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A sensação de caminhar sem rumo não me afetava, mas parecia incomodar Tico. Anões gostam de estabilidade. Seres teimosos e mais imutáveis que os Eternos, uma grande façanha para um mortal.
— Desi, não acha que é muita ironia um necromante se tornar vampiro?
— Já te falei para não me chamar assim.
— Awn, assim você machuca meu coração. Pensei que fôssemos amigos.
Apesar da implicância de Cirdan, dessa vez eu concordava com ele. Era de um certo cinismo do destino alguém que invocava mortos ter se tornado um morto-vivo.
— Mas me diz aí, você consegue se invocar? Ou, no caso, se desinvocar? Essa palavra existe? Porque seria muito útil poder desaparecer para sei lá onde vão seus mortos quando você manda, se for atacado.
Ele não teve resposta. Na verdade, Cirdan falava sozinho na maior parte do tempo. Já havia me acostumado a isso; tinha se tornado um ruído de fundo.
— Eu acho que a Wanin está muito mal. Ela ainda está pálida, e já se passaram muitas horas. Já até almoçamos. Desi, dessa vez você exagerou.
Marina parecia não ter nenhum tato, já que Wanin ficou completamente vermelha e os outros homens riram. Revirei os olhos para tudo isso. A infantilidade masculina, pelo visto, estava presente em todas as raças, já que os dois humanos e o anão se comportavam como adolescentes.
— Isa, por que você não a cura?
— Ainda está bêbada, Marina?
— Acho que ela acredita que um terceiro braço seria útil.
— Olha, isso só aconteceu uma vez, Arod. Além disso, eu consegui consertar.
— Depois de quatro dias com Cirdan carregando um braço na parte de trás da cabeça.
— Não seja tão duro com ela. Pelo menos eu tive um caçador de costas vivo. Aliás, ainda tenho o braço guardado na mochila.
Dessa vez todos olharam quase horrorizados para nós dois.
— Mas faz meses que ela te tratou do ataque do troll.
— Eu pedi para Rosinha colocar um feitiço de conservação nele.
— E você se rebaixou a isso?
Meu rosto deveria estar roxo nesse momento. Olhei com raiva para o traidor que tinha dedurado toda essa situação desconfortável.
— Bem, como ele ficou assim por minha causa, achei que esse pedido seria uma boa compensação.
Me recusei a olhar para eles depois disso e observei as folhas caídas no chão da floresta. Já estavam marrons. O inverno batia à porta.
Era verão quando o fatídico ataque do troll aconteceu. Foi tudo culpa da idiotice de Teco, o bruto sem cérebro.
O sol queimava nossa pele no alto da montanha em que passávamos no momento. O grupo não aguentava mais o calor; até eu me sentia um pouco desconfortável. A situação era tão séria que nem Cirdan falava.
— Isa, você não pode convocar uma magia de vento?
— Como vocês, humanos, sobrevivem sendo tão frágeis? — falei enquanto convocava o vento.
— Wanin é uma sereia e está muito pior do que eu.
— O motivo disso está na sua própria frase.
Com a concentração dividida entre controlar a magia e conversar com Marina, não percebi os irmãos saindo com suas armas.
Um rugido me assustou, e alguns minutos depois ouvimos o barulho da luta. Os outros correram até a dupla, enquanto eu pegava Wanin no colo, tentando ajeitar a garota, muito maior que eu, em meus braços.
— Cuidado, mais estão chegando.
Um grupo de trolls cercou os três que correram atrás dos irmãos, todos com enormes troncos de árvores como bastões.
Desislav convocou cinco esqueletos de diferentes raças para contra-atacar. As invocações mal conseguiam se defender de dois trolls. Eles pareceram achar que deveriam matar o trio antes de ajudar os dois que lutavam contra Tico e Teco.
Wanin choramingou em meus braços. Quando a olhei, sua pele estava ressecada e descamando.
— Droga.
Lancei uma magia de água e fomos enxarcadas com um jorro que surgiu acima de nossas cabeças. Quando estava estressada, não conseguia convocar os feitiços delicados direito.
Não consegui me teletransportar para lá porque precisava segurar a mulher desajeitadamente e lançar consecutivos jatos d’água sobre nós. Então corri até eles.
Em poucos minutos, a cena já era catastrófica. Metade do grupo de trolls estava morta, porém os esqueletos não conseguiam mais ser invocados, e Desislav tentava manter a mordida no pescoço de um dos oponentes para recuperar a energia gasta.
Cirdan estava caído no chão com uma grande ferida no torso, e os irmãos quase não se mantinham em pé.
Quando ia obliterar os quinze trolls restantes, senti um cheiro estranho. Percebi que era leite materno, além do odor de crianças. Era época dos nascimentos de sua espécie.
Esqueci Wanin por um tempo e lancei uma série de magias apressadamente. Paralisei todos ao meu redor e corri para os outros, arrastando a sereia, que deixei cair durante a concentração para o encanto.
Quando coloquei os seis ao meu redor, me teletransportei para uma distância segura, sem fazer nenhuma ideia de onde estávamos.
Estava exausta. O calor e a sequência de feitiços realizada em pouco tempo me consumiram completamente. Desmaiei.
Não muito tempo depois, acordei e vi Marina tratando da ferida de Cirdan. Wanin também tinha ficado desacordada e ainda não havia recuperado a consciência.
Desislav sugava um coelho, apenas mais um dos pequenos animais em uma pilha ao seu lado. Então procurei com os olhos os irmãos, que de algum modo haviam causado tudo isso.
— A ferida não para de sangrar. Se não se recuperar rápido, pode morrer. Você podia curar a Wanin para ela tratá-lo.
Balancei a cabeça negativamente.
— Mesmo que eu a cure, um tratamento rápido não resolveria sua perda de energia. Ela não vai conseguir tratar ninguém por alguns dias.
— Então precisa ser você. Sei que não gosta de fazer magia de cura, mas não vai ser tão ruim assim.
Ela falava isso porque não sabia do meu passado. Relembrei dos ratos azuis e dos sapos alados e me encolhi. Mas Marina estava certa, ele podia morrer a qualquer momento.
Tomei coragem e estendi a mão sobre ele. Vendo a ferida, imaginei uma luz verde e seu ferimento sendo costurado.
— Que a terra de sua carne segure e a água de seu sangue trance sua chaga — recitei as palavras necessárias apenas para iniciantes, para me concentrar.
Por um segundo de distração, percebi duas outras feridas além do corte em seu peito: uma em seu braço e outra no topo da cabeça. Com a imagem das duas partes vindo à minha mente, um raio apareceu em seu crânio e vi crescer um braço parte por parte até a mão, exatamente igual ao verdadeiro, grudado em seu ombro.
Bônus:
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