5
Relembrar as vergonhas do passado nunca era útil, apesar de precisar confessar que tive um ou outro pesadelo com o braço que implantei em Cirdan.
— Você não resolveu nada. Você só nocauteou ele, cortou o braço fora e pediu pra Wanin remendar.
— Isso ainda é resolver.
Preferi olhar para o outro lado em vez de encarar o anão.
— Não sejam assim. Nos cinco anos que conheço a Rosinha, esse foi o melhor presente que ela me deu.
Acho que nunca tinha dado nenhum presente para ele, mas não era algo que valia o comentário.
— Realmente, nós quatro acabamos nos juntando a vocês porque a Isa disse que ia para as Ilhas Griffin e, como também íamos, era melhor ter mais do que menos gente. Só que vocês três já estavam juntos, e os dois nunca disseram para onde iam ou como se conheceram.
— A Isa Rosa salvou nós dois. Eu estava queimando no sol porque não me alimentava há tanto tempo que não consegui sair do lugar quando amanheceu. Me capturaram, torturaram e me fizeram passar fome para que eu morresse queimado pelo sol. Ela me viu e jogou um feitiço de escuridão sobre mim. Quando saiu, me senti mais agradecido do que poderia imaginar, mas ainda estava tão mal que pensei que morreria mesmo com sua ajuda.
— Ele é muito dramático. Eu só saí para caçar um animal para ele. Até posso lançar um feitiço de escuridão, mas não iria servir de alimento para um desconhecido.
Desislav me olhou com tanta gratidão que quis fugir dali. Era muito sentimento exposto em uma pessoa que normalmente agia como uma pedra para me sentir confortável.
Além disso, o vampiro falava a pior parte da sua história de forma tão abrupta que deixava qualquer um em choque. Claro que eu sabia que isso era simplesmente uma forma de não receber mais perguntas, mas não acho que faria o mesmo.
— Então ela esperou que eu me recuperasse para levantar, e eu pedi para segui-la. Isa Rosa podia me deixar andar durante o dia. Perguntei o que poderia fazer em troca, já que era uma oportunidade única. Nunca tinha visto um Eterno fora de Cristália, porque, em outros locais, eles andam sozinhos ou em duplas.
— Assim como a Isa Rosa estava?
Eu e Desislav olhamos para Tico com exasperação. Isso não importava para a história.
— Claro que estava, senão eu teria dito.
Bem, parece que a exasperação dele não era a mesma que a minha. Pelo jeito que ele falou, não tinha ficado claro se eu estava sozinha ou não.
— Não dava para saber do jeito que você falou.
— Continuando, ela disse que eu não tinha nada para oferecer que a interessasse, mas que eu podia ir junto, se não me importasse de seguir a direção que ela quisesse. Isso foi há oito anos.
— Ou seja, você foi salvo por ela, não tinha nada para oferecer e ainda pediu para que ela o ajudasse todos os dias de graça? Impressionante. Você não demonstra essa imagem.
O vampiro pareceu encabulado, mas todos, menos Cirdan, concordaram com Teco.
— Não é diferente do que Cirdan fez.
— Cirdan é cara de pau o suficiente para isso. Ninguém se espanta que tenha sido algo assim.
— Comigo foi diferente, bem diferente.
Não tinha sido.
— Você estava afundando em um poço mágico enquanto agarrava um baú obviamente enfeitiçado e a provável fonte da magia que ia te matar. Mas, mesmo assim, você não soltou e ficou se debatendo, como se fosse resolver a situação. Ouvi o barulho e achei você. Desfiz a magia, te puxei para fora e você começou a me seguir, nem pediu permissão.
— Eu ofereci um pagamento pela ajuda.
— O baú era roubado. Eu não ia querer aquele dinheiro.
— O dinheiro veio do meu esforço, do meu trabalho suado. Acho que você poderia pelo menos não ter parecido tão enojada.
— Era roubo! Claro que eu parecia enojada. É porque eu estava mesmo com nojo de você. Você estava sujo de lodo até o pescoço e, em vez de só me agradecer, quis comprar minha ajuda quando viu que eu era uma maga.
— Pelo menos eu te ofereci alguma coisa concreta. O sangue-suga ali não fez isso. Por isso não vejo como eu seria pior. Se tivesse te incomodado tanto assim, você não só teria me impedido de te seguir como não teria parado a tentativa de assassinato do Desi.
— Você estava importunando a minha salvadora.
— Ela não se importava. Assim que eu tomei banho, ela começou a agir como se eu simplesmente não existisse. Do mesmo jeito que ela fazia com você logo depois do feitiço matinal. A Rosinha só aceitou a gente como um curso natural da vida.
— Por que você fez isso, Isa? — Wanin perguntou.
— Porque sim.
— Ela deve ter caído pelos meus charmes.
— Ela me aceitou também.
— A Isa Rosa deve ter tido pena dos dois patéticos que vocês são.
— Você tem inveja que nossa relação com a Rosinha é muito mais íntima e antiga que a sua. Eu a conheço há sete anos, e você há cinco. Além disso, os quatro entraram para o nosso grupo por conveniência e, diferente das garotas, você e seu irmão não têm nada em comum com ela. Principalmente você, que vai viver até os oitenta.
Eu realmente não entendia o Cirdan. Ele, Arod e Marina eram humanos. Qual seria a diferença entre eles para mim? Um era insuportável e o outro menos insuportável, mas extremamente burro. Era mais fácil lidar com o irmão, que era apenas idiota.
Ninguém me perguntou mais nada. Apenas especularam entre si. Sabiam que eu não falaria mais nada. Não contaria mesmo. Jamais admitiria que estava sozinha e deprimida.
Não sabia onde o resto da minha família estava, depois de a maioria ter morrido. Depois de procurar por toda Cristália, percebi que poderiam estar em qualquer lugar do mundo. Por isso precisava ir até uma pessoa que conseguisse achá-los.
Só que andar sozinha por dois anos, sem ter ninguém da minha espécie ou de qualquer outra para conviver, me deixou em depressão. Salvei os dois por pena, mas fiquei aliviada por me acompanharem. Poderia ter me livrado deles a qualquer momento, mas não quis.
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