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Helô Em Versos
Nasci Heloisa Martins. Comecei a trabalhar na rádio quando eu tinha 19 anos, no terceiro semestre do curso de Comunicação. Fazia pequenos trabalhos lá dentro, adorava aquele mundo e sonhava com o dia em que teria um programa só meu.
Alcides, o dono da rádio e apresentador de uma das melhores atrações da emissora, me deixou participar de seu programa. "A pitada feminina", foi como ele chamou o pequeno quadro que eu apresentava uma vez por semana. Eu sabia que ele estava me dando uma chance e eu agarro as chances que surgem em minha vida com unhas e dentes.
Nervosa ao extremo, eu falei sobre bolsa de mulher. Alcides adorou, pois sabia que dentro de uma bolsa feminina poderia sair até um astronauta, se ela quisesse. E assim fui ganhando o meu espaço e perdendo a timidez e o nervosismo.
Há dois anos ganhei o meu próprio programa. Conheci muita gente, fizeram até festa de estreia. Senti-me ótima, enchi a playlist do programa de Richie Kotzen — Ah, como eu amo esse homem e seu som maravilhoso!
A primeira música que toquei no meu programa foi You Can't Save Me, dele. Eu ri, pois é cheia de foda-se. Eu não estava revoltada, só feliz demais, e quando estou feliz, quero xingar todo mundo, até a minha mãe. Richie, casa comigo?
Sou uma roqueira irremediável! Além de feliz, fazendo o que amava, me senti completa, pois antes disso eu era só uma estudante que sonhava se destacar em meio a esse mundo de pessoas iguais e tão diferentes.
Sofro preconceito desde sempre. Acho que só não sofri quando era criança, mas ao ver todos os meus amigos crescendo e eu não, pensei que fosse uma aberração. A doutora Dulce, psicóloga da escola, uma mulher no auge dos seus 60 anos, de pele escura e olhar simpático, passou a me acompanhar e uma vez por semana conversava comigo; aquele apoio dela me ajudou muito. Barbaridade! Senti-me horrível quando fiz 18 anos, fui tentar tirar carteira de motorista e não consegui encontrar uma autoescola com carros adaptados.
Nasci com problemas de crescimento: tenho nanismo pituitário, causado por uma deficiência hormonal, e só cresci até 1,35m de altura. Em resumo, eu pareço a miniatura de uma mulher adulta de 26 anos. Eu não me conformava com isso, mas depois vi que não adiantava nada. Tentei viver normalmente. Já bastava o preconceito das pessoas, eu não precisava enfrentar o meu próprio.
E assim eu comecei a viver. Estudei, consegui tirar a carteira de habilitação que eu tanto queria, me formei e fiz tudo o que tinha direito, afinal, eu sou uma mulher. Uma mulher pequena, mas uma mulher.
Eu tenho uma personalidade muito forte. Se tu falar que não pode fazer algo, vou insistir para saber o motivo ou então diga um "não" aberto e sincero. Não crie rodeios quando quiser me dizer alguma coisa.
O meu pai me disse que eu não precisava estudar ou trabalhar, pois me sustentaria, já que nasci "especial". Que eu sou especial, eu já sei, mas pessoas especiais são quem fazem a diferença neste mundo, e eu quero fazer a diferença. Além disso, sei que tudo o que ele queria era que eu não sofresse com o preconceito e as hostilidades que pessoas com algum tipo de deficiência sofrem.
Como se não bastasse o meu nanismo, eu nunca me relacionei com homens. Depois que a Dra. Dulce me perguntou sobre sexualidade, logo que entrei na adolescência, eu passei a me questionar sobre o assunto. Mas só tentei ficar com um guri, para saber se era disso que gostava, quando entrei na faculdade. Porém só o beijei. Encantei-me mesmo pela irmã dele, Larissa, que se tornou minha amiga depois, na mesma época, e ficou lá.
Larissa foi uma falsa comigo. Ela era encantadinha por um guri que estudava com a gente, Gustavo, mas andou sabendo que ele havia perguntado de mim. Depois disso fui procurar saber dele. Ele queria fazer Cinema, tinha um cabelo desgrenhado, barba bem cuidada, pele branca, denunciando que não gostava de sol, e lábios tão vermelhos que cheguei a pensar que usasse batom, mas era saúde mesmo. Trocamos olhares. Ele não me olhava com olhar de repulsa ou de pena, como a maioria.
Larissa me incentivou a falar com ele. Fiquei triste com isso. Quem ela pensava que era para ficar me empurrando o guri daquela forma? Eu sabia que ela gostava dele, e ela sabia que eu gostava dela, então só de birra fui falar com ele.
Ele foi um doce comigo. Conversamos, trocamos mensagens. Apesar de não querer ficar com ele, gostava de seu jeito doce, então continuei com a amizade. Até que um dia ele parou de falar comigo. Eu não fui atrás. Quando decidi não dar importância ao que falavam sobre mim e minha aparência, veio a mim um conjunto de sentimentos, dentre eles o orgulho.
O orgulho me fez não ir atrás de Gustavo depois de ele não responder minhas mensagens. Eu liguei apenas uma vez, porque a Dra. Dulce pediu — eu mantive nosso contato depois que acabou o período escolar, pois confiava nela. —, e a chamada foi recusada. Fiquei muito triste: triste pelo que podíamos ter tido e triste por ele nem ter dado uma explicação para tamanha grosseria. Iludida eu não estava, pois ele só me interessava como amigo.
Passada essa fase, eu vi Larissa se afastando de mim. Questionei normalmente, até em tom de brincadeira, mas tive o mesmo resultado que recebi de Gustavo. Desconfiei que os dois estivessem juntos e estava certa, só não esperava que ela fosse capaz de fazer o que fez.
Isso eu soube depois, pelo próprio Gustavo, quando ele veio me perguntar se eu já tinha reatado com minha ex. Eu fiquei olhando para a sua cara igual a uma idiota. Ele perguntou por que não continuei com nossa amizade, e mostrei as mensagens enviadas — tenho mania de não deletar nada, às vezes por preguiça, confesso, mas eu ainda estava com a nossa conversa lá. — e vi o rosto do guri se transformar.
— Eu nunca recebi isso, Helô.
— Como não, Gustavo? Eu liguei algumas vezes pra ti, tu recusou as minhas chamadas. Fiquei muito triste, mas procurei te entender.
— Me entender, Heloisa? Como assim? Tínhamos uma boa relação, e por causa disso aqui tu deixou acabar?
— Gustavo, não se faça de vítima, por favor. Tu viu as mensagens, já disse que liguei. Tu não queria que eu fosse atrás de ti, né? Tu estava namorando a minha amiga.
— Ela me disse que tu tava voltando com tua ex-namorada. Ela disse que tu a mandou se afastar, pois tua ex tinha ciúme dela — falou, visivelmente chateado.
Por um momento me senti culpada. Fiquei chateada, mas já tinha superado e para mim tanto fazia se ele continuasse meu amigo ou não. O fato é que só sentia um desprezo enorme pela Larissa. Senti-me uma boba por ter confiado tanto nela a ponto de falar coisas que não se falava nem para si mesma, mas já havia passado. Não queria mais proximidade com ela e pensei se queria com ele também. Acabou que, depois de um tempo, ele foi embora para os Estados Unidos e desde então nunca mais nos falamos.
A Dra. Dulce se aposentou e se mudou para o interior, me deixando desolada com algumas indicações de colegas profissionais dela. Senti muito aquela perda. Ela me acompanhou crescer, então era como se fosse da minha família. Passei um tempo falando com ela por telefone e depois parei para que ela pudesse descansar e curtir seus netos.
Eu não me achava uma pessoa que buscava afeto, mas o Alcides dizia que eu era extremamente carente, o tipo de carência que se confundia com segurança em excesso. Ele era formado em Psicologia, e eu não tinha argumentos contra um profissional.
— Se abre mais para a vida, Helô. Vamos mudar o teu nome. Helô Martins é comum demais para a tua grandeza — disse, entusiasmado, e sugeriu: — Helô Marinho. Já consigo ouvir uma vinheta com esse nome — completou, sorrindo, e passou as duas mãos no ar como se visse o meu nome escrito em um painel luminoso ali, na frente dele. Eu sorri daquela empolgação. — Tu tem uma voz linda, Helô. Tu é linda, precisa se abrir pra vida. A vida é curta demais para nos prendermos a coisas pequenas e que não aceleram o nosso coração. Quantas namoradas tu já teve?
— Uma. Oito meses atrás — respondi, indiferente. Aquilo nunca foi problema para mim. Mas quanto à carência, Alcides tinha razão: eu sentia falta de alguém.
Eu tinha uma pinscher, Maria Amélia, de três anos, que morava comigo. Mas eu sentia falta, não só de namorar, mas de ter alguém com quem pudesse conversar. Eu queria poder confiar de novo.
Larissa me fechou um pouco para amizades. Eu saía com colegas da rádio para barzinhos e sempre voltava para casa sozinha. Aquele grupo da empresa era fechado para a empresa. Eu não conhecia a vida dos meus colegas, apenas de um ou outro mais chegado, como a Abigail e o Alcides, mas não sabia direito onde ele morava ou com quem estava se relacionando. A Abigail era mais aberta, mas eu não me abria completamente com ela. Confesso que nunca me interessei em saber nada da vida deles, pois se não me apegasse, não haveria a decepção da perda depois.
Adriana, a namorada que tive, me traiu com uma aspirante a modelo de uma agência onde ela prestava serviços. Ela é fotógrafa. — Tu deve imaginar como eu fiquei. Desde então não fiquei com ninguém.
Isso não era problema para mim. Não sou uma pessoa fria, que isso fique bem claro, só finjo que sou excessivamente segura.
Eu sabia que o Alcides tinha razão em falar da minha carência, mas não acredito que eu estivesse precisando necessariamente de sexo.
Quando a primeira chamada de Carina surgiu no meu programa, notei que ela era diferente dos outros ouvintes. Todos tinham direção das suas mensagens: por mais bobas que fossem, tinha sempre aquela pessoa.
Eu não tinha uma pessoa e queria uma, e ela parecia estar na mesma situação. Conversei com Carina como falava com todos os ouvintes antes de levá-los ao ar — e fazer tudo o que tu já sabe — e pude notar suas reticências.
Conversei de forma mais íntima com ela, para que se sentisse à vontade para falar comigo. Ela foi tão maravilhosa, tão atenciosa, prestativa que, por um momento, pensei em infringir as regras da rádio e falar com ela no pessoal. Alcides não gostava, dizia que era falta de ética, e por isso proibiu.
Mas depois de alguns meses falando com ela quase todos os dias, ela enviou para o programa a mensagem mais bela que eu já li. Não tinha nada de tão estonteante nela, mas me tocou profundamente. E no auge da minha loucura, cheguei a pensar que fora dedicada a mim.
Então tomei coragem e a chamei pelo meu número pessoal. Ela foi uma linda. Fiquei muito feliz com aquilo, com aquela atenção.
— Alcides tem razão, eu sinto falta de alguém — falei, olhando para o celular, com o aplicativo aberto na janela dela.
Até que tomei coragem, lembrando do meu orgulho, e a chamei para sair. Eu precisava de uma amiga, e Carina parecia perfeita.
Será que eu estava mesmo procurando uma amiga ou era o meu orgulho falando comigo como se mandasse em mim?
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