6.lilly
Bato na porta de Tom pela milésima vez. Já faz alguns dias desde o natal. E não tenho certeza de que ele está na cidade para o Ano Novo. Ele comentou que tinha vontade de ir para a Alemanha, virar junto ao Portão de Brandemburgo. A parte imbecil foi acreditar que ele poderia me levar. Quando ele abre a porta, finalmente, a luz da esperança acende dentro de mim.
― Caralho. Por onde você andou?
― Oi, Lilly. Boa noite para você, também.
Reviro os olhos, sorrindo antes de beijá-lo. Tom me deixa apenas selar nossos lábios e sua mão me coloca para baixo novamente, pressionando meu quadril. Reparo em seu suéter marsala. Combina com seus cabelos minimamente ruivos e penteados com gel para trás. Ele fez a barba, então seus lábios finos estão mais evidentes. Eu particularmente não gosto de como sua boca parece um risco. Mas não sou a garota com lábios preenchidos, então não posso me queixar.
― Você vai sair? Eu vim em má hora?
― Vou sair com uns colegas de trabalho. ― Ele se afasta para que eu entre. ― Nunca é uma má hora para ver você, princesa. Está com fome?
― Estou sempre com fome.
O apartamento de Tom é um cubo gelado de tijolinhos com janelas enormes sem cortinas. Não gosto de imaginar a vez em que transamos para uma vizinha assistir. Tenho certeza de que Tom me obrigou aquilo para seduzir a mulher do prédio ao lado. Não sei se funcionou, no entanto. Mas eu ganhei lençóis quentes e comida de verdade por alguns dias na época.
― Como foi o natal? ― Ele pergunta, apontando a cozinha acoplada e pequena. ― Vou terminar de me arrumar. Pegue o que quiser.
― Obrigada. ― Eu avanço para os seus pães e assalto sua geladeira em busca da minha geleia favorita. É fofo que ele sempre tenha um pote dela para mim. ― Ah, você sabe. A mesma merda. Lewis pai e Lewis filho me venderam para um adolescente. Não é engraçado?
Espero ouvir alguma bronca de Tom. Mas a sua risada não demonstra ciúmes algum.
― E como foi isso? Você tirou a virgindade dele ou o que?
― Tom? ― Enfio um pedaço de pão com geleia. O gosto quase me causa um orgasmo e eu suspiro. Aquela geleia, definitivamente, me dá mais prazer do que o próprio Tom. ― Não. Era só um adolescente bobo e rico. Nós demos um amasso e o resto foi conversa jogada fora.
― Ah, princesa. ― Tom volta, com uma jaqueta de couro por cima do suéter. ― Eu gostaria de saber mais sobre seu novo amigo. Mas estou atrasado. Você me espera voltar? Estou com saudades. Vamos nos divertir hoje, certo? Tem cerveja na geladeira e os armários estão abastecidos. Coma o que quiser.
― Para onde você vai?
― O que é isso? ― Ele pisca um dos olhos verdes e algumas rugas surgem em seu rosto. ― Está bancando a namorada ciumenta? Só vou me divertir em uma boate com colegas de trabalho. Em todo caso, eu não poderia levar você. Quem sabe no seu aniversário de dezoito?
Abandono o pão com geleia, perdendo a fome e considerando. Ele se aproxima e beija o meu pescoço de um jeito molhado e nojento. Aperto os olhos, me lembrando que ele acabou de ligar o aquecedor por minha causa e sorrio. Tom gosta de mim. Só que o jeito dele é estranho. É isso.
― Tudo bem. Nos vemos mais tarde.
― Me surpreenda, ok? ― Ele olha na direção dos meus seios. ― Vamos nos divertir um pouquinho.
― Ok.
Ele se afasta, pegando as chaves do carro e batendo a porta. O apartamento começa a ficar quente e abafado. O aquecedor de Tom não é a melhor coisa do mundo. Mas supera o frio do lado de fora. Arranco o meu casaco peludo e fico olhando para ele por algum tempo. Foi um presente de Tom. Alguma mulher com quem ele transou esqueceu em seu apartamento e nunca mais retornou. Ele perguntou se eu queria. É a coisa mais quente que eu tenho. E veio de alguém que transou com o meu namorado, enquanto eu achava que era a única.
Eu meio que me acostumei com isso, desde então. Ele me chama de princesa, compra minhas comidas, transa comigo de um jeito entediante e fica com outras mulheres. Não sei se ele se importa que eu esteja por aí com outros homens. Pelo modo como ele riu da situação com Carson, acho que a resposta é não.
Carson Rowan.
Gostaria de ter um celular para enviar uma mensagem a ele. Mas não consegui permanecer em sua casa. A sua família foi gentil, considerando que eles acharam que eu era uma prostituta. Eu pensei em me aproveitar da comida e da ingenuidade dele. Mas não consegui.
― O que está acontecendo com você, Felicity? Sentimentalismo com um garoto bobo. Você está ficando fraca.
Abro os armários de Tom e puxo uma sacola. Coloco toda a comida que consigo lá dentro e pego meu casaco. Não quero ficar ali, esperando que ele chegue bêbado e me faça de boneca inflável. Vou levar a comida dele e me dar uma folga esta noite. Eu vou entrar no metrô e comer até explodir. Depois, vou esconder o resto da comida em algum lugar da cidade e vou voltar para o trailer dos Lewis sem nada. Para que nem Lewis pai, nem Lewis filho, enfiando a cara na maconha, roube o que eu mesma consegui.
Desligo o aquecedor do apartamento, fecho a porta com cuidado e deixo a chave embaixo do tapete desgastado. Assim que alcanço a calçada, acendo um cigarro. O trago é profundo contra a noite fria. Ao menos me deixa aquecida e me distrai daquela grande merda de vida. Embora eu saiba que não deveria estar matando o meu pulmão com fumaça preta e tabaco.
Puxo um chocolate da sacola. O caramelo não tem o gosto muito bom quando intercalo uma mordida com uma tragada. Mas me dá energia para descer até o metrô. A cidade está uma merda. Infestada de turistas prontos para ver o Big Ben tocar. Não tem nada demais em um relógio velho badalando. E é uma grande bosta ter que ficar desviando de gente deslumbrada do mundo todo. Um mundo que eu nunca irei conhecer.
Salto para dentro do metrô assim que atravesso a estação. Consigo um lugar em um vagão, no meio de uma senhora gorda com um cachorro dentro do casaco e um homem infeliz com um cachimbo apagado. Eu não sei, mas acho que ambos estão dormindo. Porque ninguém nota quando começo a dividir meu chocolate com o cachorro que treme sem parar. Nem quando eu coloco as cinzas do meu cigarro na cumbuca do cachimbo.
Tom compra coisas nojentas. Tudo o que é encaixotado e pré-cozido ele compra. Meu estômago não se importa, em todo caso. Separo as coisas com carne que peguei por engano. Vou dar para algum morador de rua. Sobro com alguns salgadinhos e biscoitos salgados que empurro tudo com um refrigerante horrível sabor mirtilo. Ninguém deveria comprar aquilo, mas Tom compra. E eu bebo porque não lembrei de roubar suas cervejas.
Quando a mulher gorda acorda, o seu cachorro começa a latir como se estivesse me denunciando. O homem de cachimbo dá um salto e os olhos de ambos parecem tão zangados que eu decido saltar na próxima estação.
Minhas botas batem contra o cimento gelado e antes que eu possa me dar conta, alguém agarra minha sacola.
― Ei! ― Puxo de volta. ― Isso é meu!
É um velho sujo com dentes assustadores. Uma mulher esquisita se junta a ele, como se eu estivesse em um ataque zumbi. O papel da sacola rasga e minhas comidas começam a rolar. É como se uma manada de elefantes aparecesse. Surgem pessoas famintas de todos os lados, roubando o que eu havia roubado.
Quando não sobra mais nada, eles desaparecem. Olho para o chão e algumas lágrimas sobem até meus olhos.
― Vida de merda.
Afasto o choro ao fungar profundamente e ergo o meu queixo. O foco da minha visão paralisa em um grupo de garotos descendo as escadas. Então, como se eu saísse do deserto escuro e gelado, um par de olhos azuis me envolve como um oásis.
― Sem chance... ― Sussurro.
Carson Rowan acaba de surgir magicamente no meu caminho. E odeio admitir que meu coração gosta de revê-lo.
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