Outubro, 07
Outubro, dia 07
Excedeste-te outra vez, Di, e tiveste uma recaída. Podes continuar a dizer que não foi nada, que estás bem, mas se desmaias na cantina da Academia à hora do almoço, fica evidente para todos que há algo de errado.
Já devias saber que não podes forçar os teus limites. Perseguires o teu sonho de ser bailarina foi um jogo perigoso que acordámos entre nós, os teus médicos e a direção da Academia por causa da tua teimosia. As regras estritas do jogo, de que frequentemente te queixas por serem opressivas e te roubarem o cheiro a normalidade que gostavas de ter, são aquilo que te mantêm viva. Se começares a contornar as regras, todo este arranjo que nos custou horrores a montar vai pelo cano e serás recambiada para os bastidores onde só poderás ver o palco e a plateia pelas frestas entre os panos.
Felizmente não agravaste o teu diagnóstico, mas o teu estado continua a ser delicado. As transfusões são eficazes e a medicação controla o maior dos efeitos secundários, mas não há milagres. Tens de moderar o teu esforço. O teu coração pode não aguentar. Os teus ossos podem dar de si.
Os teus médicos proibem-te de te esforçares tanto, mas sei que não vais cumprir. Que não consegues cumprir.
Eles não vêem. Eles não vêem que esforçares-te tanto te deixa feliz. Eles não vêem que é isso que te faz acordar todos os dias de manhã bem cedo para não chegares nem um segundo atrasada. Eles não vêem que é isso que te dá vontade de estudar todos os dias. Eles não vêem que é isso que te põe um sorriso na cara, aquele sorriso que eu tanto adoro. Eles não vêem, por isso não sabem.
Mas eu vejo. Eu sei.
Eu sei que vais continuar com o que sempre tens feito, mesmo que isso acabe contigo. Eu sei que vais continuar a perseguir o teu sonho, mesmo que isso não te faça bem. Porque isso é a tua paixão. É isso que te dá força, apesar de ta tirar ao mesmo tempo. É isso que te mantém viva.
Lembraste do meu amigo, o Marcelo? Talvez não te lembres. Ainda eras pequenina. Bem, hoje disseram-me que ele morreu. Overdose, tal como o nosso pai. Ele ainda vivia lá, no bairro onde crescemos e onde teríamos acabado como ele se não nos tivéssemos mudado. Sinto pena dele. Sinto pena por ele não ter conseguido sair de lá e ter uma vida diferente. Ele era um miúdo tão engraçado! Éramos muito amigos. Em pequeno, ele sonhava em descobrir o mundo, em fazer a diferença, em superar as expectativas que toda a gente tinha dele.
Eu acreditava no Marcelo. Eu acreditava que ele ia conseguir. Agora, sinto pena por ele não ter chegado a concretizar os seus sonhos.
A vida é difícil, não é? Tu deves sabê-lo melhor do que eu, mas eu também tenho noção. A vida não é aquilo que nós escolhemos, mas sim o que ela escolhe para nós. Somos simples marionetas que tentam sobreviver com aquilo que têm.
Como dizia a avó Nana: "Se a vida te der limões, faz uma limonada." Nós só temos de aprender a lidar com aquilo que a vida nos dá, e tentar seguir em frente. Temos de lutar todos os dias com todas as nossas forças para termos a vida que queremos. Tal como tu tens feito. E eu admiro-te por saberes isto, mesmo sem o saberes.
Mas por favor, não te esqueças de fazer tudo com moderação, sim? Não saltes dias de transfusões, não te esqueças dos medicamentos e para de te esforçar ao mínimo sinal de alarme, está bem?
Com Amor,
Sammy
[editado: Dez 2024]
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