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Tre - Luce

"Sentir as palavras é uma coisa engraçada. Palavras têm um senso de destino a partir do momento em que elas são faladas. Podem ser usadas para o bem e para o mal. Não é louco pensar que você pode ter a arma mais cruel do mundo pregada em você? Uma voz solta da boca de forma mal dita pode matar alguém. Eu olho para o céu e vejo os pássaros, vejo as nuvens, sinto a brisa e todas as coisas bonitas que me são oferecidas ali. Mas na terra, as pessoas andam conversando em voz alta o que deveria ser sussurrado, e sussurrando o que deveria ser gritado. É uma imagem dolorida. É dolorida porque todos nós somos seres humanos e todos nós temos sentimentos. É dolorida porque nós vivemos sendo agredidos por palavras, e acabamos agredindo alguém. Mas de palavra em palavra, esse senso de dor se abriga no peito e nos ensina algo que o tempo nem sempre pode ensinar. Nos ensina a cantar as palavras tristes para que elas não doam mais. E escrevendo isso agora, vejo que a única palavra triste que ainda não consegui — e talvez nunca consiga — cantar, é 'adeus' ".

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Luz
💡Capítulo três 💡

No caminho da Itália para Inglaterra.

15/08/2017 🍃

Pela luz que vinha do sol, e a luz dele. ☀️

   📜

O tempo é um inimigo do coração. Do meu, pelo menos. As batidas aceleram conforme os segundos vão se passando, e de repente não me vejo mais no planeta Terra, simplesmente porque ele está girando rápido demais para que meu cérebro se acostume. Vejo o relógio na mini televisão grudado na parte de trás da poltrona à minha frente, e vejo as nuvens se passando do lado de fora do avião. Se passa tão devagar que me deixa ansiosa, porque sei que o ritmo aqui dentro de mim tá rápido demais pra suportar esse ritmo lento lá fora. Matteo dormia na poltrona do meu lado e eu podia ouvir sua respiração tranquila, em um sono pesado e sonhador.

Não consegui dormir. Em duas horas e meia de voo, tudo o que consegui raciocinar é em algum tipo de mapa mental para poder chegar em Londres e não morrer afogada nas ondas que a vida me joga. Tentei raciocinar minha rotina, que me guiava nas mesmas coisas, nos mesmos assuntos, nos mesmos choros e pensamentos, todos os santos dias. Era como viver em um modo replay. E sinceramente, não suportava mais aquilo. Não suportava respirar e sentir o ar faltando, não suportava caminhar até o trabalho ou  até a faculdade e sentir aquele "quê" de algo desconhecido que não estava lá. Simplesmente não suportava mais não suportar nada. E isso, de todas as formas possíveis, é desesperador.

O ser humano sempre precisou sentir as coisas. Tanto os sentimentos que o cérebro nos faz acreditar que vem do coração, ou o fato de termos o tato pra tocar e sentir a textura das coisas. E fora os outros quatro sentidos que são outros meios do corpo sentir algo. Os seres vivos vêm vivido bem com todas essas formas de sentir até então. E olhando ao meu redor, assistindo as pessoas sorrirem, dormirem, conversarem, ouvirem e etc de outras coisas, percebo que de certa forma suas vidas vão bem com todos esses sentimentos.

O que me incomoda, é perceber que — em partes — todos eles parecem sentir bem suas vidas, mas eu não me encaixo dentre eles. Dá uma onda de pensamentos malucos perceber que não estou em um meio de pessoas tão vazias quanto eu. Talvez uma ou outra sim, não sabemos do peito e da felicidade de ninguém de verdade. Mas percebo que a maioria ao meu redor não sente essa falta que tenho. Não só quem vejo aqui dentro desse avião, mas me lembrando de todas as pessoas que conheço. Todas elas parecem estar bem consigo mesmas, e isso me assusta.

Me assusta porque tenho medo de não ser humana. Não no sentido literal, é claro. Mas se o ser humano sente tão bem as coisas, como serei igual a Matteo por exemplo, se mal sei como sentir eu mesma? Pensamentos assim machucam e doem profundamente, porque me mostram o quão quebrada eu estou. No fundo, ninguém quer ser quebrado. Geralmente, as pessoas quebram umas às outras para aprender com isso depois. Mas quando você mesmo se quebra, vira um vício incessante ficar voltando nessa ferida para abri-la de novo. Não me pergunte o motivo pelo qual eu volto nela, eu também não sei.

Mas nessa caminhada de procurar as partes existentes e inexistentes de mim, juro a mim mesma guardar a dor pra me lembrar dela no futuro e saber bem o que superei de mim mesma.

"Pensamentos positivos", certo Tobias? Muito bem, eu serei positiva.

📜

Os olhos de Matteo são uma preciosidade incrível. Ele fala por seus olhos, diz o que gosta e o que não gosta, o que quer e o que não quer. Seus olhos brilham de maneiras lindas e incalculáveis, principalmente quando ele levanta a cabeça para encarar o céu. Mas quando ele me olha com seus olhos brilhando por querer chorar, ainda mais por minha causa, me faz sentir como se fosse a pior pessoa do universo. Assim que o avião pousou em Londres, sua mãozinha segurou a minha bem forte e ele me encarou em total desespero. Agora que descemos do avião e eu peguei minhas malas, a única coisa que fiz — ou que consegui fazer — foi abraçá-lo pra tentar jurar que tudo ficaria bem.

E essa foi a primeira vez desde que ele começou a andar de cadeira de rodas em que eu o vi chorar.

Abraços falam. Falam alto, quase gritam. Podem dizer a verdade ou podem dizer a falsidade. Podem pedir ajuda ou rejeitá-la. Podem te convidar para o coração de alguém ou te arrancar para fora dele. Podem esquentar ou esfriar a pele. Podem chamar a saudade, no meu caso, que já veio adiantada. O bater do coração de Matteo me chama pra mais perto, e seus suspiros de tristeza me quebram ainda mais. Não queria encarar os olhos dele. Então continuei o abraçando, porque queria fingir que nada naquele abraço dizia, aclamava, cheirava ou qualquer outra coisa parecida com "adeus".

— Você tem que prometer... — Dizia ele, soluçando — tem que prometer que vai vir ver as estrelas comigo logo, Ella. Me promete!

— Anjo. — Eu sorri, tentando confortá-lo. Eu não podia. Não podia ver as estrelas com ele tão cedo. Duas horas entre Londres e York iriam voltar a nos separar, mas mesmo que duas horas sejam um pouco período de tempo, ainda assim eu não tinha esse tempo para poder vê-lo. Mas quando olhei em seus olhos que imploravam por uma resposta afirmativa minha, eu só pude mentir. — É claro que vamos ver as estrelas logo!

Seus dedos ainda estavam entrelaçados nos meus, por isso eu pude sentir sua mão se apertando na minha ainda mais forte quando um sorriso mais calmo brotou em seus lábios. A pintinha ao lado de seu olho esquerdo trazia um charmezinho para esse sorriso dele, e seus olhos novamente falaram comigo, com uma ponta de alegria, espera e confiança. Eu não queria ter visto a confiança ali no meio, e isso me doeu, porque em meio à todas as horas jogadas no ano, eu passaria mais aquele sem triscar na pele de Matteo novamente.

Por isso, tratei de memorizar o calor de sua pele. Tratei de memorizar a energia de seu sorriso que as câmeras do celular não podiam passar. Tratei de lembrar de sua gargalhada gostosa e de todo o amor que ela esbanjava. Tratei de lembrar de Matteo por completo, e tatuá-lo na memória com a certeza de que aquele "adeus" não seria o último. E da mesma forma, tratei de memorizar meus pais. A forma que meu pai me chamava de Farfalla, ou como minha mãe prendia o cabelo para trás antes de me abraçar. Memorizei todos os "eu te amo" que ouvi, mas não pude proferi-los de volta. Tudo ali era uma despedida tão forte que eu não conseguia raciocinar pensando que seria a última. E não sabendo se seria um erro ou não, peguei as malas do chão e me fui sem dizer que os amava de volta.

Não seria a primeira vez. E exatamente por isso, eu não queria que fosse a última. Não podia ser a última.

Porta à fora do aeroporto, a atmosfera de Londres me chamava. Me lembrava casa, mas o desconforto ainda me dominava diante de tudo por ali. Eu amava Londres. Amava o sotaque forte ao meu redor e o cheiro de chá vindo de fora de cada estabelecimento. Aquele vento gelado me abraçava e gritava minha realidade que eu lutei tanto pra fingir, e acabou se tornando real. E então, olhei para o céu. Estava de dia, mas imaginei as várias estrelas lá em cima. Imaginei os planetas e imaginei sua prisão naquele vácuo, girando incontáveis dias e anos ao redor do sol. E no fim, desejei ter a mesma energia para girar ao redor de meus meus sóis, para tentar aquecer a escuridão gelada aqui dentro.

Eu queria pedir socorro ao céu, mas as estrelas não me ouviriam. Então eu andei até o táxi mais próximo, colocando a bagagem no porta-malas e respirando fundo, ouvindo alguma música que soava do rádio vir a tocar em meus ouvidos, e me deixei levar pelo sorriso gentil do taxista que me ofereceu uma bala. As ruas iam se passando e eu ia me deixando em cada uma delas, ia me espalhando pela cidade para tentar me encontrar em cada esquina da próxima vez que eu saísse de casa. Mas eu só me perdia cada vez mais a cada pedaço meu que deixava para trás. E no fim, só fechei os olhos e respirei fundo.

Será que borboletas não se cansam de voar, da mesma forma em que eu me canso de respirar?

📜 

Definitivamente, não estava nos planos chegar em meu apartamento, jogar os tênis para um lado e as malas para outro, abrir uma garrafa de vinho e me jogar no sofá. Mas foi exatamente isso o que fiz. Me afundei no sofá e no amontoado de almofadas, vendo a luz do dia se fundir com a luz da noite graças a gigante janela que o apartamento tinha. Londres nunca parava. É uma cidade em constante movimento, desde a manhã até a madrugada. As luzes estão sempre acesas demais aqui na terra e apagadas demais lá em cima. Quase não se via muitas estrelas, mas eu podia ouvi-las gritar, pedindo colo e consolo, para conseguir suportar a dor de tantos olhos humanos esquecendo-as no céu.

E em pensar que eu quase as esqueci...

E que quase me esqueci junto a elas.

Não estava também nos planos sentir um amontoado de coisas estranhas no peito. A imagem viva de Turim lotada de estrelas lá em cima me veio, e nesse instante, me senti vazia. Vazia, sem nada. Não era tristeza, não era raiva, não era ânsia, nem falta de algo ou alguém.

Anedonia. É assim que chamamos a reação do cérebro quando ele ativa a opção "anestesia". Ando tão cheia de nada, que nem vejo mais a caneta brilhar para escrever algo novo. Me lembro como se fosse ontem, quando ouvi essa palavra ser pronunciada na faculdade.     Minha curiosidade era grande em saber como era ficar sem sentir nada. Me lembro de achar incrível a capacidade humana de desligar seus sentimentos e acabar logo com essa necessidade emocional de ter outras pessoas por perto. Mas hoje, vendo todo esse vazio, preferiria muito mais me apegar a seres humanos do que ficar só, do jeito em que estou agora.

Sozinha dentro de mim mesma, perdida aqui dentro.

Eu costumava desejar tanto, tanto parar de sentir essas emoções. Fazer o coração parar de bater por abraços e a boca parar de pedir companhia pra conversar e rir de algo. Mas isso é tão ruim. Porque, por incrível que pareça, não sentir nada nem dói. Literalmente. Só fica um incômodo vazio aqui dentro, um nada atrás de nada e uma apatia horrível e anestesiante.

Dói sentir doer, mas a dor consegue ser ainda pior quando não é sentida. O cérebro forma uma mistura maluca de caminhos, um labirinto complexo te levando para ruas e lugares desconhecidos. A mente te guia em calçadas que não dá pra andar, e em portas que não dá pra entrar. E tudo se torna ainda mais sinistro quando percebo que essa paranoia e confusão toda vem de dentro de mim. De dentro do meu corpo, do meu peito e da minha cabeça. Como sair de um abismo profundo em que eu mesma me joguei, e não trouxe escada pra subir de volta?

Não sei quando, não sei como, nem sei o porquê. Apenas sei que mesmo nessa vastidão de sentimentos que já não me existiam, consegui chorar. Consegui trazer as lágrimas para fora, sejam elas com sentimentos ou não. Consegui gritar algumas palavras em silêncio e soluçar outras. E de repente, nem o vinho tinha sabor mais. O meu mundo girava, não por causa do álcool, mas girava na procura de um outro mundo para abraçar e continuar a chorar, pra ver se mesmo fingindo, eu conseguisse sentir alguma coisa.

E nessa loucura de sentir o inexistente, decidi fuçar minha bolsa atrás dos fones de ouvido que talvez pudessem me falar sentimentos através de músicas, e assim gritar as palavras por mim. Mas quando minha mão se encontrou com o lado interno da bolsa, não só senti os fones e o celular, mas também senti um amontoado de folhas lá. A capa dura que revestia o livro me fez puxá-lo para fora, e então vi as letras brilhando em uma fonte bonita, cheirando a livro antigo e chamando meu coração para ler aquele pedaço de papel que eu havia me esquecido de que existia.

Guardami. Olhe-me, observa-me. É um título chamativo. E a assinatura na primeira folha com o nome de meu avô só instigava meus olhos a lerem tudo aquilo.

"Para aqueles que escutam as coisas não vistas."

Não sei para qual tipo de público meu avô estava se referindo, mas sentia que não era para o meu. Mesmo assim, me sentei de volta no sofá com o livro em mãos, sequei as lágrimas na bochecha e voltei a encarar a folha amarelada. Quando virei a página, vi um amontoado de desenhos e rabiscos que formavam um tipo de introdução ao livro, e que não faziam sentido nenhum. Os reflexos contornavam os desenhos de um modo diferente, que eu nunca tinha visto antes. Era como um desenho cego, mas parecia saber muito bem seu começo e seu final. E embaixo, frases em italiano escritas com alguma caneta bem forte me chamavam para ver os escritos mais de perto.

Passei meus dedos por cada letra antes de lê-las e levá-las ao coração.

"Luce".
"Luz".

"Ascolta la luce."
"Escute a luz."

"Respirare la luce."
Respire a luz."

"Tocca la luce."
"Toque a luz."

"Vivi la luce."
"Viva a luz."

"Capisci la luce."
"Entenda a luz".

"Sii la luce."
"Seja a luz."

"Vedi la luce."
"Veja a luz."

"Lo sono la luce, Guardami."
"Eu sou a luz, Olhe-me."

Eu passei os olhos pelas letras diversas vezes. Então fechava o livro, encarava minhas mãos por minutos na tentativa de entender, depois abria e lia essa mesma primeira página, outras diversas vezes. E daí pensava o que diabos meu caro avô Salomón quis dizer com "luz". Oras, eu sei o que são luzes. São os reflexos do sol na Terra e a luz que ilumina a cidade de noite. A luz da lua, das estrelas, da lanterna no celular, tanto faz. Mas nada entrava na minha cabeça pra fazer sentido o suficiente para que eu compreenda o que seria "tocar" ou "ser" uma luz.

Encareii novamente o livro, e percebi que se passaram horas desde que tentei entender aquilo. E daí me permitia ficar naquilo de abri-lo, então o fechar, revezar os pensamentos com mais uma taça de vinho, abri-lo de novo... e isso se prosseguiu até que eu pegasse no sono e sonhasse com os mais variados tipos de luzes que revestiam as cidades.

📜

Não estava frio. O sol batia em contato com minha pele e esquentava meu corpo. Antes de sair de casa, aproveitei essa brecha do sol da manhã na minha janela e cheguei mais perto, tentando entender. Entender ou buscar o motivo de alguma coisa que eu sabia que precisava, alguma resposta ou alguma razão. E então, olhando para aquela forte energia batendo em minha pele, me lembrei de uma lanterna. A lanterna do meu celular, especificamente. E daí me veio a dúvida: a única coisa que me faz saber que a luz da lanterna do meu celular não é a mesma do sol, é a temperatura. O sol esquenta, queima na pele. A lanterna do celular apenas ilumina.

E de alguma forma, na minha cabeça isso não fazia sentido. Tanto o sol quanto a lanterna mostram luzes, certo? Ambos nos livram do escuro. Mas poxa... o sol está no meio dessa galáxia. Tantos planetas giram ao redor dele por horas, dias, e anos. Não faz sentido ele, sendo tão grandioso, ter de única diferença com uma mera luz num equipamento feito por humanos, sua temperatura. É claro que o sol está no céu e é grandioso. Mas se for tão fácil roubar uma luz dele assim, qual sentido do dia ser dia e a noite ser noite? Qual sentido da luz da lua e da luz do sol?

Tinha alguma coisa ali. E era isso o que tanto me coçava. Faltava. Faltava alguma coisa que foi roubada ou simplesmente fugiu. E olhando para o céu agora, percebo que ele é vazio demais para um "céu". Se ao menos eu tivesse alguma dica de conseguir saber o que é que tanto falta...

Ouvi uma música rondando a sala. Quando olhei para trás, vi o celular vibrando em cima do sofá com a foto conhecida na tela. Passei o dedo para atender a ligação, mas não deu tempo de dizer nenhum "alô"; a ligação já havia se encerrado. E bufando, desbloqueei a senha e arregalei os olhos com o tanto de mensagens de uma pessoa só implorando por uma resposta.

A única coisa que fiz foi ignorar as mensagens anteriores e digitar: "em quinze minutos estou aí."

Dei mais uma olhada no céu antes de fechar as janelas. Não queria parecer tão desapontada com tudo aquilo, mas simplesmente não conseguia segurar o sentimento de exaustão, me deixando farta de todo aquele peso ruim. E calçando os tênis e pegando as chaves do carro, tranquei a porta e caminhei até o elevador, rezando para o dia ser um pouco mais sorridente do que todos os dias passados.

E eu teria andado tranquilamente, entrado no maldito elevador e chegado na garagem para ir logo numa cafeteria. Teria sido assim, no passado. Até porque a falta de paciência me fez virar para um outro canto e empurrar a porta da escada de emergência. A mesma porta que incrivelmente era ao contrário, e ao invés de ter de puxá-la para abrir, você tem de empurrá-la para passar.

Maldita porta ao contrário que tampa a visão do outro lado.

Mordi meus lábios com o susto, ainda em choque por ouvir o baque da porta contra a testa de alguém. E sentindo o coração acelerar de uma forma preocupante, avancei até o vão que tinha antes de começar os degraus da escada, vendo uma silhueta alta esfregando a testa com a palma da mão e repetindo vários "ai, ai" seguidos.

Eu me assombraria se fosse alguma outra pessoa. Minhas mãos suavam e meus olhos estavam arregalados de susto, mas quando ele levantou o rosto e eu pude encará-lo, acabei me surpreendendo e deixando um sorriso escapar.

— Caramba... — Sua voz saiu entrecortada, parando de esfregar a testa devagar.

Observei seus movimentos e seu sorriso conhecido, sentindo a preocupação se esvaindo ao ver que ele estava bem.

Kim Namjoon, era seu nome. Estudante de artes e fotógrafo das nuvens em qualquer lugar aleatório onde o céu esteja bonito. É também meu vizinho de cima. Desde que o conheço me é um sujeito legal, apesar de termos nos conhecido num lugar tão chato quanto a fila de um banco, puxando papos sobre como casacos felpudos devem ser demorados para serem costurados. O que não foi ruim, já que desde aquele dia em que descobrimos os mesmos gostos para artes, ele me arruma os ingressos para visitas a exposições de galerias com objetos antigos que eu jamais ouviria falar se ele não me contasse sobre. E desde nossas descobertas de gostos para com museus, trocamos esses ingressos para ver e fotografar quadros quase incompreensíveis.

— Céus, Joon, me perdoe. — Eu não entendia se estava rindo porque estava nervosa ou se ria por sua careta, mas acabei deixando mais risadas do que "me perdoe" escaparem de mim.

Ele coçou a testa uma última vez antes de me encarar.

— Ah, Ella! — Tentou esboçar um sorriso, mas fechou os olhos e voltou a levar a palma até o lugar onde a porta havia acertado, com um resmungo baixo em seguida. — Tudo bem, eu estava distraído... acho.

— Espero que não fique nenhum galo, ou coisa do tipo aí. — Eu tirei minha mão de seu ombro e dei um passo para trás, colocando as mãos nos bolsos do casaco e apertando com força os panos de dentro dele. — Sinto muito mesmo.

Kim Namjoon é um sujeito engraçado. Primeiro porque sempre que o vejo no campus da faculdade, ele está descendo as escadas da área de alimentação pulando de dois em dois degraus. Segundo, porque ele tem uma agenda e não para de anotar as coisas nela em momento algum. E terceiro porque ele consegue fazer um contato visual com a pessoa com quem está conversando, que te dá uma vontade de continuar aquela conversa até mesmo quando as palavras não tem mais sentido. Admiro pessoas como ele, que gostam de sorrir para o vento. Sei disso porque Joon é como um mistério, e seu sorriso contagiante não me deixa ler além de seus olhos. Se ele está bem ou mal, nunca sei. Só sei que os olhos dele brilham muito quando ele sorri.

É como Matteo.

— Não vai se fazer dano. — ele falou tranquilo. — Aliás, faz um bom tempo que não te vejo por aqui.

— Ah, estava em uma viagem.

Ele levantou as sobrancelhas.

— Imaginei. Seu sotaque está mais forte. — Brincou, enquanto enrolava os fios do fone de ouvido nos dedos e depois o guardava no bolso. — Na verdade, bati em seu apartamento para lhe dar um novo ingresso. Descobri uma exposição que haveria no centro, tinha uns álbuns do Pink Floyd, ou coisa do tipo... — Ele explicava e ajeitava a mochila no ombro ao mesmo tempo. — Mas não te vi por lá.

— Ah, que pena. Amo Pink Floyd. — Ele sorriu e concordou comigo. — Mas creio que não faltarão oportunidades, hm?

— Ah, não faltarão. — Me sorriu. — Preciso subir agora, mas nos vemos por aí, certo?

— Certo. Só espero não te acertar com a porta outra vez.

— Tomarei cuidado, não se pode confiar nas portas de hoje em dia. — Ele fez um gesto com as mãos, como se reclamasse de verdade, apesar de sua ironia.

Eu disse adeus instantes depois. E ainda, nesses "instantes depois" que agora é meu presente, vejo-o passar pela porta em que à alguns momentos eu havia lhe machucado. O breu de sua imagem se faz, e me apresso a prosseguir caminho e descer a escada, mas sua voz volta a me chamar quando estou no terceiro degrau. Olhando para trás vejo metade de seu corpo aparecendo na porta, voltando a falar.

— Esqueci de lhe dizer, mas você está brilhando uma luz muito bonita hoje

Parei por um segundo. Namjoon elogiava as pessoas por sua suposta "luz". Já o ouvira falar assim com seus amigos antes, e vez ou outra comigo. Mas "uma luz muito bonita" é uma frase nova. Procuro entender seu vocabulário, mas percebendo que ele aguarda uma resposta minha, eu me apresso a dizer.

— Assim como você, Nam. — Ele sorriu.

Sorriu bem grande.

Acenou com a cabeça e deixou minha visão. Fiquei parada por um tempo, raciocinando a pequena sensação de familiaridade que se apoderava em meu peito. E então, lembrando-me das palavras que li do diário de meu avô ontem, sinto meu peito se expandir em uma sensação desconhecida, porém boa. 

Namjoon sente luzes, assim como os olhos de Matteo, e assim como meu avô fazia.

📜

"Naquela época, enquanto a cor dos sentimentos não se abrigava em meu coração, eu me duplicava para suprir o vazio delas. Me duplicava e exigia o que não tinha em mim; luz. E, enquanto essas cores não voltavam, Namjoon entrou nos aposentos do meu peito e se acomodou no lugar em que elas faltavam. Beijou as páginas rasgadas e trouxe sol de verdade pra torrar na pele e dourar as digitais. Beijou-me os detalhes da noite que saiam correndo de perto de mim, e prosseguiu no mesmo lugar durante muitos, muitos segundos de minha vida limitada. E em uma vez depois de tanto tempo, nunca imaginei que desceria aquelas escadas pensando no sorriso de alguém — e na luz que esse alguém esbanjava."

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