Parte 5
A despedida da empregada não trouxe somente um lado negativo na mente de Daisy, mas também para seus pais. Após saberem do ocorrido, voltaram rapidamente para casa. Tinham no trabalho o foco grande de suas vidas, mas não esqueciam, mesmo que indiretamente, da filha.
Eles contrataram Madeleine para que não precisassem ficar o tempo todo em casa. Pagavam-na não só pelas funções do lar, mas também para suprir o que somente uma "amizade do mundo" supriria. Ter recebido aquela notícia foi visto como um imenso disparate. Uma ofensa não somente às responsabilidades empregatícias, como também à fraternidade que os pais depositavam nela. Um pilar, que eles achavam ser uma substituição perfeita para eles, desmoronou. Agora, na cena seguinte, os substitutos têm os papeis, mesmo que falhos, que sempre deveriam ser seus, no lugar daquele pilar que foi concebido com rachaduras.
— Que irresponsabilidade tamanha! - despejava a raiva no ar Peter Hardcastle, pai de Daisy, ao deixar outra chamada perdida no telefone de Madeleine.
— Aquiete-se, meu bem. Talvez tenha sido até bom isso. Poderia ter prejudicado nossa Daisy de alguma forma, pois mostrou-se indecente. - Maya tentava acalmar o marido, acariciando seus ombros largos, em pé, juntos ao telefone, na mesinha da sala de estar.
— E foi o que ela fez! Que maldição!
— Acharemos outra moça. Venha, vou te fazer um chá de camomila.
A mulher foi acompanhada pelo homem alto, engravatado, de cabeça quadrada, cabelo grisalho e rosto enervado, que justificava a fama de "velho ranzinza" que tinha em seu meio social, mesmo ele não passando dos cinquenta anos.
Daisy, sentada e cabisbaixa no sofá, só observava a mãe tentando tranquilizar o pai, enquanto ele saia do cômodo extinguindo o silêncio que o carpete de pelo alto deveria fazer, e dando-o formas de pés que durariam bastante para saírem naturalmente.
Uma gota de lágrima caiu no quadro da flor amarela em seu colo quando eles se foram. O clima era tão pesado que sequer foi perguntada por eles da origem daquela obra, o que não era normal para pais tão preocupados com o desenvolvimento artístico da filha.
"Dizem se preocuparem comigo, mas responsabilizam alguém de fora por minha carência... Sei que eles querem meu bem, mas dificilmente entenderei como a preocupação deles funciona. Seria muito mais simples se eles trabalhassem menos, porque não precisamos de tanto dinheiro, e ficassem mais aqui. Mas acho que é mais complexo do que imagino ter alguém para zelar. As fantasias são assim tão simples para não alcançarem esse entendimento? E pobre Madeleine... Está envolvida em tanta confusão..."
Terminou o pensamento, levantou de súbito e foi ao cômodo mais populoso da casa. Andando até a cozinha, brotou em seu peito uma coragem, tão súbita quando seu levantar, mas tão rápida quanto sua chegada até os pais. A mãe procurava o chá no armário acima da pia, o pai estava sentado na bancada no meio da cozinha, esta quase inteiramente branca e de estilo americana.
Tamanho contraste dessa brancura com a roupa toda preta do pai gerou um brilho inesperado para a menina quando ele se virou no banco até ela, como se provocado por um pressentimento.
— Espero que essa comoção inicial que sentiu pela partida daquela moça logo passe, se não será outra prova da incapacidade dela! - falou ele em tom rancoroso, como se desse uma bronca na filha.
— Seja paciente. Já acho o chá. — A outra, em contínua tentativa de acalmar a situação, pouco se importou em pedir ajuda à Daisy para encontrar o que a tal visita materna não conseguia.
A expressão do sofá da adolescente voltava e ia de encontro ao chá, bem abaixo de onde a mãe procurava, em uma porta de vidro, tão clara quanto o pouco conhecimento que ela tinha da própria casa.
A menina estendeu a mão até a mulher, que a fez um olhar confuso, dando em Daisy a certeza de que a mãe também não sabia sequer ferver uma água, colocar saquinhos dentro de xícaras e servir. Repetindo o que a mais velha acostumou-se a vida toda, a mais nova prepararia a bebida quente.
De costas para os dois, que conversavam sobre o assunto principal do momento, a garota se viu livre de seus olhares, podendo pensar novamente na injustiça verbal em que aquele diálogo repetitivo se transformara. Ela encarava o bule de aço inox que refletia tudo em volta. Parou de encará-lo quando viu os dois em seu reflexo e fechou os olhos, ainda frente ao fogão, que a dava o calor necessário para ela sentir a vontade tão esperada nos adolescentes comuns. E mesmo que só por pensamento, discordava dos pais.
"Eles estão sendo injustos! Madeleine não tem culpa... Ela só queria me proteger... Pobrezinha... Se não fosse por mim, ela ainda teria um emprego e não precisaria ficar fugindo. Eles têm que ir atrás da pessoa que a persegue! Usando o dinheiro que eles não usam e para o qual se esforçam tão inutilmente! Agora há utilidade! Não é justo! Ela sempre foi tão boa comigo! Não é justo que a persigam desse jeito! Eles também são bons comigo, mesmo que de um jeito que não consigo entender, e estão aflitos por essa situação. Já li sobre mártires bondosos que sofriam pela própria vontade, mas não acho que meus pais estejam querendo tal aflição, e nem mesmo Madeleine. Sofrer sem vontade..."
O profundo pensamento a entristeceu. E os minutos que passou ouvindo as palavras "irresponsável", "indecente", "grosseira", entre outras, foram suficientes para, juntas daquele pensamento, fazerem-na derramar uma lágrima, ao mesmo tempo que não a deixaram perceber o quão perto do fogo estava. E mais pingos escaparam das pálpebras fechadas e vaporizaram no bule, antes de mais gotas, de uma só vez, despertadas pelo chiado do fervor da água, fazerem-na abrir de vez os olhos.
Fungou e limpou a umidade do rosto, antes de afastar-se do fogão e disfarçar o choro. Conseguindo acalmar-se instantaneamente, jogou a água nas xícaras até os saquinhos daquele chá de aroma doce de camomila se afogarem.
"O girassol... Será que se afogou como aquelas flores dos jardins que vi ontem de noite? Espero que Madeleine esteja cuidando bem dele."
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