1.12 | Inibidores
04/03/2022
Me desperto em um único pulo, agitado pelo sonho que acabei de ter.
– Ei, ei! – Uma familiar voz se dirige a mim, vinda do meu lado. Sinto mãos tocarem meu braço, me acalmando. – Está tudo bem, você está bem!
– Enji? – pergunto ofegante, olhando para ele, que está em pé ao meu lado. Estou na sala de enfermaria da S.E., deitado em uma maca. É dia, baseado na luz que vem da janela.
– Sim, sou eu! Você está seguro! – responde ele, me acalmando.
Fecho meus olhos, ainda respirando aceleradamente. Tento me situar, entender o que aconteceu para que chegasse aqui. Eu me lembro... O ataque nos dormitórios, o fogo, está tudo bem claro em minha cabeça. Mas não me lembro do que aconteceu depois que adentrei o fogo.
– O que aconteceu ontem, depois que chegamos ao incêndio? – pergunto a Enji, que se senta em um banco, sem sair do meu lado.
– Quer mesmo discutir sobre isso? Você acabou de acordar, Hansel... – diz ele parecendo estar preocupado. E eu consigo entender seu ponto de vista, não sei pelo que Enji passou nesse meio tempo entre o momento do ataque e agora. Mas algo em mim não está em paz, preciso saber o que houve.
– Enji, por favor... Apenas responda – digo, tentando não soar autoritário, mas como um pedido. Ele suspira, não aborrecido, mas conflituoso.
– Depois que você entrou no fogo, o absorveu completamente para dentro do seu corpo. E depois, você disparou uma torre de luz azulada para o céu, como se tivesse transformado as chamas em outra coisa e a direcionado para outro lugar – responde ele, sem olhar para mim. Enji parece estar mais focado em tentar interpretar em palavras o que aconteceu do que realmente responder, é como se ele mesmo não soubesse. E julgando pelo que ele está me contando, eu também não sei. – Os ataques pararam logo depois disso. Você desmaiou e eu te trouxe para a enfermaria. Eu jamais vi algo daquele tipo antes, Hansel, aquilo não foi algo que um ser do fogo consegue fazer. O que você fez...?
– Eu gostaria de saber também... – respondo olhando para o nada. As coisas estão começando a mudar de forma muito rápida. E eu imaginava que meu primeiro ano na S.E. seria tranquilo, ou pelos menos esperava que fosse... Mas o fato é que essa questão dos meus poderes está saindo do controle, tenho medo de que não seja capaz de manter este segredo por muito mais tempo. Acho que vou precisar de ajuda logo, logo...
Enquanto Enji e eu ficamos em silêncio, a enfermeira entra na sala, me fazendo olhar para ela.
– Oh, aí está você! – diz ela com um sorriso no rosto. – Estava esperando que já estivesse acordado!
– Olá... – Eu a observo enquanto se aproxima. Preciso saber o quanto ela soube do que aconteceu ontem, ninguém fora de confiança pode desconfiar. – Meu pai sabe que estou aqui?
– Bom, e tem alguma coisa que seu pai não sabe em relação a este lugar?! – Ela ri. Parece ser uma pessoa simpática. Infelizmente, não tenho muito tempo para fazer amizades, muito menos agora, que tudo está fugindo do meu controle. – Bom, eu apenas vim entregar isto a você, antes de liberá-lo.
A enfermeira me entrega um pequeno dispositivo circular, do tamanho de uma moeda. Eu observo o aparelho com curiosidade, nunca havia visto algo assim.
– O que é isto? – pergunto olhando para o dispositivo, que está quebrado.
– É um inibidor interno! Dispositivo feito para conter poderes de seres-éter com pouca habilidade, ajudam nos treinamentos! – responde ela, como se não entendesse por que fiz tal pergunta. – Isso estava no seu ombro direito, deve ter sido danificado no ataque de ontem, antes de Enji trazê-lo aqui.
– Um inibidor?! Isto servia para conter meus poderes?! – pergunto perplexo.
– Bem, sim! Você não sabia...? – Ela parece confusa. Desvio meu olhar, sem acreditar no que acabei de descobrir. Inibidores... É claro! Como fui tão estúpido a ponto de não perceber?! Eu tinha inibidores dentro do meu corpo contendo meus poderes, por isso não descobri minha individualidade até depois do ataque na montanha! Se este estava no ombro direito, o do ombro esquerdo foi destruído quando fui apunhalado, por isso meus poderes começaram a despertar logo depois que acordei naquele dia. – De qualquer forma, você está livre para ir! Vou enviar seus resultados por e-mail, apesar de que você esteja muito bem de saúde!
A enfermeira deixa a sala, permanecendo apenas Enji e eu. Mas estou tão em choque agora, que não consigo me mexer para sair daqui. Mais ainda, estou bravo. Se eu tinha inibidores no meu corpo, significa que alguém os colocou em mim, mais especificamente a pessoa que cuidou de mim desde sempre: meu pai.
– Hansel, você está bem? – pergunta Enji, me tirando de meu estado de fúria. Mas quando olho para ele, me acalmo, como se ele tivesse um encantamento que me deixa mais leve. Eu sei que preciso do seu apoio, demorei para entender, mas agora sei.
– Não, não estou bem! – Balanço a cabeça, em negação. – Eu nunca havia entendido por que demorei tanto para descobrir minha individualidade, mas está claro agora: meu pai tentou bloquear meus poderes para que eu não os desenvolvesse!
– Certo, certo, isso faz sentido até um determinado ponto. Mas por que ele faria isso? – pergunta Enji, tentando me fazer pensar mais, talvez até me fazer mudar de ideia quanto à minha conclusão. Mas não há como ser de outra forma, meu pai é a única pessoa que eu tenho contato que poderia fazer algo do tipo.
– Para me manter sob controle! – respondo. – Se eu não tiver poderes, vou ser mais fácil de ser manipulado a seguir seus desejos como próximo diretor da S.E. Ele fez isso para se certificar de que eu ficaria no caminho que ele escolheu para mim!
– Mas... é o seu pai! Como ele poderia fazer algo assim com o próprio filho?! – pergunta ele tão desacreditado quanto eu.
– Porque tudo isto é sobre jogo de poder, Enji! – Abro meus braços, apontando-os para toda a sala em que estamos. – Toda a S.E! Eles, o conselho, me escolheram como o sucesso e vão fazer tudo o que for necessário para que aconteça! E isso inclui meu pai também...
– Eu não entendo a lógica, o diretor não precisa ser um ser-éter para ser o diretor de, bom... a universidade dos seres-éter?! – pergunta ele confuso.
– Meu pai não é um ser-éter... – respondo, deixando-o em silêncio. Imagino que ele não esperava por isso. – É mais sobre habilidades administrativas do que o que você consegue fazer com um pouco de água, fogo, ou o que for... E como alguém que estava em constante contato com o diretor, eu era a escolha perfeita.
– Isto é tão zoado, Hansel... Eu sinto muito, de verde! – diz ele, tocando sua mão em meu braço. – Especialmente pelo quanto te julguei no passado! Realmente achava que ser o sucessor era um privilégio, mas estou vendo que não é o caso... – Enji desvia seu olhar, mas consigo ver o desgosto e culpa em seu rosto.
– Não sinta. É passado. Além disso, já tínhamos resolvido isso, não? – Mostro um leve sorriso a ele, que desfaz sua cara de culpa e retribui. – Não posso confiar em meu pai quanto aos meus poderes. Se descobrir que controlo mais que apenas a água, não vai demorar até que me force a usar inibidores de novo. Vou precisar fingir que estou no jogo deles.
– Mas você não quer ser o diretor, quer? Tem certeza de que é a melhor forma de lidar com isso? – pergunta ele, deixando a dúvida em minha cabeça. É claro que não é a melhor forma de lidar, mas não vejo outras opções.
– Eu não tenho outra escolha! Papai e o conselho jamais me permitiria sair! Estou sob o poder deles... – respondo sem confiança. – Pelo menos por agora, vou ter que fingir. Depois, decido o que realmente vou fazer.
– Certo... Não vou me opor à sua decisão. Mas não concordo com ela, deixando claro! – diz ele.
O silêncio reina entre nós, enquanto junto coragem para levantar da maca e sair da enfermaria; de certa forma, estou feliz que fui o único a sair "ferido" do ataque de ontem. Pelo menos não parece que houve danos a outros alunos. Não sei se vou poder dizer o mesmo dos dormitórios...
Nós dois, Enji e eu, nos preparamos para sair. Antes de passarmos pela porta, Enji para e se vira para mim, olhando para baixo, pensando.
– O quê? – pergunto curioso.
– Se com um inibidor, você consegue controlar três elementos e mais o que fez ontem, o que vai acontecer agora que não tem nenhum? – pergunta ele preocupado, olhando para mim. É claro, eu não havia parado para pensar nesse lado.
– Você acha que vai ficar mais difícil esconder agora? – pergunto preocupado.
– Considerando a torre de luz de ontem... – diz ele, me fazendo entender onde quer chegar. – Tem muito que não sabemos, Hansel, você vai ter que ser extra cuidadoso.
– Não... Vou precisar aprender a controlá-los. Vou precisar de ajuda – digo determinadamente.
– Você quer dizer...
– Sim. Caio e Sarah, vou precisar dos dois. E Helena, caso desenvolva telepatia depois do ar – respondo.
– Confia neles tanto assim? – pergunta Enji.
– São seus amigos. Você não confia? – pergunto olhando em seus olhos.
– Eu confio na Sarah, mas ainda estou me acostumando com Caio e Helena – responde ele.
– Vou aprender a confiar na Helena eventualmente – digo, passando por Enji e saindo da enfermaria. – E Caio me salvou de ser sequestrado, então...
– Bom, eu poderia ter te salvado se estivesse lá, isso não quer dizer nada... – diz Enji, me seguindo.
– O que isso tem a ver com o assunto? – pergunto olhando para ele.
– ... Nada! – Enji desvia seu olhar, balançando a cabeça; percebo seu rosto avermelhado. Ele consegue ser tão estranho de vez em quando.
– Enfim, tenho você para me ensinar a dobrar o fogo, de qualquer forma... – Volto a olhar para frente. Os corredores do prédio principal estão totalmente vazios. Não sei qual ordem foi nada depois do ataque. – Como o corpo docente reagiu ao ataque de ontem?
– Ordenaram que nenhum dos alunos saíssem dos dormitórios até segunda-feira que vem. Estamos sem aulas – responde ele. – Só estou aqui fora porque precisava ficar com você até acordar.
– E meu pai concordou em deixar alguém comigo?
– Honestamente, eu nem mesmo cheguei a vê-lo. Também não sei se ele apareceu para ver você.
Considerando o trabalho do diretor e toda a confusão que o ataque deve ter causado, ele não deve estar com um minuto para respirar sequer. Não é só sobre a segurança dos alunos, tem toda uma questão externa envolta. O governo, a imprensa, os familiares dos estudantes, a S.E. terá que prestar contas a tudo isso sobre o ocorrido. Eu não quero nem imaginar o caos que será para o conselho lidar com isso.
E pior, não sei qual será o meu envolvimento nessa situação toda, considerando que sou o assistente. É dever meu estar com ele agora, mas ele nem mesmo se deu ao trabalho de vir me ver na enfermaria...
– Você está com o meu celular, por acaso? – pergunto a Enji.
– Está com a Sarah. Você o deixou no quarto antes do ataque, quando saiu – responde ele. Pelo menos está seguro. Preciso dele para contatar meu pai, preciso saber se ele deseja que eu faça algo, mesmo que não tenha a mínima vontade de ouvi-lo agora.
Nós dois seguimos para o bloco D.
Está de noite agora, por volta das 6h. Após recuperar minhas coisas que deixei no quarto de Sarah, fui atrás de notícias do corpo docente. O diretor solicitou minha presença em uma reunião que será realizada amanhã, entre os conselheiros e os outros professores. Além disso, apenas me mandou ficar no quarto e não sair. Não sei o que esperar dessa reunião, estou nervoso em pensar, sendo honesto. O ar sobre os dormitórios está pesado, está tudo muito silencioso, como se todos estivessem com medo pelo que aconteceu. Esta aura de tensão não se dissipa nem um pouco enquanto o tempo passa, muito pelo contrário. É como se o país inteiro estivesse em guerra e todos estão esperando uma bomba nuclear.
Sentado em minha cama, volto minha atenção à porta do quarto, que se abre, revelando Caio.
– Desculpem a demora! – diz ele, se aproximando e se sentando no chão, junto aos outros. Helena, Sarah e Enji estão aqui também. Todos vieram porque eu pedi.
– Estava na hora, já! – diz Helena em seu tom normal de falar.
– Bom, obrigado a todos por estarem aqui – digo, iniciando o que decidi fazer. – Pedi que viessem para compartilhar algo, pois confio em vocês o suficiente para tal ato.
– Por Deus, Hansel! Parece até que estamos numa reunião escolar! – diz Helena aborrecida. – Precisa mesmo falar de forma tão formal?!
– Ei, deixe ele terminar! – Sarah interrompe Helena. Suspiro, tentando encontrar coragem para continuar.
– Certo, sendo mais direto: vocês saber que posso dobrar a água – digo, fazendo a água dentro de uma garrafinha em cima da cômoda flutuar até mim, trazendo a garrafa junta a si.
– Sim, como todo ser da água comum – diz Caio.
– Aí é que está a questão! – diz Enji. Ele faz uma pequena chama aparecer em sua mão.
Eu estendo minha palma para a chama de Enji e a puxo para mim, que flutua lentamente em minha direção. Os outros observam sem entender. A pequena chama dança sobre minhas mãos, flutuando sob meu controle.
– Mas o quê...? – Sarah observa confusa, inclinando sua cabeça para o lado e cerrando os olhos.
– Belo truque, Enji, fazendo a chama ficar acesa nas mãos do Hansel... – Helena começa a rir.
– Não sou eu quem está fazendo isso... – diz Enji, mostrando suas próprias mãos.
Os três mudam suas expressões, deixando-as mais sérias, mostrando surpresa de verdade.
– Espera, espera, espera... Como?! – pergunta Caio, balançando sua cabeça.
– Eu queria poder saber responder... – digo, deixando a chama desaparecer. – E não para por aí. Também controlo a terra. E talvez o ar, no futuro.
– Então, está dizendo que você controla três elementos de uma vez?! – Sarah se levanta, empolgada. – Cara, isso é animal!
– Não exatamente... O motivo pelo qual estou mostrando a vocês é porque preciso de ajuda para aprender a dobrá-los de forma segura – digo.
– Cara, você sabe que somos estudantes também, não é?! – diz Caio.
– Sim, eu sei! Mas ainda teremos aulas práticas no futuro e o corpo docente da S.E. não sabe sobre mim! E não podem saber, não importa o que aconteça! – digo, suspirando. – Vocês são as únicas pessoas que podem me ajudar...
Nós todos ficamos em silêncio por alguns segundos, se entreolhando. Eu imagino que seja um tanto difícil digerir tantas informações de uma vez. Não os culpo, nada do tipo já aconteceu antes; não que eu saiba.
– Bom, conta comigo. – Caio quebra o silêncio, me fazendo me sentir melhor.
– Estou dentro também! – Sarah diz logo em seguida.
Nós todos olhamos para Helena, que ainda está em silêncio, pensativa. Ela olha para nós desconfiada, quando percebe que estamos esperando por sua resposta.
– Bom, se for pelo nosso querido príncipe, eu aceito perder o posto de mais fabulosa do grupo. Porque, Hansel, três elementos?! Nunca vi algo do nível! – diz ela finalmente, deixando todos nós aliviados. Nós deixamos risadas escapar.
– Obrigado! Todos vocês! – digo, me sentindo um tanto privilegiado por tê-los agora.
– Não, nós que agradecemos a confiança! – diz Caio.
– Isso mesmo! Operação: Avatar Hansel, iniciada! – diz Sarah, dando uns pulos de animação.
– Avatar? – pergunta Enji confuso.
– O desenho! Você nunca assistiu? Quanta falta de cultura!
Todos eles começam a conversar sobre o desenho que Sarah mencionou, enquanto eu me encosto na parede ao lado da cama, pensando em toda a situação.
Eu sinto que uma pequena porcentagem deste problema está sendo solucionada, mas ainda há muito mais para desenrolar... Não sei onde procurar respostas, mas ainda preciso procurá-las. Me pergunto se os sonhos que tenho tido têm alguma mensagem especial ou se são apenas sonhos.
Suspiro, deixando meu interior se envolver em preocupação.
"Aquele da Destruição"... E se não for só uma lenda, mas uma história real? E se foi realmente como tudo começou? Se for o caso, talvez meus sonhos estejam tentando me alertar sobre algo que está prestes a vir? E se esse for realmente o caso, talvez eu seja uma "criação divina" da natureza para erradicar a grande ameaça iminente?
Balanço minha cabeça, afastando os pensamentos. Acabo pousando meu olhar em Enji, que está conversando com os outros. Seus olhos encontram os meus; ele deixa um sorriso leve aparecer em seu rosto, antes de voltar a se dirigir aos outros. Se não fosse por ele, talvez não teria encontrado este grupo. Serviu de ponte, de certa forma. Sou grato por tê-lo.
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– As coisas estão seguindo exatamente como o planejado.
– Você tem certeza de que eles irão ceder à pressão?
– Eles não têm escolha, sabem em que barco estão, sabem dos riscos. É apenas questão de tempo até caiam exatamente nas minhas mãos.
– E o que acontece quando todos estiverem no lugar certo, na hora certa?
– Nós iremos ao objetivo principal: o garoto!
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