dava.

- Sim, são muito diferentes e muito bonitos. - Sorri vendo também seu sorriso recíproco, de orelha a orelha.

Quando encostei minhas costas no meu lado do banco outra vez, vi meu pai sorrir pelo retrovisor e fazer um sinal de "beleza" com uma das mãos. É interessante a forma em que meus pais acham que Matteo tem um mundinho imaginário na cabeça, e todo o nosso papel nesse teatro é fazê-lo viver cada uma de suas fantasias, cada pequena imaginação sua e fingir que elas são reais. Certo que meu pequeno tem seu modo meio "incógnita" de levar a vida, mas isso não significa que ela esteja fantasiando tudo, nós apenas não entendemos seu mundinho. Se por um instante, um breve instante eu conseguisse entrar na cabecinha dele, nem que seja por poucos segundos, eu já teria certeza o suficiente de que tudo o que ele diz e vê é de verdade. Só não sei dizer exatamente o quanto, mas sei que se um anjo como ele pode viver aqui na Terra, provavelmente suas "fantasias" também podem viver entre nós.

Passei a olhar do meu lado da janela. Fiquei encarando as casas ficarem mais simples e cada vez mais a zona rural de Turim aparecer, junto com todas aquelas árvores e flores quase iguais. Tentei vê-las com tanta admiração quanto Matteo vê. Procurei em cada detalhe que pude, mas não encontrei muita coisa que me tocasse fundo o coração. Apesar de admirar muito coisas pequenas, não sei senti-las. E de alguma forma isso era traumatizante, porque no fundo, nós não somos nada sem sentir as coisas. E por um instante, me perguntei: O que eu era, afinal, se não sentia quase coisa nenhuma?

Em meio a frustrações em pensamentos, só fui me permitir parar de navegar no espaço quando o carro parou. Abri minha porta, sentindo a brisa fresca passar entre os fios de cabelo e o ar puro entrar nos pulmões. O caminho entre Trana e Turim não era muito longo, por isso não demoramos a chegar na casa da vovó. De fato, eu havia me esquecido de como Trana era calma. Até mesmo respirar por aqui se tornava mais fácil.

Vi a casa da vovó logo de frente onde paramos o carro. Seu quintal continuava intacto, o que não me surpreendia. Claro, o que seria de vovó Alessa sem suas flores e suas hortas, afinal? Eu sorri, sentindo uma das únicas coisas que me cativavam no mundo: o cheiro das flores. Elas pareciam ser tão sem graça quanto as estrelas, mas diferente de tudo, elas cheiravam casa. Cheiravam vida. Cheiravam a única fase das minhas recordações em que eu me sentia completa. Cheiravam algo infinito que pudesse ser contado, e por isso eu as admirava tanto.

Sorri para Matteo assim que vi papai o colocando na cadeira de rodas com todo o cuidado do mundo. E novamente, lá estava meu pequeno admirando as coisas existentes e inexistentes naquele lugar.

- Ella, não me disse que aqui era tão cheio de figurinhas, que nem as dos gibis! - Ele ria para todos os cantinhos daquele jardim. - E cheira tão bem.

- É igual aos gibis? - Eu ri, andando até meu pai e dizendo que eu o levaria na cadeira a partir dali. - Não sabia...

- Sim, olha só. - Ele apontou para uma flor que estava do lado da árvore. - Aquela flor é igualzinha ao uniforme do Homem de Ferro. Só faltou o meio... - Ele se auto interrompeu no meio da frase e parei por um instante para analisar a rosa na qual ele falava. Igual ao homem de ferro... essa é nova. - Não, na verdade parece mais o Homem Aranha. O meio dela é diferente.

- Entendi... - Meus pais passaram por nós sorrindo para ele, andando até a porta de madeira antiga da casa da vovó.

Depois de duas batidas, meu pai colocou as mãos no bolso e encarou Matteo.

- Mio piccolo², está ansioso? - Ele sorriu.

- . Faz tanto tempo que não vejo a vovó... - Ele mordia os lábios e brincava com as mangas longas da blusa fina. Não sei dizer quando Matteo pegou mania de só usar essas blusas, se foi por minha influência ou se foi por culpa da última cicatriz naquele mesmo lugar.

O barulho da fechadura se fez, e logo o rangido da porta se abrindo também. A silhueta - um pouco mais baixa do que eu me lembrava - da senhora de cabelos presos em um penteado de tranças e bem ajeitado veio até nós. Seu sorriso era tão radiante quanto o de Matteo, e então me caiu a ficha de que ambos se pareciam demais. Ela abriu a porta quase toda, esticando os braços, exclamando em seguida:

- Famiglia!³ - Papai foi o primeiro a abraçá-la. A risada dela era tão contagiante que eu acabei rindo junto. Mamãe se juntou ao abraço por poucos segundos, dizendo algumas palavras em italiano baixinho que eu não pude entender.

Se virando para mim, vovó se aproximou e levou uma palma com delicadeza sob minha bochecha.

- Dai cieli!4- Disse ela, me olhando dos pés à cabeça. - Como cresceu, ainda ontem era uma menininha.

- Bom te ver, nonna5. - Eu sorri, aceitando o abraço forte porém desajeitado, já que a cadeira de rodas estava entre eu e ela.

- E você, querido? - Ela sorriu contente para Matteo depois de me soltar, abaixando-se só um pouco para observá-lo, assim como fez comigo. - Ainda tem o mesmo brilho das estrelas no céu dentro desse olhar. Está ficando um rapaz tão bonito. - Por poucos segundos ele abaixou a cabeça, e pude sentir quando uma onda de pensamentos o invadiu.

Matteo não costumava receber muitos elogios que não viessem de mim, mamãe e papai. No fim das contas, por mais que vovó sempre nos telefonasse quando estávamos em York, eu sei que para Matteo era diferente aquele contato humano que a muito tempo se foi apagado de sua pele. E agora, voltando como se fosse uma tatuagem nova, o toque de vovó em sua mão lhe dava um arrepio visível aos meus olhos. Mas Matteo, por mais que não soubesse disfarçar seus medos, ainda assim pareceu se livrar daquela estranheza à nova pessoa em sua frente, já que voltou a levantar a cabeça e sorrir como sempre costumava fazer.

- É tão bom revê-la, nonna.

📜

Poeira nunca foi o meu forte. Sinceramente, se vovó não tivesse uma mini biblioteca dentro de casa, não acho que eu estaria aqui. Mas devo admitir, a casa dela é tão bela quanto é organizada. Organizada de um jeito estranho, mas ainda se notava a presença forte de algo marcando as coisas em seu lugar. Imagino que essa presença seja de meu avô. Não como se sua alma estivesse vagando por aqui, claro que não. Mas eu consigo vê-lo em cada canto dessa sala; seja nos quadros, nas caixas, nas músicas repetidas que tocam nas rádios ou nessas estantes com livros. E imagino que isso tenha se tornado forte ao ponto de vovó querer esquecer essa presença, quem sabe, esquecer especificamente o que essa presença a faz lembrar.

Nonna tem uma personalidade muito bonita. Ela é forte e feliz, e isso é claramente um daqueles dons que raras pessoas tem, e que se torna perfeitamente bela para seja lá quem consiga enxergar isso. Matteo perdeu vergonha de ficar perto dela quando descobriu que ela também gostava de ver o céu, e desde então eles se perderam dentro de teorias espaciais e assuntos dos quais há certo tempo deixei de me importar.

A sala onde estavam as estantes era um tanto grande, apesar de que nem todas as prateleiras estavam completas de livros. Me lembro de que era bem pequena quando vim aqui, quase não se haviam mais lugares para colocar os novos livros que vovô comprava. Porém, agora que ele se foi, imagino que vovó já tenha dado algum jeito de preencher o vazio que ele fazia nela, tirando de perto o que trazia-o de volta. E lá no fundo, eu a entendo. A forma em que um buraco se abre no peito, e você tenta preenchê-lo, mas no fim das contas, dói muito o processo de tapar esse bendito buraco. A forma de que você se abre em lágrimas, rasga as extremidades do coração e tenta remendá-lo com cimento. É, esse processo é bem doloroso. Já se passaram quatro anos desde que ele partiu, e imagino que ainda por agora, e provavelmente pro resto da vida, irá continuar doendo. Mas nem sempre lágrimas nos salvam nos momentos solitários. E imagino que o motivo de vovó Alessa estar colocando essas lembranças dolorosas dentro de caixas e mandando-as para longe, seja justamente querer deixar essas lágrimas de lado.

- Querida, pode pegar aqueles três primeiros ali em cima? - Ela apontou para a estante mais próxima de mim, ajeitando seus óculos no rosto logo em seguida.

- Então, vovó... - Comecei a falar enquanto caminhava em direção a estante na qual ela falou, percebendo seu pequeno sorriso ao analisar algumas fotos em mãos. - Queria te perguntar uma coisa desde que cheguei.

- Sí, amore mio? 6 - Ela voltou sua atenção para mim, que estava me esticando na ponta dos pés para pegar os livros nos quais ela falava. Soltei um suspiro, tossindo em seguida devido a poeira em excesso dali.

Dei alguns passos até a mesa onde ela estava colocando os livros dentro da caixa de papelão, podendo observar melhor a foto onde ela, meu pai e meu avô brincavam no gramado do quintal. Um pouco amarelada e com dobrinhas nas pontas, mas a foto ainda passava aquela alegria de quando fora tirada.

- O quanto doeu? - Lhe perguntei calma, olhando para seus olhos grandes que tanto me lembravam Matteo.

- O suficiente, meu bem. Tive a sorte de sentir só a dor suficiente.

- Suficiente? Não entendo. Não passou?

- Vejamos. - Ela pousou a foto novamente sobre a mesa, demorando um par de segundos para voltar a me responder, claramente pensando em suas palavras. - Quando você ama alguém, as pessoas dizem que o sentimento vem do coração. Mas na verdade vem daqui - Ela apontou para minha cabeça. -, e nosso caro amiguinho que vive aí dentro nem sempre consegue lidar muito bem com essas dores. Ele vê falta onde tem, e depois inventa falta onde não tem.

Fechei os olhos por um mísero segundo e tentei me lembrar de alguma fase da vida em que talvez tenha sentido essa dor ou algo parecido com isso. Dor de perder alguém que foi cativado no peito. Eu não tinha muito contato com meu avô, e imagino que por isso não tenha me dado tanto impacto quanto deu em minha avó. Mas me lembrei então de como chorei quando meu primeiro cachorrinho morreu. Não que seja uma comparação muito justa, mas mesmo assim, é uma forma de sentir essa dor. Lembrei de como senti falta daquele pequeno embolado de pelos, e de como foi cruel sentir essa falta. Cruel a forma de sentir falta de algo, para uma criança que ainda mal sabe sentir as coisas.

- E então - Ela continuou - Finalmente, quando o cérebro procura alívio no vizinho e divide a dor com o coração, você percebe que o mundo desaba se não agir rápido. Desaba mesmo. Dá pra sentir o chão tremer debaixo dos pés, ou ver que cada chuva no quintal é uma tempestade dentro do nosso próprio corpo. Quando ele se foi, achei que iria junto. Mas depois, quando vemos que aquela dor pode se transformar em coisa bonita, lutamos para que se transforme logo. A dor pode ser suficiente para permitir que alguns vejam isso, mas pode ultrapassar os limites e cegar alguém.

Franzi o cenho. Vovó dizia palavras tão bonitas que nem pareciam vir como consequências de uma dor passada que fora tristemente sentida. Então, ainda curiosa, lhe perguntei outra vez:

- Mas como uma dor pode virar coisa bonita, nonna?

- Bem... - Ela sorriu. - Quando amamos alguém de verdade, esse amor nos marca de uma forma única. No fim, pode marcar de uma forma boa ou ruim. Mas mesmo que doa, esse amor cura. Não é fácil explicar isso querida, as pessoas têm dons diferentes para nos marcar. Seu avô, por exemplo, me marcou da forma mais bonita em que eu já havia sentido antes. Por isso me casei com ele, e por isso deixei que ele me marcasse com sentimentos bons até que não desse mais.

Senti um burburinho no estômago, e mordi o lábio para espantar o olhar marejado.

- Acha que o amor demora muito para curar?

- Sente medo, não sente? - Ela devolveu-me com outra pergunta, na qual só respondi com uma concordância. - Sei disso. Mas não tenha medo, minha flor. A dor só machuca os corações que tem medo de senti-la. No fim de tudo, ela nos salva. Chega a ser de uma forma muito linda. Mas primeiro, tem que sentir essa dor para ver em qual caminho ela vai te guiar. O pequenino ainda não se foi, não sinta a dor agora, anjo. Deixe o amor cuidar de você antes que essa dor venha. O amor nunca acaba, pode ter certeza.

- Obrigada. - Disse em um suspiro calmo, olhando-a com admiração.

- Você e seu irmão são como seu avô. Imagino que Matteo se pareça mais, mas vocês têm tantas coisas em comum. - Ela me sorriu. - Veja bem, me lembrei de algo.

Com alguns passos nem tão rápidos, ela foi até uma das caixas já cheia de livros, a colocando em cima da mesa. Quando abriu-a, tirou de dentro um único livro, esse diferente de todos os demais. A capa dura não era enfeitada, mas tinha letreiros brilhantes que diziam uma palavra só, na qual li e senti os dedos formigarem ao contornar as letras.

- Guardami.7

- Esse aí foi seu avô que escreveu. Grandes coisas nas quais vivemos juntos me fizeram perceber mais da metade do que está escrito aí, então não preciso disso. Já aprendi com seu avô demais. Na verdade, ele iria querer alguém curioso o suficiente para entendê-lo.

- Me lembro que ele tinha aquele jeito diferente de falar das coisas. Ele é como Matteo.

- Sim. Seu avô tinha um dom, um dom visível aos olhos. Visível aos olhos dele, pelo menos. Acho que isso foi a única coisa dele que em todos esses anos não consegui decifrar.

- Bem, eu o lerei. - Ela sorriu.

- Isso é bom. Mas o leia quando sentir que o silêncio estiver barulhento demais.

Eu concordei, apesar de não entender. Queria abrir aquelas folhas e decifrar tudo naquele instante, mas minhas mãos formigavam para fazer isso sozinha, enquanto o cérebro estiver pensando em coisas não pensáveis. Eu iria analisar a capa ainda mais um pouco, mas vovó me chamou outra vez, já no caminho para subir as escadas e sair do porão.

- Irei fazer um lanche, você vem? - Me fitou com os olhos sorridentes.

- Sim, senhora. Subo já. - Ela concordou, continuando seu caminho.

Dei mais uma pequena encarada no livro. Eu ia o deixar de lado, mas minha curiosidade e meu medo se misturaram de uma vez só, então me permiti apenas virar a primeira folha empoeirada, onde havia uma dedicatória em italiano, que dizia:

"A quelli che ascoltano le cose invisibili."
da Salomón Steiner.
8

📜

~Traduções do Italiano:

>> "Farfalla mia ¹": Minha borboleta.

>> "Mio piccolo²": Meu pequenino.

>> "Famiglia!³": Família!

>> "Dai cieli!4": Pelos Céus! / Céus!

>> "Nonna5": vovó.

>> "Sí, amore mio? 6": Sim, meu amor?

>> "Guardami.7": Olhe-me.

>>"A quelli che ascoltano le cose invisibili." da Salomón Steiner." 8: Para aqueles que escutam as coisas não vistas, por Salomón Steiner.

~Curiosidades:

>> Trana é uma província de Turim, Turim é uma comuna Italiana que fica na região de Piemonte, a segunda maior região da Itália. Todos esses lugares são magníficos, se tiverem interesse em ver imagens ou pesquisar sobre, lhes garanto que não vão se arrepender. (aqui não é só histórinha não, aula de geografia também lkjhgf)

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Esse foi o nosso primeiro capítulo! Eu tentei colocar em descrição a forma que a personagem sente esse vazio em tudo, mas se lembrem, ela não vê cores além de cinza, branco e preto. O quão vazio nossa vida também seria sem as outras cores?

Ah, pooor favor tenham paciência. Joonie talvez não apareça por agora, mas logo ele já irá fazer parte das nossas entrelinhas!

Obrigada por ler até aqui. Me digam se estiverem gostando, e não se esqueçam dessa estrelinha aqui em baixo, hum? Beijo! Vejo vocês no próximo capítulo.

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