19
Cody sorria para mim novamente, com uma expressão brincalhona no rosto.
- Você é muito diferente do que eu imaginava. Sabe, eu não te vi apenas uma vez. Fui para Cristália umas cinco vezes depois da primeira, todas para procurar você.
Arregalei os olhos ao ouvir aquilo.
- Fiquei fascinado com sua música. Foi a melodia mais linda que já ouvi. Senti como se pudesse ouvir as deusas cantando através da sua voz.
Sua bajulação me deixava extremamente desconfortável, mas seu olhar demonstrava sinceridade. Eu estava um pouco assustada.
- Além disso, vi seu voo uma vez. Você e os outros com as fitas coloridas pelo céu foram encantadores. Seu cabelo rosa parecia outra fita presa a você. Posso dizer que sou um grande fã.
Ouvir isso me acalmou; ele não era um stalker, era um fã. Não me sentia talentosa o suficiente para ter fãs. Não, não era questão de talento - sabia que era boa até mesmo entre os eternos. Só não me via com fama o suficiente para ter seguidores, principalmente de outros países.
Se bem que talvez eu realmente tivesse fãs. Sempre fui chamada para tocar nas festas ou em qualquer ocasião possível. A percepção tardia me deixou um pouco chocada enquanto revivia cenas antigas.
Minha primeira namorada me conheceu pela música. Ellivel e eu nos vimos pela primeira vez na escola de magia. Lembro que ainda estava me acostumando ao fato de ter sido forçada a estudar lá em vez do conservatório de música, contando os meses para o verão, quando iria para lá fazer o curso de férias.
Fazia apenas um mês naquela escola e não tive problemas com ninguém. Minhas duas colegas de quarto eram divertidas, as pessoas com quem tive contato, tranquilas e, como era o início, as disciplinas eram bem fáceis.
Meu único problema, além da insatisfação pessoal, era minha grade. Como eu tinha afinidade para vários tipos de magia, meu pai me matriculou no máximo possível de disciplinas. Eu tinha dez horas de aula por dia, fora o tempo que precisava estudar. Tínhamos os sábados de tempo livre e podíamos voltar para casa aos domingos.
Quando anunciaram as atividades extracurriculares, pensei em não participar de nada, já que não tinha tempo. O máximo que conseguia fazer era tocar um pouco e jogar alguma coisa aleatória com as meninas do meu quarto. Só que descobri que havia uma banda.
No dia das audições, os testes seriam no mesmo espaço do pessoal de teatro. Eles não tinham teste; qualquer um podia participar. Sendo justa, qualquer aluno poderia se inscrever em uma aula de música e, quando melhorasse, participar da banda. Infelizmente, minha grade não permitia isso. Participar da banda era minha única opção.
Eu tinha apenas setenta e nove anos no meu primeiro ano em Klaugiara, então não tocava nem metade dos instrumentos que sei atualmente. Lembro da preocupação se saberia tocar algum dos que compunham o grupo. Mais tarde, aprendi todos os que podiam ser tocados ali.
Fiquei muito mais calma ao descobrir que a lira de percussão e a flauta eram opções. Apesar de saber tocar as duas, escolhi fazer o teste para a segunda.
Estava no meio da fila, o que me deixou extremamente ansiosa enquanto esperava minha vez. Não consegui prestar atenção nas outras apresentações, apenas comia um saquinho de nozes que havia levado para acalmar meus nervos.
Pediram que eu tocasse uma peça e avaliariam pelo desempenho e pela dificuldade da música. Pensei que, já que estava ali por culpa do meu pai, talvez trouxesse sorte tocar a preferida dele. A ampulheta foi virada e dei minha alma por um minuto, esquecendo quantas bocas já tinham passado por ali.
Pensei que estava tocando há muito tempo e, quando olhei para os avaliadores, a ampulheta já estava vazia. Então, parei de tocar. Uma garota começou a bater palmas. Ela estava em pé, e pude ver sua pele branca e cabelo curto e ondulado. Várias pessoas a seguiram, incluindo os jurados.
Assim que saí do palco, me senti desnorteada porque as outras apresentações não foram aplaudidas. Em seguida, fiquei feliz; isso era um sinal de que havia sido aprovada.
Pouco depois de descer do palco, a tal garota veio até mim.
- Olá, me chamo Ellivel. É um prazer conhecer você.
Procurei suas orelhas e, quando ela notou, sorriu um pouco desajeitada.
- Eu sou uma eterna, mas minha forma original é humana e, como até agora não desenvolvi magia de transmutação, fiquei assim.
Fiquei com vergonha da minha obviedade, então acabei soltando:
- Ah, mas você é uma humana muito bonita.
Queria bater na minha testa. Nós duas acabamos corando. Droga, ela ia pensar que estou dando em cima dela.
Claro, aqui está a continuação do texto revisado:
- Obrigada, você também é uma elfa ou eterna muito bonita.
- Eterna também. Obrigada.
- Eu quis falar com você porque nunca ouvi nada tão bonito nos meus noventa e cinco anos. É que eu comecei um pouco mais tarde; minha magia demorou a se desenvolver.
- Ah, mas você ainda é muito nova. Não tem nem cem anos.
Comecei a sair do teatro e ela me acompanhou.
- E você, tem quantos anos?
- Setenta e nove. Faço oitenta mês que vem. Quase igual a você.
- Começou até um pouco mais nova que o normal.
Revirei os olhos.
- Ideia do meu pai. Ele queria que eu aprendesse a me defender cedo.
- Então por que não a academia militar?
- Não sou tão boa nessa área.
- E o que você queria?
- O conservatório de música.
Ela sorriu.
- Realmente, seria o ideal. Uma pena.
- Minha mãe conseguiu convencê-lo a me deixar participar do curso de verão, então pelo menos terei isso.
- Nossa, soube que é até mais difícil o teste para o curso de verão. Eles não querem gastar os meses que os professores poderiam descansar com alunos desqualificados. Se bem que, pelo que ouvi aqui, você realmente conseguiria.
- Obrigada - respondi, passando a mão no pescoço.
Essa conversa parecia ter o intuito de me embaraçar.
- Mas o que achei engraçado foi você ter escolhido participar da banda. Ela é principalmente focada em instrumentos como prato, tarol, surdo e lira de percussão. São poucos os flautistas e nenhum perto do seu nível. Para eles, a banda é a segunda opção. Sempre tentam a orquestra primeiro.
- Existe uma orquestra? - perguntei horrorizada.
- Ah, entendi por que escolheu a banda. - Seu olhar demonstrava um pouco de piedade.
Havia perdido a oportunidade de tocar harpa, meu instrumento preferido, e que não havia levado por causa do tamanho.
- Sinto muito. O teste foi semana passada, para dar tempo de sair o resultado e os flautistas terem uma segunda chance. O próximo teste será apenas no próximo semestre.
Acho que meu rosto demonstrou profunda decepção, porque ela se apiedou de mim.
- Eu conheço o maestro. Talvez eu possa falar com ele e tentar uma chance.
- Não, não seria justo com os outros.
- Você tentaria com a flauta mesmo? Alguns instrumentos estão desfalcados, e se você passar será uma ajuda.
- Eu faria o teste para a harpa.
- Ótimo - ela disse, batendo as mãos uma vez. - Esse é o mais prejudicado. Só temos um harpista.
Fiquei animada, mas desanimei em seguida.
- Mas e se eu passar para a banda? Não quero ser prepotente. Posso não passar.
- Duvido. Eles precisariam ser idiotas. Mas, se você não quiser desapontar, pode participar dos dois. Vai ser um pouco puxado, mas os ensaios são em horários diferentes.
Aquilo me deixou muito feliz, principalmente pelo desfalque na harpa, o que facilitaria minha entrada.
Ellivel foi até o maestro imediatamente e ele aceitou fazer meu teste no dia seguinte. Apesar de seu olhar desaprovador antes da apresentação, ele acabou me deixando entrar.
Quando vi os horários, fiquei um pouco desesperada, mas me recusei a desistir. Tirei a última matéria de terça e quinta, ficando com nove, para poder ensaiar com os dois grupos. Quase fui esganada pelo meu pai no domingo seguinte, mas me mantive firme, argumentando que não havia manifestado magia de transmutação. Após quase três horas de discussão, ele cedeu.
Contei o ocorrido para Ellivel e ela riu. Confessei o quanto queria ter essa habilidade para mudar de altura, mas acabamos consolando uma à outra pela falta dessa magia.
Ela me chamou para lanchar um dia e seguimos saindo sempre que tínhamos tempo livre. Em duas semanas, demos nosso primeiro beijo. Nosso primeiro beijo e também o primeiro da minha vida, numa idade completamente normal para os eternos. Em pouco tempo começamos a namorar e estivemos juntas por quarenta anos.
Quando saí de minhas memórias, Cody me olhava, como se esperasse pacientemente que eu voltasse para o presente. Olhei para aquele cabelo preto ondulado, os olhos azuis, o rosto quase feminino, e nem consegui sentir vergonha pelo tempo que perdi em meu próprio mundinho. Apenas senti saudade e melancolia. Como será que ela está?
Levantei da minha cadeira e andei até ele. Estiquei minha mão e toquei seu rosto. Uma lágrima escorreu de meus olhos.
- Você parece tanto com ela...
Bônus:
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