1
Cutuquei a fogueira com uma vareta para atiçar as chamas, mais pelo tédio do que pela necessidade. O grupo ao meu redor tagarelava e bebia. Os dois guerreiros idiotas estavam apostando uma queda de braço em cima de um toco. Suspirei, olhando para tudo aquilo como se fosse uma peça, e não a realidade à minha frente.
— O que está fazendo nossa querida harpista suspirar, em vez de alegrar nossos amigos com sua música?
— Que eu me lembre, não estou recebendo, então toco quando tiver vontade.
— Ácida hoje, não? E cantar um pouco?
— Se não quiser que eu coloque sua cabeça de apoio para Tico e Teco apostarem a queda de braço, ficaria de boca fechada.
O humano ao meu lado fez um símbolo de trancar a fechadura sobre os lábios, e suspirei mais uma vez, dessa vez revirando os olhos. O que eu estava fazendo com essas pessoas?
— Sei que sou bonito, mas suspirar tanto assim já é demais, vai me deixar constrangido.
Empurrei o outro idiota bêbado, que se estabacou no chão como uma jaca madura. Nem precisei de força; só que a criança já estava bêbada. Bem, criança para mim. Creio que ele é adulto pelos padrões humanos.
Deitei no chão da floresta e olhei para as estrelas. Já foram mais bonitas, ou o mundo já foi mais simples. Pelo menos minha mãe jurava que sim.
Hoje tinha sido um dia comum, por isso o tornava ruim. Hoje era meu aniversário, só que não tinha ninguém para comemorar.
Lembrei do meu pai dançando comigo, meus irmãos tocando e minha mãe toda orgulhosa e chorando. Meu primeiro aniversário após a minha cerimônia de maturidade e não tinha nenhum deles ao meu redor.
Mordi minha boca para evitar qualquer lágrima e me arrumei no chão para dormir. Era melhor que o dia acabasse logo.
Marina balançou meu braço. Sabia que era ela mesmo, com seu cheiro misturado com a cerveja barata.
— Levanta, Isa, vamos fazer uma reunião.
— Vocês têm condições mentais para isso? — perguntei, confusa.
Ela simplesmente me puxou, e eu a segui até o círculo. O cenário ao meu redor me chocou. Bandeirinhas coloridas tinham sido penduradas em algumas árvores, e Wanin segurava um pequeno bolo. Armando, Tico, enfiou um espeto pegando fogo no meio da sobremesa. Eu não sabia se ria da vela ou chorava pela festinha que tinham feito para mim. Acabei fazendo os dois.
— Gente, eu não sabia que a Isa podia ser uma manteiga derretida assim.
— Cala a boca, seu bárbaro — respondi ao Teco.
— Não podíamos deixar passar seu primeiro aniversário depois de virar adulta, ainda mais que eles só vão acontecer de 10 em 10 anos agora. Feliz 210 anos, Isa Rosa.
— Discurso! Discurso!
— Eu não esperava que algum de vocês fosse lembrar. Comentei tão poucas vezes sobre a data nos últimos cinco anos que isso me deixou realmente surpresa. Estou um pouco envergonhada agora.
— Dá para ver, sua cara tá roxa — Armando, Tico, respondeu.
— Deixa ela falar — Marina, minha eterna defensora, retrucou.
— Continuando... Todos aqui sabem que, depois de 200 anos, os Eternos só comemoram aniversários de 10 em 10 anos, então acaba sendo muito especial, principalmente por não ter minha família comigo. Acho que vocês vão servir como substitutos. Realmente quero agradecer o gesto. É muito importante para mim. Não tenho como expressar o que estou sentindo, só obrigada por tudo até agora. Agora vamos comer o bolo.
— Faz o pedido que a vela já apagou duas vezes. — O bolo agora estava na mão do Teco, que, pelo visto, já tinha trocado o palito algumas vezes.
— Abaixa esse bolo, tá muito alto.
— Nossa, tem a eternidade para continuar baixinha.
— Abaixa logo, o palito vai apagar de novo.
— É uma vela.
— Tanto faz, deixa só eu assoprar.
Quando Arod abaixou os braços, fechei os olhos apertados. Que minha mãe e meus irmãos estejam bem, por favor, Deusa. Assoprei o palito, olhei para as outras seis pessoas e sorri.
— Alguém pega os pratos e a faca. Eu vou abrir o vinho.
— Até compramos vinho para a nossa princesa.
— Qualquer nobre para você é princesa, Cirdan.
— Dando para roubar, tanto faz.
— Vou te empurrar de novo.
— Quanta violência.
— Se reclamar, atiro uma bola de fogo.
Peguei a garrafa de vinho. Já que era presente, era só minha. Wanin cortou o bolo, que tinha uma cara de velho. Deviam ter comprado na última cidade, mais de uma semana atrás.
Por mim não tinha problema. Não vai acontecer nada comigo, e se tudo der errado, Wanin daria um jeito, contanto que ela mesma não adoeça. Não que eu não saiba fazer magia de cura, só sou bem ruim. Tomei o primeiro gole e vi Tico e Teco brigando. Irmãos sempre são assim. Quando Armando pegou o machado, quase maior que ele, Marina precisou intervir.
Ao virar para a direita, Wanin entrou com Desislav em uma barraca. Não sei se era para ele se alimentar ou para outra coisa. Nunca dava para saber com aqueles dois, mas como funcionava, ninguém se metia.
— Aí, Rosinha, aposta em sexo ou bebida? — Cirdan ecoou meus pensamentos.
— Não é da nossa conta, mas também pode ser os dois. Só que não sou idiota o suficiente para apostar com um ladrão. — Parei e deitei a cabeça para um lado. — Eles já começaram.
— Nossa, deve ser uma merda ouvir tão bem.
— Seria bom para a sua profissão, mas o que mais incomoda é o olfato, principalmente nessas cidades humanas.
— Faz sentido.
Cirdan me puxou para seu colo e começou a passar os dedos no meu cabelo.
— Deve ser difícil aceitar a morte do seu pai. Nós, das outras raças, estamos acostumados com a ideia de que eles vão morrer antes. Não que não haja sofrimento, óbvio. Só que vocês esperam passar a eternidade com a família em conjunto.
— Até a minha geração, sim. Mas Eternos com até 150 anos esperam a morte. A guerra mudou todos nós. Não me olhe com essa cara de pena. Nenhum dos humanos vai chegar a 150.
— Ainda assim, é complicado aceitar algo não natural.
Dei de ombros. Era difícil, mas não podíamos fazer nada.
Bônus:
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