1.20 | Descoberta
23/03/2022
Sinto o sol bater seus raios em meu rosto, entrando pela janela meio aberta. O vento sopra sobre as cortinas do quarto, fazendo-as balançar vagamente. Meus olhos se abrem lentamente, se ajustando à luz que ilumina o quarto. Solto um bocejo e esfrego uma de minhas mãos em meu rosto, tentando acordar.
Finalmente, decido me levantar para iniciar meu dia, mas sou impedido por um estranho peso sobre meu corpo. Confuso, olho para o que está sobre mim e meus músculos se travam, meu coração acelera, dando espaço para o nervosismo que me invade.
É ele. Hansel. Havia me esquecido de ontem. Eu sou tão estúpido!
Olho ao redor, percebo que estou deitado em sua cama, em vez da minha. Nós acabamos pegando no sono assim ontem, até mesmo estamos com as mesmas roupas. Olho para ele, dormindo pacificamente, até parece um anjo. Nem parece o cara que assusta todos os alunos com um só olhar. Ainda não havia me dado conta do quão privilegiado sou por ver este lado dele.
Hansel me abraça fortemente, enterrando seu rosto em meu peito, me fazendo estremecer por inteiro; ele não parece querer acordar. Eu deito minha cabeça de volta no colchão, aceitando o fato de que sou incapaz de acordá-lo quando está dormindo tão aconchegado.
Pego meu celular e vejo a hora, ainda são apenas 6h da manhã. Temos algum tempo antes da primeira aula. Hoje será um dia muito importante, daremos início ao treinamento específico para as áreas das Olimpíadas. Poderemos escolher entre jogos de estratégia, combate ou ginástica. Eu, obviamente, vou para o combate, mas não sei dizer quais áreas os outros vão escolher. Especialmente o Hansel, considerando tudo o que vem acontecido nos últimos dias. Acho que ele nem mesmo pensou nisso ainda.
Sinto Hansel se mexer sobre mim, virando sua cabeça em minha direção e olhando nos meus olhos. Meu rosto se esquenta todo com a visão angelical que me abençoa logo de manhã assim.
– Oi – diz ele com voz baixa e um sorriso no rosto. Passo meus braços em volta de suas costas e beijo sua testa.
– Bom dia – digo em voz baixa também. – Você parece confortável.
– Estou – responde ele, fechando os olhos. – Fazia muito tempo que não dormia tão bem assim.
Passo minhas mãos entre seus fios de cabelo. Eles são lisos e macios, me pergunto o que ele usa para deixá-los tão agradáveis ao toque assim. É incrível como ficar assim com ele me faz não querer mais nada no mundo. Já estive com muitas pessoas na minha vida, mas nunca ninguém me fez sentir como ele me faz. Até parece que uma força mágica nos conecta.
– Você sabe que não podemos ficar assim o dia inteiro, não é? – digo, sem parar de brincar com seu cabelo.
– Ei, ser o que pega no pé é o meu papel, não o contrário – diz ele, me fazendo rir.
– Bom, não é culpa minha que você é o que está nos atrasando hoje – digo, olhando para ele.
– Só mais cinco minutos, por favoooor – diz ele, escondendo seu rosto em meu peito. Como eu poderia dizer não a ele? Não poderia, acho que não há nada que ele me peça que eu não faça a essa altura.
Nós ficamos deitados na cama de Hansel por mais um tempo, aproveitando o momento, sentindo o calor um do outro. Até que ele decide se levantar para nos prepararmos para a aula. Eu não poderia esperar nada menos vindo dele, Hansel jamais faltaria uma aula, por mais que quisesse.
Após ter tomado café da manhã junto aos meus amigos, recebi uma mensagem de meu pai pedindo que fosse até a sua sala. Foi um momento tão bom estar com os outros, enquanto estava com Enji, mesmo que tenhamos decidido não contar a eles ainda sobre nós; havia até me esquecido de toda a confusão que me cerca. Além de me preocupar com meu pai e os conselheiros e meus poderes, tenho que descobrir quem são as pessoas infiltradas na S.E. que atacaram os dormitórios.
Seja lá quem forem, conseguiram a habilidade de criar aquelas bolas de fogo a partir daquele livro, é o único lugar que tinha informação que possibilitasse um feitiço daquele. O livro não estava na biblioteca antes de Enji e eu chegarmos lá, eu havia passado pela mesma estante da qual ele caiu e não tinha sentido a energia dele nela. A pessoa que o colocou lá colocou depois que já estávamos lá e definitivamente queria que eu o encontrasse. A única pergunta é: por quê?
Adentro a sala de meu pai sem bater na porta. Vejo-o virado de costas para a entrada, olhando para o campus da universidade pela grande janela de vidro que há na parede de sua sala, encoberta por várias cortinas.
– Estou aqui – digo finalmente. Eu não quero prolongar isso por mais tempo que precise levar.
– Eu sei o que você tem feito, Hansel – diz ele sem olhar para mim. Sua voz soa inalterável, quase igual a um robô.
– O senhor vai precisar ser um pouco mais específico se quer que eu entenda – digo aborrecido.
– Sei sobre seus treinos no ferro-velho do bairro – diz ele, ainda sem se virar para mim.
– Estive treinando meus poderes para as olimpíadas, o que tem isso? – pergunto sem entender aonde ele quer chegar.
– Então você planeja usar todos eles nas olimpíadas, incluindo terra, fogo e ar? – pergunta ele, se virando para mim.
Minha ficha cai, finalmente. Ele sabe sobre todos os meus poderes, não só dos da água. Sabe que eu descobri sobre ele. Por um momento, faço expressão de surpresa, mas então, decido parar com o fingimento e colocar as cartas na mesa.
– Oh, então o senhor finalmente descobriu... – digo de forma firme, sem demonstrar intimidação. Eu não tenho mais medo dele.
– Hansel...
– Não! – digo rigidamente. – Eu não quero ouvir suas desculpas! Você colocou dois inibidores no meu corpo, manteve meus poderes escondidos de mim por toda a minha vida! Tudo isso para me manter sob seu controle e me usar no seu plano doentio de sucessão da S.E.!
Meu pai se aproxima de sua mesa e encosta suas mãos sobre ela, suspirando profundamente. Ele, então, se senta em sua cadeira, mostrando em minha mente a mesma imagem que tenho visto desde que cheguei aqui. O rei e sua marionete, um em frente ao outro, incapazes de se alcançar pelo grande muro que os separa.
– Você acha mesmo que tudo isto é sobre mim e a S.E., Hansel?! – diz ele de forma ríspida. – Há mais em jogo do que você possa imaginar!
Num instinto de raiva tirado do fundo do meu ser, faço um movimento com o braço esquerdo para o lado. A mesa que separa a mim e meu pai é envolta por uma luz azul que a lança na parede do lado, sendo completamente destruída pelo impacto. Meu pai se levanta num susto de sua cadeira e a derruba no chão.
Eu mantenho meus olhos fixados nos dele, percebendo as luzes da sala que piscam com cada passo que dou para chegar mais perto. Papai dá passos para trás, até se encostar na janela de vidro. Pela primeira vez em minha vida, percebo medo em seu olhar.
– Então, me diga, o que está em jogo? – pergunto em voz baixa, aproximando meu rosto do seu. Sua expressão muda de medo para pesar, me mostrando que ele jamais confiará em mim o suficiente para me contar o que realmente acontece por dentro das paredes que cercam esta universidade. Eu nunca vou ser um filho ou sucesso de verdade, apenas a marionete. – Eu quero você longe de mim e dos meus amigos.
Me afasto dele e saio de sua sala. Meu corpo inteiro treme, enquanto me dou conta do que realmente acabei de fazer. Não ouço meus passos ou o ambiente ao meu redor, só sinto meu coração disparado bombear o sangue por meu corpo, que está tomado por ansiedade. Eu realmente fiz isso, eu o confrontei. Não planejava, mas fiz. Não pude me conter, foi mais forte que eu.
Atravesso rapidamente os corredores do prédio principal, com os braços cruzados, até sair para o campus e sentir o vento em meu rosto. Olho ao meu redor, vendo os estudantes passeando em grupos, conversando uns com os outros, me fazendo voltar para a realidade. Sinto uma mão tocar meu ombro e me viro instintivamente, assustado.
– Ei! Sou eu – diz Enji, me fazendo ficar aliviado. Ele toca meus ombros. – Você está bem? Está um pouco pálido.
– Eu sou sempre pálido, Enji – digo, na tentativa de acalmar a mim mesmo.
– Quero dizer, mais que o normal. Parece que viu um fantasma – diz ele preocupado.
– Sim, estou bem – digo, fazendo o possível para que ele pense em outra coisa. – Podemos só sair daqui e ir para a aula, por favor?
– Hm, claro... – diz ele, mas ainda consigo ver o olhar de preocupação em seu rosto. Desde ontem, estive com dificuldades de manter a minha postura em frente a ele. Suponho que uma vez que você tira sua armadura, é difícil colocá-la de volta. Quando estou com Enji, não quero ser forte, quero ser vulnerável, porque quero que ele me faça sentir seguro. Acho que esse era um dos motivos de eu negar meus sentimentos por ele no começo, tinha medo de baixar minha guarda assim.
Nós andamos pelo campus até chegarmos ao prédio de nossa sala de aula.
A aula de hoje foi totalmente expiatória sobre as categorias das olímpiadas em que poderes competir. Temos até domingo que vem para escolhermos uma categoria. Por agora, estou me concentrando apenas no treino de hoje, com Sarah. É a minha primeira aula de dobra do ar, admito que estou um pouco nervoso.
– O ar é o elemento da liberdade, ele está em todos os cantos, por menores que sejam. Seres do ar precisam estar sempre em ótima paz de espírito para serem capaz de controlá-lo com precisão – diz Sarah ao meu lado. – Isso significa que você precisa deixar suas preocupações de lado antes de tentar controlá-lo.
– Você sabe que paz de espírito é tudo o que eu não tenho tido nos últimos tempos, não é? – digo sarcasticamente.
– Cara, então desiste, porque nós não vamos sair do lugar desse jeito – diz ela, colocando as mãos sobre a cintura.
– É brincadeira, desculpa! – digo suspirando.
– Bom, vamos começar com o básico então – ela solta os braços –, feche os olhos e inspire profundamente. Depois, expire pela boca. Sinta o sair entrar e sair do seu corpo.
Faço exatamente o que ela diz, inspirando profundamente e expirando pela boca, prestando atenção nas sensações que meu corpo produz a cada vez que faço isso. Por um instante, me sinto instantaneamente leve, como se minha mente estivesse sendo limpa aos poucos. Nós fazemos esse exercício por mais algumas vezes, até que Sarah me manda parar.
– Certo, o que vem agora? – pergunto.
– Consegue sentir o vento soprando contra seu corpo? Tente aumentar a sua velocidade – diz ela, como se fosse a coisa mais simples a se fazer.
– E como eu faço isso? – pergunto confuso.
– Deixe ele vir até você, atraia-o – responde ela.
Eu fecho meus olhos e respiro profundamente. Imagino meu corpo como um imã, atraindo o vento. Logo a brisa que sopra contra mim se torna mais forte, vindo mais rápido. Eu olho ao redor, as folhas das árvores que cercam o ferro-velho balançam com o vento que bate contra elas e vem até mim.
Acho que entendo mais ou menos como isso funciona. É parecido com a água, o ar já está aqui, só preciso redirecioná-lo para ir aonde quero que vá.
– Você quer dizer assim? – Movo minhas mãos para minha frente, a corrente de ar passa rapidamente ao redor do meu pescoço, sobre meus ombros, e atinge um pedaço de metal, que é derrubado no chão.
– Mandou bem para uma primeira tentativa! – diz ela. – Acho que vai pegar o jeito rápido.
Nós dois passamos algumas horas performando movimentos básicos de dobra do ar. Apesar da Sarah ser despreocupada na maioria do tempo, é uma ótima professora, acho que até melhor que Caio e Enji. A forma como ela ensina passo a passo faz com que seja quase impossível errar. Se soubesse que ela era boa assim, acho que teria pedido ajuda mais cedo.
O tempo passa e logo chega o horário do jantar. Sarah e eu andamos juntos até o refeitório da universidade, onde encontramos nele Enji, Caio e Helena.
– Oh, lá estão eles – diz Caio assim que nos vê.
Eu me sento ao lado de Enji, enquanto Sarah se senta ao lado de Caio. Eles parecem ter acabado de chegar aqui também.
– Então, como foi o treino? – pergunta Enji.
– Esse cara aí ao seu lado é um ótimo aluno, meu parceiro! – responde Sarah antes que eu fale qualquer coisa. – Ele pegou o básico bem mais rápido do que eu quando estava aprendendo. É até difícil acreditar que nunca dobrou ar na vida antes.
– Oh, é mesmo? – Enji olha para mim franzindo as sobrancelhas. – Ele não facilitou tanto assim para mim aprendendo dobra do fogo.
– Ou a da terra – diz Caio logo em seguida.
– Bom, só porque ele controla todos os elementos não significa que vai ter facilidade – diz Helena em minha defesa.
– Ela está certa – digo, me lembrando de uma teoria que li em um livro. – Os poderes dos seres-éter se desenvolve não só por questões genéticas, mas por personalidade e época de nascimento também. O que significa que você – me viro para Enji – se tornou ser do fogo por sua personalidade intensa. Enquanto eu tenho mais afinidade com a água por ser mais calmo.
– É verdade. Caio é pé no chão, combina com a terra. E Sarah é tranquila, combina com o ar – diz Helena. – Enquanto a mim – ela mexe em seu cabelo –, sou bonita e maravilhosa, logo, telepata.
– Oh, por favor... – Enji revira os olhos.
– Até eu senti dor nessa – diz Sarah.
– Bando de invejosos – diz Helena, se olhando em seu espelho de bolso. – Já decidiram o que vão comer?
– Eu já, estou apenas esperando por vocês – diz Caio. Acho incrível como ele sempre sabe o que vai comer quando está na cantina, até parece que tem uma rotina de alimentos que come durante a semana.
– Não estou com muita fome hoje, não sei se vou querer jantar – digo, me lembrando do que aconteceu na sala do meu pai hoje de manhã. Eu não sei se foi a decisão correta confrontá-lo daquele jeito, estou me sentindo um pouco culpado.
– De jeito nenhum! Você não comeu quase nada no almoço, precisa se alimentar direito! – diz Enji ao meu lado.
– Eu já disse que sou eu quem pega no seu pé, não o contrário! Qual o seu problema? – digo aborrecido.
– Não é minha culpa que você magicamente decidiu quebrar as regras do dia para a noite! – responde ele.
– Vocês podem se beijar se quiserem, não nos importamos – diz Helena, voltando nossa atenção para os três, que nos observam do outro lado da mesa.
Sinto meu rosto esquentar. Nós tínhamos combinado de só contar a eles depois que nos acostumarmos com a ideia de estarmos namorando, mas suponho que esconder seja mais difícil do que pareça.
– B-beijar?! Por quê?! – pergunta Enji envergonhado. Se eu sou ruim em manter isto em segredo, ele é duas vezes pior.
– Anjo, eu sou uma telepata! Ainda não entendeu que não há nada que você possa esconder de mim? – diz Helena, fazendo meu cérebro despertar. É claro, como não pensamos nisso antes? Estamos nos escondendo em vão.
Olho para Enji, que não responde. Seu rosto está vermelho feito um tomate, é um tanto fofo.
– Tudo bem, estamos namorando. Feliz agora? – digo de uma vez.
– Hansel! – diz Enji, olhando para mim envergonhado.
– Ela está certa, não dá para esconder – digo a ele, olhando para Helena.
– Obrigada pelo reconhecimento! – responde ela, revirando os olhos.
– Já estava na hora – diz Caio, se espreguiçando.
Posso ver o rosto de Enji ficando mais vermelho a cada coisa que eles falam. É bem provável que ele entre em combustão se continuar assim.
– Qual é, povo? Deixem eles em paz – diz Sarah, cutucando Caio e Helena com os cotovelos.
– Em paz nada! Meu shippe finalmente ficou junto, acha que eu não vou encher os dois de perguntas?! – diz Helena. – Então, quem se confessou primeiro?
Enji faz cara de chateado, enquanto eu contenho minha risada.
O jantar assim passa, com perguntas constrangedoras das mais variadas vindas de Helena e com Enji envergonhado por respondê-las, dando a mim o papel de fazer isso por ele.
Aos poucos, cada um de nós terminamos nossas refeições e nos direcionamos para nossos quartos.
Mesmo que me sinta culpado pelo que fiz na sala do diretor hoje, sei que não posso fraquejar em frente a ele, não sabendo o que ele faria. Preciso me manter firme em minha decisão, não deixar que ele me manipule. É a única forma de atravessar as Olimpíadas e dar um jeito de descobrir quem foram os envolvidos no ataque.
Eu sinto que a resposta está naquele livro que encontrei. Há muitas coisas nele que ainda não fui capaz de testar, muitas páginas que ainda não foram lidas. Então, preciso arrumar um tempo para fazer isso.
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