Agosto, 18
Agosto, dia 18
Eu sabia, Diana! Eu sabia que não era só uma constipaçãozinha, como tu lhe chamaste.
Se eu tivesse percebido mais cedo o teu estado, tinha-te enfiado no hospital assim que apareceste cá em casa, por muito que odiasses a ideia.
O Max ficou destroçado quando soube que desmaiaste de febre um dia depois de voltares para casa. Os pais dele vieram cá bater-nos à porta para se desculparem pessoalmente. Sentiam-se de tal forma culpados e tristes que parecia que era o próprio filho a ter de ser internado no hospital. Não que eu estivesse a contar, mas quando vieram cá a casa trazer a travessa de arroz de pato e os seus serviços para ajudar no que for preciso, ouvi a expressão «Pedimos imensa desculpa» mais de duzentas vezes. Só em vinte minutos de conversa.
A pneumonia que apanhaste não tem mostrado sinais de recuar ou abrandar a sua progressão, mas alguns dos teus médicos dizem que pode ser necessário um tratamento um pouco mais agressivo para este microrganismo particularmente resistente. Se não tiveres melhoras nas próximas horas, eles vão aumentar a carga do tratamento.
Esperemos sinceramente que resulte. Estamos todos muito preocupados.
Mal paramos cá em casa. A nossa vida, — minha e dos nossos pais adoptivos —, reveza-se entre o hospital, a casa da avó Nana e a nossa apertada e eternamente desarrumada cozinha.
É engraçado que, agora que reli a frase que acabei de escrever, me apercebi de que nunca tratei a Martha e o John por "pais". Nem aqui, por escrito, nem em voz alta, em conversa seja com quem for. Sempre coloquei uma distância respeitosa entre nós, com o tratamento algo impessoal do primeiro nome. Como se não passássemos de estranhos que tinham de morar na mesma casa e partilhar rotinas diárias durante anos. Como se eles não tivessem dado provas suficientes do amor que sentem por nós e da sua vontade de fazer com que nos sintamos seus filhos. Como se nos tivéssemos conhecido apenas na semana passada.
Sinto-me estúpido por nunca os ter tratado por pai e mãe. Tu começaste a fazê-lo há alguns anos e eu continuei a chamá-los pelo nome, como se vivesse à margem. Agora que penso nisto, sinto-me mal por nunca lhes ter dado essa alegria, essa satisfação de ouvir da minha boca tratamentos tão íntimos e carinhosos.
Eles merecem-no. Há anos que ganharam esse direito. Não tanto pela comida nas nossas barrigas, pelo teto sobre a nossa cabeça ou pelas despesas na nossa educação ou na tua saúde, mas porque estiveram lá. Porque foram uma presença sólida e constante, uma fonte de amor incondicional e inesgotável. Foram mais pais para nós do que o casal que nos deu vida. E eu não tenho a certeza do porquê de nunca ter dito em voz alta aquilo que já se me enraizou na cabeça há tanto tempo. Porque, aos meus olhos, eles são os nossos pais. Eles sempre foram nossos pais.
Mas eu nunca o consegui dizer. Nunca lhes consegui dizer.
Talvez tenha sido medo do quão permanente isso soa. Do quão eterno fica o laço entre nós se os passar a chamar de "pais" e se eles me passarem a chamar de "filho" sem receios da minha reação. Porque, até agora, nada na minha vida foi permanente. Tudo o que dei por garantido me foi tirado. Todas as relações que construí, desapareceram. E não quero que a história se repita.
Mas vejo agora que é parvoíce. Agora, que me sinto mais longe de ti do que nunca, Diana, sei que tenho de mudar isto. Hoje mesmo.
Tal como fiz quando pedi, por impulso, a Carol em namoro, vou atirar-me de cabeça e oficializar o que nos une. Vou começar a tratá-los por 'pai' e 'mãe'. Vou gritar ao mundo inteiro, se for preciso. Porque nunca se sabe quando é que é tarde demais para dizermos às pessoas que amamos o quão importante elas são nas nossas vidas.
De uma maneira ou de outra, eles já deixaram marcas profundas de amor no meu coração. Resta-me agora fazê-los saber disso e retribuir tudo o que de bom eles me deram.
Mas como eu estava a dizer, mal paramos em casa. Agora que estás internada, passamos a maior parte do nosso tempo no hospital, especialmente a Martha. Ela é sempre a última a entrar para as visitas, e é a que fica lá mais tempo.
Quando não estamos no hospital, vamos para casa da avó Nana. Ela já sabe o que aconteceu e sente-se terrivelmente preocupada. Não quer ficar sozinha em casa e, contrariamente ao habitual, não quer sair à rua. A avó só quer amparo e consolo nestas tuas horas mais difíceis e, ao estarmos juntos em sua casa, em frente à lareira apagada, tentamos encontrar forças uns nos outros. Tentamos transmitir esperança e positividade uns para os outros.
Por estarmos tanto tempo fora de casa, não conseguimos cozinhar. Então, as refeições que fazemos são-nos dadas pela avó Nana, que as recebe aos quilos da vizinha, já que esta encontrou na cozinha o tubo de escape para o seu stress e ansiedade — que, segundo a avó, tem disparado nos últimos meses por causa de discussões com a sogra —, e as travessas e tupperwares oferecidos por amigos e vizinhos. O nosso frigorífico está repleto de caixas e caixinhas de comida, pronta a comer nos dias em que vamos dormir a casa.
Hoje, por exemplo, é uma dessas noites. O teu médico disse que nos proibida de te ver se nos encontrasse a passar a noite nas cadeiras da sala de espera, ou em qualquer outra parte do hospital. Aceitámos voltar a casa com alguma relutância, mas o banho quente e um colchão confortável só nos vai fazer bem. Amanhã de manhã, mal abra o horário de visitas, voltamos à carga para te fazer companhia, para te animar e dar força.
Queremos que melhores depressa.
Do eternamente teu,
Samuel
[editado: Dez 2024]
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