Parte 8
Daisy não tinha um plano para a fuga. Só tinha em mente que ela fosse breve, rumo a casa dos pais de Madeleine, a qual já foi comentada por ela com a garota.
Esse curto objetivo impulsionava seu ímpeto em sair escondida, fazendo-a esquecer-se de coisas que não esqueceria normalmente. A preocupação que os pais teriam vinha levemente na cabeça, mas não ganhava força por conta do "bem maior" que o tal ímpeto impunha nela.
E o mal menor relacionado aos progenitores não era o único ponto negativo que ela não enxergava com clareza. Existiam ainda pequenos detalhes que aquela rebeldia crescente em si não via, que só podia ser vislumbrada pelos adultos responsáveis, mesmo que não fosse feito um bom uso do dom que os crescidos tinham.
Como ela faria para chegar no bairro de Madeleine, ao oeste, na periferia da cidade? Não sabia. O que faria se não tivesse ninguém na casa da moça? Não sabia. Como agiria se algum perigo a cercasse na rua? Não sabia. Em que se apoiaria se um medo novo aparecesse? Algo ao qual ela já estava sujeita, mas que se revelaria somente no desconforto do desconhecido? Não sabia.
Eram dúvidas específicas, mas que não passavam por completo na mente. Pensava na região que a mulher descreveu como "abandonada", por mais que não soubesse exatamente o que significava isso naquele contexto, com a outra somente despejando superficialidades sobre o termo. Superficial também era a ideia de Daisy de como chegar lá, resumida em "sair perguntando por aí".
E assim saiu de casa, às 22h00, quando todos já estavam dormindo, pela garagem, onde raramente estavam os carros dos pais. Com um sobretudo bege de lã fina e um gorro azul claro que cobria as orelhas e parte do pescoço, tentava esconder-se do repentino frio, assim como aquecia e tornava ansiosa a mente que há pouco sequer cogitaria a ideia de incentivá-la a ter tal sentimento.
*
Deveria ir para o oeste, e a única pista que tinha a partir daí era o nome do logradouro. Badlow Street ficava cerca de dez quilômetros da rua organizada e acompanhada de flores ao redor, onde Daisy se acostumou a olhar e a raramente tocar com os pés. E quando estes terminaram de pisar na calçada limpa e bem decorada, atravessou os ladrilhos que eram incomodados por poucos carros naquela noite.
Já a uma distância considerável da casa, olhou para trás, buscando se situar. Viu como era alto onde morava, e reparou com mais atenção em como o jardim de lírios e rosas amarelas, por todo o muro extenso, combinavam com a fachada bem iluminada e clara, como era a casa toda também por dentro. Percebeu o quão contrastante era tudo nela com relação às casas vizinhas, que variavam de largura, vertical e horizontalmente, mas não se comparavam à ela, e talvez chegassem somente ao tamanho das janelas frontais.
"Como será o contraste em minha mente quando eu chegar na vizinhança de Madeleine? Pelo pouco que ela me disse sobre, mesmo essas casas menores são artigo de luxo por lá. Já li muito sobre o capitalismo, mas acho que nunca vivenciei seus efeitos."
Daisy, apesar de já ter estudado sobre a história de algumas tragédias motivadas pela economia, não conhecia pessoalmente o lado negativo do dinheiro. Sua vida de conforto, facilidades e mordomia havia estremecido e dado início ao que a faria conhecer de perto o lado mesquinho do que ela só tinha visto em livros, em números que especulavam baixas em alguma guerra.
E o início dessa descoberta se teve quando ela viu sua oportunidade de seguir em frente até aquele ingênuo objetivo. Tal chance soou como uma luz que a guiou, no escuro daquela noite e na claridade de uma farmácia aberta. A informação que ela pediu ao farmacêutico foi pouco minuciosa.
— O senhor sabe com chego até Badlow Street? — ela ansiava pela resposta em seu sorriso.
Mas tornou-se decepcionada com a falta de detalhes da informação, o mesmo que ela não conseguia expressar na pergunta. O homem a mandou ir até a estação de trem, a uns quinhentos metros em linha reta, onde a região oeste da cidade tinha sua última linha.
Ela obedeceu, ainda sorridente, disfarçando a decepção, uma habilidade que fora recentemente descoberta.
O que não conseguiu disfarçar ao chegar no destino foi as dores após a hora de caminhada. Ali já percebia a nova realidade que a esperava, na simples torre com um pequeno relógio e um prédio horizontal e mal cuidado abaixo, que não tinha para ela o simbolismo e a beleza da estação Victoria, em Londres, a qual tanto apreciara na escrita, algo que não estava minimamente próximo de acontecer na atual vista.
Antes de descer as escadas, sentou-se no primeiro degrau e retirou as sandálias de saltos baixos. Elas tinham propósito de dar leveza aos pés, mas não eram adequados para andarilhos, assim como sua dona não se adequava a tal exercício.
A marca da correia dava a volta em seus calcanhares e eram a única sobra dos calçados enquanto Daisy descia as escadas. No lugar onde via catracas lado a lado e um guichê, comprou neste uma passagem e apressou-se para girar uma daquelas e entrar no trem, na correria que dava uma estranha sintonia de movimentos entre os saltos que carregava e seus cabelos saídos da touca, que quase não ficavam tão soltos, mesmo que parcialmente presos.
Nessa liberdade limitada, ao se sentar no trem vazio, na janela, pensava. Apreciava a natureza e as agradáveis construções no local, que ainda podiam ser vistas, mas que logo sumiriam. Eram poucas, como demonstrava a fachada da estação, mas muitas eram quando comparadas ao lugar que ela chegaria.
"Nunca senti isso... Meus pés doem, esse trem é abafado, me encrencarei quando meus pais descobrirem que saí escondida e que peguei dinheiro deles para a passagem... Mas... é uma sensação estranhamente boa! Será que simplesmente pelos hormônios ou porque sei que esses males acontecem para um bem maior? Acho que fico com a segunda opção. É melhor fortalecê-la na minha mente."
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro