Prologo - Numeri Esatti
"Não sei quantas estrelas existem no céu. Na verdade, em números redondos e somando em todo o universo, ninguém sabe. São muitas estrelas. Me lembro de que quando pequena, tentei contá-las para ter um número exato de quantas existiam. No fim, acabei acordando no outro dia na minha cama, com papai rindo da minha fúria por ter dormido no número setenta e sete. Hoje em dia, olhando o céu, ainda me pergunto quantas estrelas existem, mas desisti de contá-las. É como se finalmente tivesse percebido que certas coisas não foram feitas para serem exatas, tipo os números infinitos de estrelas no universo. Umas morrem, outras nascem. E hoje estamos vendo o passado de cada uma delas, basta olhar para cima. Eis a coisa ruim de crescer: tudo perde graça quando você percebe que não pode ter as coisas como quer. O céu perdeu a graça pra mim quando vi que não podia contar suas estrelas, e as pessoas perderam graça quando me ensinaram que eu jamais poderia contar o fim de algo infinito. Sendo sincera, quase nada tinha graça pra mim, só o céu estrelado. Mas depois ele ficou sem graça também. Apenas uma imensidão escura e parada, com luzes fortes querendo cegar-nos os olhos. Mas felizmente, alguém perto de mim não enxergava as coisas como eu..."
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Número Exato
✨Prólogo✨
Turim, Itália
10/08/2017 🍃
Pelas Lágrimas de São Lourenço✨
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- Acho que estou vendo eles! - Com um tom animado, Matteo me fez encará-lo de volta. Seus braços seguravam o aparelho de metal, um dos olhos observando pela lente do telescópio e o outro quase fechado, na tentativa de focar melhor a visão no céu. Os vagalumes piscavam ali perto, trazendo ainda mais brilhinhos além das estrelas lá de cima. A blusa grande e listrada pegava metade de sua mão, mas o garoto parecia tão ansioso, que ainda assim pude ver as pontas de seus dedos apertando o telescópio. Seus lábios se comprimiam em um sorriso, e céus, era tão bom poder vê-lo feliz daquele jeito. - Achei! Ella, achei eles! - Era como se um desfile daqueles vagalumes dançasse em seu sorriso. Dei um suspiro contente antes de dirigir-lhe a palavra.
- E então? - Mordi o lábio inferior, analisando a brisa leve bagunçar os cachos bagunçados dele.
- Eles brilham muito! Chega aqui mais perto. - Em um passo curto me aproximei da cadeira de rodas, tendo certo cuidado para ficar em uma altura parecida com a dele.
- Me mostre. - As pequenas mãos de Matteo abaixarem o telescópio na minha direção, ajeitando as lentes para que eu pudesse ver os meteoros lá em cima com mais nitidez.
Não que isso fosse muito importante pra mim. Mas se eu pudesse por poucos segundos fazer meu pequeno sorrir ainda mais, eu o faria. Portanto, aproximei meu rosto do metal gelado, sentindo os pelos da minha pele se arrepiarem em um ritmo só. Prensei meus lábios uns nos outros, olhando para cima, tentando achar a direção correta. Quando os vi, foi como se uma onda nostálgica se quebrasse em meu peito. Eu podia jurar que se afastasse os olhos da lente, papai estaria aqui do lado com uma vasilha imensa de pipoca, e mamãe falaria em meus ouvidos o quanto aquela fraca chuva de meteoros era linda. Senti minha orelha entrar em uma dormência fraquinha, como se tudo estivesse passando de novo. Um déjà vú gostoso que eu não queria que se passasse nunquinha.
Os brilhos em flashes não tão lentos se passavam lá em cima, vindo de algum modo secreto de teletransporte pra dentro do meu peito, abrindo aquela sensação de euforia, vontade de sorrir até deixar aquela mistura de alegria bagunçada saísse dentre as risadas compartilhadas. Quando meus olhos encontraram os de Matteo de novo, vi que o brilho dos meteoros não se abrigou só no meu peito, mas nos olhos dele também. A pintinha do lado do olho esquerdo quase sumia dentre as ruguinhas pelo seu sorriso, me fazendo pensar se ele estava sentindo a mesma coisa ou ainda recebendo aquela sensação mais forte do que eu.
- É lindo, 'né? - Disse ele, voltando os olhos pro céu, como se aquela luz lunar que tocasse a pele dele fosse um tipo de calmaria sem comparação. - Esperei o ano todo pra ver isso.
- Sabe se teremos outra novamente no ano que vem? - Afastei um pouco o telescópio, para que pudesse me sentar na grama ao lado da cadeira.
- Não. Verei depois.
Um silêncio se instalou ali. Eu sabia que palavras nos rondavam, sabia que aquele silêncio dizia o necessário. Mas algo atrapalhava ele, um pedaço de silêncio que era barulhento, gritante. Tirei os olhos do céu estrelado para encará-lo novamente. Ele não sorria mais. Sua expressão era pensativa enquanto encarava os astros lá em cima, como se quisesse saber o histórico completo de cada uma das luzes que nos tocavam agora, mas que já se apagaram há anos atrás.
Matteo sempre me surpreendeu com as palavras. Desde pequeno, era como se uma manha gostosa o encobrisse. Ele via verdade nas pessoas. As entendia, descrevia muito bem a forma dos outros viverem. Eu queria compreender melhor o modo em que ele vê a vida, já sabendo que amanhã ela poderia acabar em um pequeno estralar de dedos. Meu menino era tão pequeno, tão gracioso. Era fácil ver quando algo estava errado com ele, por que Matteo não é o melhor mentiroso na face terrestre. É bom em muitas coisas, sim. Muito peculiar em outras. Mas mentir e esconder seus medos não faziam parte da lista imensa de coisas que meu irmão comandava bem.
- Me diz. - As duas palavras curtas saíram de meus lábios em uma altura mínima, ouvindo um suspiro forte e o estralar da língua do céu da boca vindo dele.
- Do que você tem medo, Ella? - Me olhou nos olhos, fixamente. Era fácil ler os olhos dele quando ele estava com fome, ou quando queria brincar no quintal. Mas naquele momento, não pude ler nada ali dentro. Alguma coisa fazia seus olhos brilhantes ficarem mais obscuros, e por um par de segundos, tive medo de desvendá-los.
- Depende do que você quer dizer com medo. - Ele me deu de ombros.
- Medo. - Sorriu me olhando, entendendo o que eu iria dizer. - Non! Digo, um medo que não seja daqueles insetos ou das bonecas que tem na cama da tia Paola. Medo de algo mais... - Parou entre a frase com seu sotaque atrapalhado, como se tentasse traduzir aquelas palavras sem nome que ele tinha na cabeça. - Tipo, medo de sentir medo.
O encarei, confusa.
- Você tem medo de sentir medo de algo?
- Tenho. Digo, não completamente... é quase isso. É complicado, sabe? - Suas costas se repousaram na cadeira, e seus olhos se fecharam por um breve instante. Vez ou outra ele mordia o lábio, o que me fez imaginar que ele talvez estivesse repassando as imagens do que queria falar na cabeça. - Tenho medo de quando isso acabar.
Não precisei pergunta-lo o que significava "isso". Matteo não gostava de se referir com uma palavra muito específica, então apenas dizia: "isso dói muito hoje", ou "aquilo tá me machucando". Ossos de Cristal era um nome mais fácil do que Osteogênese Imperfeita. A língua dele embolava toda, então ele simplesmente resumia a palavra. E eu bem sabia o que ele queria falar com "quando acabar". Não seria só o problema de seus ossos que iria embora, o dom de seu coração bombear sangue também iria. Eu sempre invejei o talento que Matteo tinha para as palavras. Mas se tinha algo que eu invejava ainda mais dele, era a forma em que ele sabia que iria partir mas estava preparado para isso, enquanto eu não conseguia suportar a ideia perdê-lo um dia, por mais que estivesse ciente disso desde que o vi pela primeira vez.
- Digo, não tenho medo de partir. - Ele voltou a dizer, fazendo minha pele se arrepiar com a simples menção de suas palavras. Seus olhos voltaram a se cruzar com o céu, encarando aquele infinito brilhante. - Tenho medo de virar uma delas. - Encarei o céu e vi as estrelas brilhando ali como aquelas luzes pisca-pisca. - Tenho medo da altura. Elas estão tão, tão altas...
Meu olhar voltou a se esbarrar com o dele. Eu queria abraçá-lo, dizer que ele não precisa ter medo de altura e que não iria virar uma estrela se não quisesse. Mas alguma coisa ruim travou as palavras na minha garganta, e me deparei com a temerosa situação de falar do fim da vida com uma criança de onze anos. Poxa, ele é só meu pequeno garoto. Como eu falaria de seu fim, sendo que o correto seria o meu vir primeiro que o dele?
- A tia da escola disse que quando fechamos os olhos pra sempre, viramos uma delas. E eu já vi tantas fotos delas caindo, Ella. Por isso não quero ser uma estrela também. Se elas caírem vai doer. - Ele dizia. - Não quero que doa mais.
- Mat, não vai doer. Te prometo que não vai. Um dia, meu bem, você vai andar comigo longe dessa cadeira de rodas, sorrindo por aí sem sentir dor. Eu te prometo isso. Não vou deixar que vire uma estrela, não vai doer. Não vai doer nunca mais, tá bom? - Me ajoelhei ao seu lado, beijando-lhe a testa. Uma confusão se instalava em mim e algo me dizia que minhas palavras não foram bem pronunciadas, mas eu esperava de coração que ele as havia compreendido. Eu não gostava de chorar na frente dele. Não porque isso me mostrava fraca, mas porque fazia doer em mim o que sempre doía nele. Porquê ver Matteo preocupado comigo era um castigo, e saber que ele se sentia mal por isso me arranhava por dentro. Então, suando para que minhas palavras não parecessem falsas, o jurei mais uma vez, arrancando meu italiano enferrujado de dentro de mim: - Te lo prometto, non se farà male.¹
- Non ti preoccupare.² - Disse ele, sorrindo para mim enquanto seus dedinhos se entrelaçavam com os meus bem devagar, com todo o cuidado no qual aprendeu a ter desde que nasceu. - Ficarei bem, hum?
Matteo parecia um pequeno anjo. Como se seu coração houvesse vindo com pouco tempo de vida só para nos ensinar um pouco sobre si, para que então pudéssemos ensinar sobre eles a outros e daí iluminar o mundo com um pouco de sua alegria. Eu tinha medo, sim. Não só dos insetos ou das bonecas de coleção da minha tia, mas tinha medo de perdê-lo. Tinha medo de que se ele se fosse, eu me perdesse também. No fundo, eu sabia que ele iria embora um dia. E sabia também que no momento em que ele se fosse, um pouco de mim iria junto a ele, para que um pouco dele ficasse. Para que ele me iluminasse pra sempre.
- Você vai amanhã, certo? - Seus olhos brilharam novamente na minha direção, como se quisesse enxugar as minhas lágrimas não só com sua blusa, mas com outro assunto também. - Papai disse que se você for, eu posso ir também. Vamos, por favor!
- Claro que eu vou. - Lhe sorri. - Vovô iria querer que nós fôssemos, mesmo que seja um pouco triste. E aliás, vovó quer ver você.
- Estou ansioso. Minhas mãos soam quando penso em ir pra lá. - Eu ri de sua fala. - Mamãe disse que lá é lindo.
- É sim. - Concordei. - Vovô via o mundo de uma forma linda, que nem você vê.
- Eu vejo? - Me perguntou, com seus olhos sorrindo por ele e uma sobrancelha arqueada em conjunto.
- Ah, e como vê. - Baguncei de leve seus cachinhos, sentindo um bater de felicidade no meu peito quando ouvi sua gargalhada gostosa.
Seus olhos voltaram a se cruzar com o céu. Por mais que eu não vesse muita coisa bonita ali, as poucas coisas que via, as poucas coisas que podia contar, me faziam sentir tão feliz quanto Matteo. Tudo naquele céu me dava a sensação de que Matteo ficaria um pouco mais comigo, por isso, naquela noite, eu não quis parar de olhar para cima.
"... No céu estrelado, Matteo não era a estrela que mais brilhava. Ele ainda não era uma estrela, afinal. Mas ele brilhava do meu lado, e aquele era o brilho mais lindo que eu já pude sentir. Ele também não era um número exato, porque ele não podia ser contado. Matteo era infinito demais para isso. Mas ele foi a única (não) exatidão que amei com tudo de mim."
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~Traduções do Italiano:
>> Te lo prometto, non se farà male¹ : "Te prometo, não irá doer mais".
>> Non ti preoccupare.² : "Não se preocupe".
~Curiosidades:
>> "Lágrimas de São Lourenço" é um dia que leva uma tradição Italiana para subir em algum lugar alto para poder ver a chuva de Estrelas Cadentes (ou meteoritos) que se passa por volta do fim de julho até 20 de agosto. É uma homenagem a história de San Lorenzo, ou no português, São Lourenço. Podem chegar a cair cerca de 60 meteoritos por hora!
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E então, este foi nosso prólogo! Eu quis abrir o livro explicando um pouco sobre uma das relações mais importantes que teremos em Guardami, que no caso envolve Matteo e Ella. O Matteo contém Osteogênese Imperfeita, caso você não conhece a doença e não leu um capítulo específico sobre isso que postei antes da dedicatória, te indico a ler.
Vejo você no próximo capítulo! Estou ansiosa para mostrar mais essa história para vocês, ela significa muita coisa pra mim, mesmo que de modo discreto. Abraço!
~Peare Coffee
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