᳝ ࣪ ❛ ͏ 𝙘𝙖𝙥𝙞𝙩𝙪𝙡𝙤 treze : garota problema ៹ ✧⠀
୨ᅠᅠ﹙ ato dois ﹚let the world burnᅠᅠ୧
࣪៹ 𝄒 ˖ ࣪ 𓂃 ۫ . - capítulo treze, garota problema ꜝꜞ ᳝ ࣪ᅠ ៹ 💣 ✶ ۫
Água.
Para muitos, um símbolo de renascimento, de purificação. Era o elemento que limpava, que apagava cicatrizes e levava embora medos e inseguranças. Nadar era mais do que apenas mover o corpo na água, era uma dança entre controle e entrega. O equilíbrio entre desafiar a gravidade e se render à fluidez do universo líquido.
Cada braçada era um lembrete de que somos feitos de água, conectados ao oceano primordial de onde viemos.
Mergulhar era um ato de confiança, era permitir que o silêncio e a pressão da profundidade nos envolvem, onde a respiração dá lugar ao momento presente. É se dissolver na vastidão e encontrar paz na suspensão.
Deixar a água te levar é uma metáfora para a vida, é reconhecer que, apesar de todo o esforço, às vezes a corrente é mais forte. E está tudo bem. Flutuar é também uma escolha, uma forma de navegar pelas incertezas, aceitando que nem sempre precisamos lutar para avançar.
A água pode curar, Silco dizia. Ele falava disso com uma convicção que quase fazia Astra acreditar, como se tivesse descoberto o segredo do mundo. Para ele, a água era uma aliada. Uma força inquebrável, um portal para se reconstruir, para emergir mais forte do que antes.
Era o silêncio da água que o fazia enxergar. Era nela que ele encontrava clareza, onde deixava os medos e inseguranças se dissolverem. Ele dizia que o peso que a água colocava sobre seu corpo não era sufocante, mas libertador.
Mas, para Astra, a água era tudo, menos libertadora.
Ela não sentia o abraço purificador que Silco exaltava com tanto fervor. Não havia leveza, tampouco promessas de um novo começo. Para ela, mergulhar era ceder.
Era sentir o peso esmagador da água se acumulando sobre o peito, sufocando cada respiração, roubando qualquer controle que ela achava que tinha. Não era a libertação que Silco descrevia com tanta paixão, era o abandono, o completo e inevitável esquecimento de si mesma.
Enquanto Silco via a água como uma fonte de nascimento, Astra a via como um inimigo. Um adversário paciente, que não atacava com violência, mas com persistência, puxando-a lentamente para o fundo até que não restasse nada.
Os pulmões ardendo enquanto o mundo ao redor se desfazia em uma massa indistinta e cruel. Cada movimento era um esforço monumental, uma batalha perdida antes mesmo de começar.
Afogar-se não era libertação para ela. Era se perder.
Para Astra, a água era um espelho traiçoeiro. Ela refletia não apenas suas fraquezas, mas também seus medos mais profundos, aqueles que ela passava a vida tentando sufocar. A água era cruel porque mostrava verdades das quais ela fugia.
Não havia como enganar a água. Sob sua superfície, ela era despida de todas as máscaras, de todas as desculpas, forçada a confrontar partes de si mesma que preferia esquecer. A água não apenas revelava as rachaduras em sua armadura, ela as preenchia, ampliava, fazia com que Astra sentisse cada uma delas.
Enquanto Silco acreditava que a água levava as fraquezas embora, Astra sabia que ela as segurava, puxando-as para o fundo, onde se tornavam inescapáveis.
Era uma luta constante, cada mergulho trazendo um novo confronto com as sombras de seu passado, as cicatrizes que carregava e o peso das decisões que não podia desfazer. Não era a leveza que Silco descrevia, mas um peso crescente, esmagador.
Mesmo que tentasse, mesmo que lutasse, e até mesmo que uma parte de si morresse toda vez que cruzava as águas, Astra não conseguia escapar da culpa.
Ela era como um peso eterno, uma âncora que a puxava para o fundo, para o mesmo lugar escuro e sufocante que ela tanto temia. A culpa a enterrava fundo, cavando através de camadas de quem ela pensava ser, até deixá-la exposta, vulnerável.
E era quase automático. Sempre que as memórias a alcançavam, seu corpo parecia ser arrastado para aquele lugar novamente. Aos sons de uma vida que, um dia, havia sido comum e monótona. Aos ecos de risadas e passos apressados, ao cheiro de ferrugem e óleo que enchia o ar.
Era difícil acreditar que, apenas alguns anos antes, aquele lugar tinha sido um campo de guerra.
As lembranças vinham com uma clareza cruel. O som de gritos, o estalo seco de explosões, o cheiro acre de fumaça e sangue que parecia se prender à pele e não sair mais. E, no centro de tudo, Astra podia se ver, pequena, indefesa, observando o caos ao seu redor.
Ela havia sido apenas uma criança, mas o mundo não havia sido gentil o suficiente para tratá-la como tal.
O peso daquilo permanecia, mesmo agora. Não importava o quanto o tempo tivesse passado ou quantas vezes ela tentasse racionalizar o que aconteceu. O que ela havia perdido ficava gravado em sua mente como marcas que nunca cicatrizariam completamente.
Ela se perguntou, enquanto o passado voltava a invadi-la, se algum dia conseguiria cruzar aquelas águas sem sentir que estava se afogando.
E novamente, ela voltava a ser uma criança perdida. Uma garotinha sozinha, chorando pela mamãe e pelo pai que nunca mais voltariam. Não o homem que a criou em meio ao caos e aos jogos de poder, mas o verdadeiro pai, aquele que existia apenas em fragmentos de memórias confusas. Um homem cujo rosto ela mal conseguia lembrar, mas que ainda habitava as sombras de sua mente.
Ele era um mistério, tanto quanto uma ausência dolorosa. Alguém que, em sua imaginação infantil, deveria tê-la protegido, deveria ter sido um porto seguro em meio ao caos, mas havia sido exatamente o oposto. Ele foi quem trouxe o medo.
Era ele quem transformou seus dias em uma sequência interminável de punições, gritos e silêncios ameaçadores. Ele, que havia esmagado qualquer noção de infância que Astra pudesse ter, substituindo carinho por controle, proteção por terror.
E, no entanto, ele era seu pai.
Essa verdade corroía Astra de dentro para fora. Porque, por mais que tentasse, não conseguia apagar a ideia de que deveria ter significado algo para ele. Que deveria ter sido mais do que uma extensão de suas frustrações, mais do que um alvo de sua raiva.
A culpa vinha em ondas avassaladoras, sussurrando que talvez ela tivesse feito algo para merecer aquilo. Que, talvez, sua própria existência fosse a razão para sua ausência e para a violência que ele deixou como herança. As memórias dele eram fragmentadas, mas dolorosamente claras nos momentos mais sombrios. Os gritos que ecoavam em sua mente. A sombra de sua figura parada na porta, observando-a com olhos vazios.
Astra nunca falou disso com ninguém. Não com Silco, que, por mais monstruoso que fosse, nunca a tratou com aquela frieza impessoal. E nem com Jinx, cuja dor já era profunda o bastante sem que Astra somasse a dela.
Mas o peso estava sempre lá, oculto nas sombras de sua mente, habitando cada espaço vazio em seu coração. O peso de um pai que nunca a viu de verdade. O peso de um homem que trouxe o medo para uma garotinha que só queria ser amada.
E sua mãe... Ah, sua mãe.
Ela era a covarde que a deixou para trás, largando-a nas ruas de Zaun, onde ninguém sobrevivia sem carregar marcas profundas. A mulher que desapareceu como um espectro, levando consigo qualquer noção de segurança que Astra pudesse ter.
Sua mãe era uma figura tão frágil quanto frustrante, alguém tão suscetível aos caprichos do pai que parecia ter esquecido que tinha uma filha para proteger. Não, ela nunca ousou proteger Astra. Nem quando ele gritava, nem quando ele punia, nem quando Astra chorava baixinho na tentativa de não chamar atenção.
Ela não levantava a voz. Não enfrentava. Apenas aceitava. Era aquela maldita manipulação.
Aqueles jogos mentais que o pai jogava tão bem, misturados à dependência emocional que sua mãe nunca conseguiu quebrar. Uma prisão invisível, mas incrivelmente forte. Ele moldava a realidade ao seu redor, e ela, como um pássaro de asas cortadas, permanecia na gaiola, mesmo quando a porta estava aberta.
Astra sempre tentou entender, mas nunca conseguiu perdoar. Por que ela não lutou? Por que ela não tentou salvá-las?
Mas então vinham os sussurros cruéis de sua própria mente, insinuando que talvez ela não fosse motivo suficiente para lutar. Talvez Astra tivesse sido apenas mais um fardo, uma responsabilidade que sua mãe não estava disposta a carregar. Essa dúvida a consumia. Porque, apesar de todo o ódio, uma parte dela ainda ansiava por aquele toque protetor, por um momento onde sua mãe escolhesse Astra acima de tudo. Mas isso nunca veio.
Tudo o que restava era o vazio. O eco das escolhas que sua mãe nunca fez e o silêncio da proteção que Astra nunca recebeu.
Mas ela ainda era sua mãe.
Mesmo sabendo disso, Astra não conseguia perdoá-la. A raiva era um fardo pesado, mas a dor do abandono, essa era insuportável. Ainda assim, o amor estava lá, escondido sob camadas de mágoa e rancor, como uma ferida que nunca sarava.
Era isso que a destruía por dentro, os laços invisíveis que ainda a prendiam àquelas figuras que moldaram sua dor. Ela queria odiá-los completamente, mas uma parte dela, aquela que ainda era uma criança perdida, ansiava por algo impossível, a presença deles, a proteção que ela nunca teve.
E toda vez que essas memórias voltavam, Astra sentia o peso esmagador da culpa. Por querer que eles voltassem, mesmo sabendo que nunca o fariam.
Ainda assim, lá estava ela, presa a um passado que doía mais do que o presente. E, mesmo assim, Astra não conseguia evitar. Não podia deixar de desejar que, de alguma forma, o futuro com eles pudesse ter sido melhor. Era um pensamento cruel e esperançoso ao mesmo tempo, algo que a deixava envergonhada, mas que ela nunca conseguia abandonar completamente.
Naquela ponte... aquela ponte fria e esquecida, onde ela viu seu pai pela última vez, lá estava o marco de uma infância que terminou de forma abrupta e brutal. O pequeno pedaço de terra manchado pela dor e pelo silêncio marcava o fim de algo que nunca deveria ter começado daquela maneira.
Ali, onde os gritos haviam se transformado em ecos e os soluços haviam se perdido na brisa fria, estava o símbolo de uma infância arruinada. Pela agressão, pelos traumas, e por todas as coisas que Astra não sabia como nomear, mas que ainda a perseguiam.
Era o fim. O fim de quem ela era. O fim do que ela poderia ter sido. Naquela ponte, tudo se partiu, deixando para trás uma garota que nunca mais se sentiu inteira.
E, ainda assim, ela voltava. Voltar àquele lugar era como encarar o espelho de tudo o que a moldou, o que a quebrou, o que a transformou. Ela odiava, mas também precisava. Porque, naquele lugar, estava não apenas o fim de sua infância, mas também o início da mulher que ela havia se tornado.
Mesmo que ainda doesse. Mesmo que sempre doesse.
Ela sentia como se tivesse uma grande pedra presa na garganta, sufocante, impossível de engolir. O peso daquilo parecia irradiar para o resto de seu corpo, tornando cada movimento impossível. Seus pés estavam colados ao chão, pesados demais para se mover, como se a gravidade os tivesse reivindicado.
Nenhum pensamento conseguia passar por sua mente. Era como se a própria capacidade de raciocinar tivesse sido engolida pela dor. Tudo o que restava era a sensação constante e insuportável do choro, fluindo como água lenta e gelada. Cada soluço era um rio que a preenchia de dentro para fora, enchendo-a até o limite, até que sua cabeça não pudesse mais conter tanto peso.
E então as lágrimas vieram. Elas escorreram por suas bochechas sardentas sem resistência, deslizando com uma facilidade que contrastava com o nó preso em sua garganta. Não havia forças para detê-las, e, na verdade, ela não queria.
Era um alívio doloroso. Permitir que as lágrimas carregassem um pouco daquela carga que parecia esmagá-la por dentro. Elas não resolveriam nada, mas naquele momento, eram tudo o que ela podia oferecer a si mesma.
As gotas salgadas desenharam trilhas pelo rosto, refletindo a luz fraca ao redor, enquanto a respiração irregular escapava em pequenos soluços. Sua visão estava turva, mas ela não se importava. Tudo parecia distante, como se o mundo ao redor tivesse sido coberto por uma névoa espessa, deixando apenas a dor nítida e real.
Por um momento, ela se deixou afundar completamente no som do choro. Era como se cada lágrima fosse uma súplica ao vazio, algo que ela não tinha coragem de dizer em voz alta.
Mas então, ela voltava a Jinx.
Porque, de alguma forma inexplicável, os problemas pareciam menores quando estavam juntas. Não porque Jinx tinha todas as respostas, mas porque ela não precisava tê-las. Estar ao lado dela era o suficiente para aliviar a dor, para silenciar as vozes e acalmar o tumulto interno.
Com Jinx, o mundo parecia menos pesado, porque ela era caótica, imprevisível e intensa, e, ao mesmo tempo, incrivelmente constante. O sorriso torto, a energia descontrolada e até mesmo as explosões não resolviam os problemas, mas traziam a Astra algo que nenhuma outra pessoa conseguia, um senso de pertencimento em meio ao caos.
E, por isso, ela sempre voltava.
Porque, mesmo quando parecia estar se afogando, Jinx era o que a fazia lembrar que ainda havia algo pelo qual valia a pena lutar.
Astra abriu a porta do esconderijo com cuidado, o som de seus passos abafado pelo eco metálico do chão. Lá estava Jinx, sentada no centro do caos organizado que chamava de seu quarto. As paredes estavam cobertas por desenhos frenéticos, diagramas, e rabiscos que pareciam dançar sob a luz fraca das lâmpadas penduradas. No centro de tudo, a garota de cabelos azuis estava curvada sobre uma bancada, trabalhando freneticamente na gema de hextec.
O brilho azul intenso do artefato iluminava seu rosto, destacando as manchas de óleo e fuligem que marcavam sua pele. Ela mordia o lábio inferior, os olhos estreitados enquanto manipulava os delicados mecanismos com ferramentas improvisadas.
Ela parecia fantástica, minimamente delicada com aquele toque de caos que somente ela tinha.
Os cabelos azuis estavam tão bagunçados quanto sempre, mas capturavam a luz da gema de uma forma quase mágica, refletindo tons de azul e roxo, como se fossem parte da energia que pulsava ao redor.
Havia algo em Jinx que era completamente contraditório. Sua postura descontraída, curvada sobre a bancada, fazia parecer que ela estava relaxada, mas os olhos dela contavam uma história diferente. Eles estavam fixos no que fazia, brilhando com intensidade, como se o mundo ao redor fosse apenas um detalhe irrelevante.
Era isso que Astra sempre achava tão hipnotizante nela. Jinx era uma confusão de detalhes, de caos e ordem coexistindo. A maneira como os dedos dela, sujos e marcados, se moviam com precisão quase cirúrgica nos mecanismos da gema. A suavidade nos movimentos dela era uma ironia, considerando que tudo o que ela criava tinha o potencial de explodir.
E então havia o sorriso.
Aquele sorriso travesso, ligeiramente torto, que parecia carregar segredos. Não era apenas um sorriso de satisfação pelo que estava fazendo, era como se ela soubesse que Astra estava observando, e que isso a divertia.
Jinx era caos personificado, mas Astra nunca a considerava desleixada. Cada mancha de fuligem no rosto dela, cada rabisco nas paredes ao redor, até mesmo a desordem organizada da bancada, tinha um propósito. Tudo parecia parte de um quadro maior que apenas Jinx conseguia enxergar.
E, no centro de tudo isso, havia algo delicado nela, algo que fazia Astra sentir que queria proteger, mas também temer. Era essa dualidade que fazia de Jinx uma presença tão intensa, ela podia ser tão devastadora quanto uma explosão e, ao mesmo tempo, tão encantadora quanto uma chama dançando ao vento.
Astra suspirou, tentando desviar o olhar, mas sem sucesso.
━━━ Jinx, você sabe que não deveria... ━━━ começou Astra, mas foi interrompida.
Um som agudo e repentino ecoou pela sala, cortando o ar como uma lâmina, seguido imediatamente por um clarão azul ofuscante que inundou o espaço. Astra reagiu instintivamente, erguendo o braço para proteger os olhos, enquanto o calor da explosão menor fazia o ar ao redor vibrar.
O esconderijo inteiro sacudiu. Ferragens balançaram e as luzes penduradas no teto piscaram, ameaçando apagar. Um zumbido baixo e insistente permaneceu no ar, ecoando como uma memória da explosão. Quando o brilho inicial começou a diminuir, Astra abaixou o braço com cautela, os olhos piscando rapidamente enquanto tentava ajustar-se à luz mais suave. Sua respiração estava acelerada, mas foi um som ao seu lado que a trouxe de volta à realidade.
Ela virou a cabeça rapidamente, procurando por Jinx.
Lá estava ela, no centro do caos.
Cercada por partículas azuis que pairavam no ar, Jinx parecia estar em outra dimensão, um quadro vivo e irreal. As partículas brilhantes flutuavam lentamente, como vaga-lumes mágicos, iluminando a sala com um brilho etéreo.
━━━ Jinx, você está bem? ━━━ Astra ofegou, os olhos fixos em Jinx.
Jinx estava imóvel por um momento, o rosto iluminado pelo brilho pulsante das partículas azuis. Seus olhos estavam arregalados, refletindo o espetáculo ao redor e a boca aberta em um misto de surpresa e fascinação. Então, lentamente, um sorriso começou a se formar em seus lábios.
━━━ Tá' vendo isso, Ash? ━━━ disse ela, quase em um sussurro, como se temesse quebrar o encanto. ━━━ É... lindo.
E era. As partículas azuis flutuavam ao redor de Jinx, como se fossem atraídas por ela, escolhendo-a como o centro de sua dança. Elas brilhavam com uma luz pulsante, criando um contraste fascinante com o redor. Cada movimento delas parecia realçar os detalhes de Jinx de uma maneira quase sobrenatural.
Os cabelos azuis despenteados capturavam o brilho, transformando-se em fios de luz que se moviam com ela. As manchas de fuligem em sua pele, em vez de diminuí-la, destacavam a intensidade, como se ela fosse a personificação perfeita de beleza e desordem.
Aquele sorriso encantado, desarmado, completamente absorvido pelo momento. Era raro vê-la assim, sem os traços de ironia ou o brilho caótico de travessura que geralmente dominavam suas expressões. Era um sorriso genuíno, quase inocente, como se ela tivesse sido surpreendida por sua própria criação.
Astra não conseguia desviar os olhos.
Jinx parecia mais viva do que nunca, como se a energia que preenchia o ar ao redor também pulsasse dentro dela. Aquela mistura de caos e encantamento era tão única que Astra sentiu um aperto no peito, um reconhecimento silencioso de que ninguém no mundo poderia ser como Jinx.
━━━ O que você fez? ━━━ perguntou, a voz quase um sussurro, como se não quisesse quebrar a magia do momento.
━━━ Eu... não sei. ━━━ respondeu Jinx, rindo suavemente, o som leve e encantador. ━━━ Mas não é incrível?
━━━ Parece... mágica. ━━━ murmurou Astra, quase sem perceber que tinha dito as palavras em voz alta.
Jinx virou o rosto na direção dela, os olhos brilhando tanto quanto as partículas ao seu redor.
━━━ Mágica? ━━━ repetiu Jinx, um sorriso travesso surgindo lentamente. ━━━ Eu prefiro... explosiva.
Astra deu um passo à frente, sentindo-se hipnotizada pela cena. Ela parou ao lado de Jinx, observando as partículas dançarem pelo ar, refletindo na superfície das ferramentas, nas paredes e até nos olhos delas. Por um instante, ela se sentiu pequena, quase insignificante. A energia da gema parecia viva, como se houvesse uma consciência no jeito que as partículas se moviam, brincando ao redor delas.
━━━ É como estar em outro mundo. ━━━ murmurou Astra, sem conseguir desviar o olhar.
━━━ Talvez seja. ━━━ respondeu Jinx, ainda olhando para as partículas flutuantes.
Mas então seus olhos pousaram em Astra.
O brilho azul das partículas refletia nas bochechas sardentas dela, destacando as pequenas marcas que sempre chamavam atenção de Jinx. Mas agora, havia algo diferente. Os olhos de Astra estavam avermelhados, traindo as lágrimas recentes que ela claramente tentava esconder.
Jinx franziu o cenho, a expressão travessa suavizando-se em algo mais sério.
━━━ Você chorou. ━━━ constatou, a voz mais baixa agora, carregada de um tom que Astra raramente ouvia dela.
Astra desviou o olhar, mexendo os dedos nervosamente ao lado do corpo.
━━━ Não é nada. ━━━ murmurou, mas sua voz soou frágil, quase quebrada.
Jinx deu um passo à frente, inclinando a cabeça para tentar encontrar o olhar de Astra novamente.
━━━ Astra... eu conheço você. ━━━ disse Jinx, com um sorriso pequeno. ━━━ Não tenta me enganar. O que aconteceu?
Astra engoliu em seco. Era vergonhoso mostrar fraqueza, mesmo para Jinx, a única pessoa que ela realmente confiava. Ser vulnerável era como abrir uma porta que nunca poderia ser fechada novamente. E pior, era se expor a alguém que Astra amava profundamente. Era como admitir que estava quebrada demais para ser a força de alguém. Como se sua dor pudesse transbordar e acabar por ferir Jinx também.
━━━ Não é nada, Jinx. ━━━ respondeu Astra, mas sua voz tremeu, traindo o esforço de parecer indiferente.
Jinx não recuou. Em vez disso, inclinou-se mais perto, seus olhos analisando cada detalhe do rosto de Astra.
━━━ Você tá' tentando fazer isso de novo, né? ━━━ Jinx murmurou, o tom mais sério agora. ━━━ Fingir que está tudo bem. Eu odeio quando você faz isso.
Astra desviou o olhar. Os dedos nervosos apertavam a bainha de sua jaqueta, como se segurá-la pudesse impedir que sua fachada desmoronasse completamente.
━━━ É só o passado, Jinx. Coisas que não vão embora. ━━━ Astra suspirou, o som pesado, carregado de algo que parecia estar preso em seu peito há muito tempo.
Por um momento, o silêncio entre elas foi preenchido apenas pelo brilho suave das partículas que ainda dançavam ao redor. Então, Jinx estendeu a mão, tocando de leve o queixo de Astra para forçá-la a olhar nos seus olhos.
━━━ Pequena? Frágil? Indefesa? ━━━ Jinx interrompeu, a voz mais firme agora. ━━━ Para de se torturar com isso, Ash. Não importa o que você era antes. O que importa é o que você é agora.
Astra a olhou, os olhos se suavizando levemente. Jinx tinha aquele jeito de simplificar tudo, de arrancá-la de seus próprios pensamentos como ninguém mais conseguia.
━━━ E o que eu sou agora, hein? ━━━ perguntou Astra, cruzando os braços.
Jinx inclinou-se para frente, parando a poucos centímetros de Astra. O sorriso dela suavizou-se, mas o brilho em seus olhos permaneceu intenso.
━━━ Minha pessoa favorita no mundo inteiro. ━━━ respondeu Jinx, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
[ . . . ]
Estar em bordéis não era algo que a chocava ou a fazia hesitar. Astra já era uma mulher adulta, mesmo que, às vezes, carregasse traços de uma juventude que ainda relutava em deixá-la. Silco nunca se importou em vê-la adentrar esses lugares, pois sabia que era lá que Astra fazia o que fazia de melhor, escavar informações.
Ela era esperta demais para ser sugada pelo mundo de prazeres passageiros e promessas vazias que esses lugares ofereciam. Mesmo que o ambiente tentasse seduzi-la, puxando-a para a borda com sorrisos convidativos e olhares calculados, Astra permanecia inabalável.
Ela não precisava deles. De nenhum deles. Porque, no final do dia, Astra sabia que tinha algo melhor. Muito melhor. Ela tinha Jinx. A melhor pessoa de Zaun, talvez até do mundo inteiro, em sua opinião. Jinx era caos e beleza, destruição e amor. Ela era tudo que Astra precisava, tudo que a fazia querer voltar para casa quando o peso de Zaun parecia demais.
E era isso que a mantinha focada enquanto caminhava pelo Brothel Bizarre. Para ela, todos ali eram insignificantes como pessoas, mas valiosos como peões. Prostitutos e clientes não passavam de peças descartáveis, mas suas palavras, seus sussurros no calor de conversas íntimas, essas eram armas.
Ela sabia onde procurar, sabia como ouvir sem ser ouvida. Em um lugar como aquele, Astra era um fantasma, uma sombra que flutuava entre os becos escuros e os quartos apertados, absorvendo verdades que ninguém achava que estavam sendo ditas.
Ela se chamava Perdylla, ou algo assim. Uma prostituta novata no Brothel Bizarre. Desde que havia chegado, Perdylla parecia saber de tudo. Seus ouvidos captavam cada sussurro abafado, cada segredo mal contado entre os lençóis ou ao pé do balcão. E, por alguma estranha coincidência do destino, ela era completamente fascinada por Astra.
Não porque Astra a cobiçava. Muito pelo contrário. Era porque Astra fazia algo que ninguém mais fazia, ouvia-a sem qualquer intenção de tirar suas roupas. Era esse detalhe, tão simples, mas tão incomum naquele lugar, que fazia Perdylla gravitar em torno dela. Ela falava, Astra escutava. E, mesmo quando o tom dela escorregava para algo mais ousado ou quando tentava incluir insinuações, Astra a cortava no momento certo, de maneira direta e eficaz.
Perdylla sabia onde estavam os limites. Ela sabia que Astra poderia destrinchá-la, tanto com palavras quanto com lâminas, se cruzasse a linha. E sabia que qualquer tentativa de flerte, por menor que fosse, seria imediatamente esmagada. Astra não jogava esse tipo de jogo, e Perdylla, inteligente o suficiente para reconhecer isso, não arriscava.
Mas isso não a impedia de admirar. Era uma troca justa, Astra trazia dinheiro e um interesse genuíno pelas informações que Perdylla recolhia, enquanto a garota entregava segredos que valiam ouro. Naquele lugar, isso era quase um milagre.
E então havia Jinx. Ah, Jinx e Perdylla. As duas eram como faísca e gasolina. Ambas não se suportavam, mas tentavam ser apaziguadoras quando a situação exigia. Jinx sabia que Perdylla era útil, não apenas como uma fonte de informações, mas também porque ela era uma das poucas pessoas que não corria para Babette com notícias de Astra e Jinx aparecendo por lá.
Jinx, entretanto, sempre desconfiava. Para ela, Perdylla era ambígua demais. Havia algo naquele sorriso fácil, na forma como ela parecia se derreter quando Astra estava por perto, que a fazia rolar os olhos e cruzar os braços em puro desdém.
━━━ Se ela falar mais uma palavra boba, eu vou explodir esse lugar. ━━━ Jinx murmurava entre dentes, sempre ao lado de Astra, com um olhar tão protetor quanto ciumento.
Astra, por sua vez, sempre mantinha o equilíbrio. Sabia do valor de Perdylla e da irritação de Jinx. Era um jogo complicado, mas, como tudo em Zaun, era uma questão de sobrevivência, e ela sabia jogá-lo bem.
E lá estava ela novamente, jogada no sofá de couro falso vermelho, os braços relaxados atrás da cabeça, enquanto os pés ocupavam descaradamente o espaço da mesa de centro. Astra parecia completamente alheia à tensão que pairava no ar, como se fosse a dona do lugar.
Do outro lado da sala, Babette servia uma xícara de uísque barato, o líquido âmbar deslizando pela garrafa com uma precisão hesitante. Seus dedos tremiam ligeiramente enquanto colocava os copos sobre a mesa, mas ela fingia não notar, ocupando-se em esconder a inquietação que a presença de Astra trazia.
Porque, claro, ter Astra ali era raro para Babette.
E era desconcertante, quase perturbador. A filha de Silco, casualmente sentada em seu sofá, como se não houvesse nada de errado no mundo. Era como assistir um predador entrar em uma sala e se deitar no chão, fingindo ser inofensivo.
Para Babette, aquilo era como assinar uma sentença de morte sem ler as letras miúdas.
━━━ Posso perguntar por que você está aqui, querida? ━━━ disse Babette finalmente, sua voz tingida com uma falsa doçura que não mascarava o nervosismo.
Ela pegou o copo com uma mão, girando o líquido preguiçosamente, enquanto os olhos observavam Babette com um brilho enigmático.
━━━ Estou curiosa. ━━━ disse finalmente, com um tom quase casual. ━━━ O que as pessoas andam dizendo por aqui? O que está quente no momento?
Babette hesitou, o nervosismo crescendo em sua postura.
━━━ Depende do que você quer ouvir. Ou melhor, depende do que você já sabe.
Astra inclinou a cabeça, um sorriso lento surgindo em seus lábios. Era isso que a tornava tão desconfortável. Ela não precisava gritar ou intimidar. Ela fazia perguntas casuais, mas cada palavra parecia carregada de um peso invisível, um aviso silencioso de que as respostas erradas teriam consequências.
Babette sabia disso. E era exatamente isso que fazia seus dedos tremerem enquanto ela tentava fingir que tudo estava sob controle.
━━━ Eu quero saber sobre a garota que andou perguntando sobre o meu pai e a Jinx. ━━━ Astra murmurou, cruzando os braços na altura dos seios.
O gesto, as palavras, tudo fez Babette travar. Sua mão segurou o copo tão firmemente que as pontas dos dedos ficaram claras, ela engoliu em seco, mas tentou parecer normal. Babette hesitou, evitando olhar diretamente para Astra enquanto passava o copo pela mesa.
━━━ Garota? Que garota? Não sei de nenhuma...
Astra arqueou uma sobrancelha, os olhos fixos nela como lâminas afiadas.
━━━ Babette. ━━━ disse, o nome saindo de seus lábios como um aviso. ━━━ Eu sei que você sabe. Não faça eu perguntar de novo.
O silêncio caiu como uma pedra entre elas. Babette respirou fundo, os dedos agora apertando o avental com força.
━━━ Uma das minhas garotas ouviu uma conversa. ━━━ admitiu finalmente, a voz quase um sussurro. ━━━ Uma menina nova, talvez da Cidade Alta, talvez só uma espertinha que acha que pode mexer no que não deve. Ela fez perguntas... perguntas demais.
Astra permaneceu imóvel, enquanto Babette continuava, como se as palavras fossem um confessionário.
━━━ Ela estava tentando descobrir sobre a explosão no Dia do Progresso, aquela que matou os porcos fardados.
Os olhos de Astra se estreitaram levemente. A menção ao Dia do Progresso trouxe um turbilhão de imagens em sua mente, o caos, o brilho das explosões, o som ensurdecedor que reverberava pelas ruas de Piltover. E, é claro, Jinx.
━━━ O que mais ela disse? ━━━ perguntou, a voz firme, mas controlada, como um fio de aço prestes a se romper.
━━━ Ela queria saber sobre quem poderia ter feito aquilo... e mencionou a garota de cabelos azuis. ━━━ o sangue de Astra gelou, era um detalhe que Babette não precisava dizer explicitamente. ━━━ Ela se perguntou sobre o envolvimento dela com... com Silco.
━━━ E onde ela está agora? ━━━ isso foi o suficiente. Astra se inclinou levemente para frente, os olhos brilhando com uma mistura de raiva.
━━━ Desapareceu. ━━━ Babette balançou a cabeça. ━━━ Não sei se alguém a calou ou se ela fugiu, mas ninguém viu mais nada dela desde então.
Astra apertou os lábios, as engrenagens de sua mente girando rapidamente. Havia algo errado. Zaun não era gentil com os curiosos, muito menos com pessoas da Cidade Alta.
Ela se levantou, o couro do sofá rangendo suavemente com o movimento. As botas pesadas de Astra bateram contra o chão de assoalho velho, o som ecoando pelo ambiente abafado. Cada passo parecia mais alto do que o necessário.
Babette observava em silêncio, os dedos ainda apertando o avental com força, os nós brancos pela tensão. Astra não disse nada. Ela se virou para a porta com um movimento fluido, as mãos empurraram a porta com força, e o som da madeira velha rangendo misturou-se com o ruído abafado lá fora.
Quando Astra atravessou a saída, o ar pesado que preenchia a sala pareceu se dissipar. Babette soltou um longo suspiro, um alívio que estava preso em sua garganta durante toda a conversa. Seus ombros relaxaram levemente, mas o olhar dela permaneceu fixo na porta aberta, como se esperasse que Astra voltasse a qualquer momento.
━━━ Mentirosa. ━━━ foi a única coisa que deixa os lábios de Astra, sua voz baixa e carregada de algo entre raiva e frustração.
Antes que pudesse processar o momento, seu corpo trombou com algo, ou alguém. Um impacto firme que a faz dar um passo para trás, o som dos sapatos ecoando pelo chão. Ela levanta o olhar, os músculos tensos. A figura à sua frente está de costas, alta, musculosa, com uma postura que parecia tão familiar quanto uma memória enterrada.
Astra sentiu o ar escapar de seus pulmões, como se o mundo ao seu redor tivesse parado para assistir àquele instante. Cada fibra de seu corpo congelou, presa em um equilíbrio tênue entre a descrença e a antecipação.
A figura se virou lentamente, o movimento arrastando o tempo consigo, tornando cada segundo uma eternidade. Era quase cruel. O som abafado de seus próprios batimentos cardíacos era tudo o que Astra podia ouvir enquanto os contornos do rosto da outra pessoa finalmente se tornavam nítidos.
E então, ela viu.
Seu coração vacilou, errando uma batida frenética que reverberou como um trovão dentro de seu peito. A boca se abriu, formando um perfeito "O", enquanto os olhos de Astra se arregalaram, absorvendo cada detalhe do rosto que ela nunca esqueceu.
É ela.
Depois de sete anos. Sete longos anos. Anos preenchidos com perguntas sem resposta, suposições que a deixavam acordada à noite, mentiras que corroíam a realidade, e memórias fragmentadas que pareciam uma brincadeira cruel. E agora, ali estava ela.
Parada bem à sua frente.
Como um fantasma que decidiu desafiar o impossível e tomar forma, moldado em carne, osso... e lembranças que Astra mal conseguia encarar sem sentir um nó se formar em sua garganta.
━━━ Violet? ━━━ o nome escapou de seus lábios como um sussurro, frágil e hesitante, quase inaudível.
Astra não sabia se o disse para si mesma ou para a figura diante dela, mas não importava. Ali estava Violet, trazendo consigo tudo o que Astra e Jinx acreditavam ter deixado para trás.
E Violet parecia tão surpresa quanto Astra. Seus olhos, fixos nos de Astra, carregavam uma mistura de choque e raiva, como se estivessem revivendo algo que ambas haviam enterrado há muito tempo. Sua respiração estava acelerada, o peito subindo e descendo de forma irregular, traindo a calma que talvez estivesse tentando manter. Parecia que o tempo havia golpeado ambas com um momento para o qual nenhuma delas estava preparada.
O silêncio entre elas foi ensurdecedor, preenchido por tudo o que não era dito. Era como uma tempestade comprimida dentro de um espaço pequeno demais para contê-la, pulsando entre elas, ameaçando explodir a qualquer instante.
Os olhos de Astra percorreram o rosto de Violet, buscando algo, qualquer coisa, que explicasse a presença dela ali. Por que agora? Por que aqui?
Silco havia mentido. Claro que ele havia mentido. Ele sempre mentia, torcendo a verdade até ela se moldar ao que ele precisava que fosse. Mas dessa vez, a mentira doía de forma diferente.
Ele garantira a Jinx que sua irmã estava morta. Que Zaun a havia partido em inúmeros fragmentos, reduzindo-a a nada mais do que um fantasma na memória. Ele prometeu isso, como uma forma de consolo envenenado, garantindo que o passado estava enterrado, inalcançável, irrecuperável.
Mas ali estava ela. Viva. Real. Intacta, ao menos na aparência, mas carregando o peso de sete anos de silêncio como uma cicatriz invisível.
Ele havia mentido. Porque ele sempre mentia. Mesmo quando dizia que era para protegê-las. Mesmo quando dizia que as amava.
Astra deu um passo à frente, hesitante, como se cada movimento pudesse desfazer a imagem diante dela. E Violet não se moveu, como se o mínimo deslocamento pudesse quebrar a tênue realidade que compartilhavam naquele momento.
━━━ Você... está viva. ━━━ finalmente, Astra quebra o silêncio, as palavras saindo com um misto de incredulidade e raiva reprimida.
Violet dá um passo à frente, os olhos se suavizando por um breve momento antes de endurecerem novamente.
━━━ Onde tá' a minha irmã? ━━━ Violet disparou, sua voz firme e carregada de algo que Astra não conseguia decifrar.
A menção a Jinx foi como um estalo em Astra. O peito apertou, e ela sentiu as defesas se erguerem instantaneamente. Jinx não era só uma irmã para Violet. Agora, ela era o mundo de Astra também.
Ela deu um passo à frente, igualando a distância entre as duas.
━━━ Fica longe dela.
E então veio o baque.
O som seco reverberou pelo espaço, ecoando como um trovão em meio ao silêncio tenso. O punho de Violet colidiu com o rosto de Astra com uma força que ia além do físico. Era cruel, carregado de mágoa e algo mais profundo do que raiva, era decepção.
Astra cambaleou para trás, os pés arrastando no chão enquanto o mundo ao seu redor parecia girar por um breve instante. Sua cabeça tombou de lado, o choque percorrendo seu corpo como uma onda. Os dedos subiram instintivamente até o rosto, encontrando a pele quente e dolorida. O gosto metálico de sangue se espalhou em sua boca, uma lembrança amarga do golpe.
Ela se apoiou na parede próxima, às mãos tateando cegamente em busca de estabilidade enquanto tentava organizar a respiração descompassada. A visão piscava entre borrões e flashes de clareza, mas logo voltou ao foco.
O silêncio que se seguiu era quase mais insuportável que o impacto.
Astra ergueu o olhar, fixando-o em Violet. Não havia surpresa em seus olhos. Apenas dor. E um desprezo que cortava mais fundo do que qualquer soco.
━━━ É assim agora? ━━━ murmurou Astra, passando as costas da mão pelo canto da boca, limpando o sangue que manchava sua pele. Olhou para o vermelho vivo em sua mão com uma calma inquietante antes de erguer os olhos novamente. ━━━ Você bate antes de ouvir?
Violet não respondeu de imediato. Seu punho ainda estava fechado, os dedos tremendo com a tensão acumulada, como se ela estivesse segurando o resto da raiva que ainda pulsava em suas veias. Seus olhos queimavam, mas era claro que por trás do fogo havia algo mais frágil, algo que ela não queria que Astra visse.
━━━ Você... ━━━ Violet começou, mas sua voz falhou, traindo o controle que ela tentava manter. Respirou fundo antes de continuar, com a força que ainda lhe restava. ━━━ Você está do lado dele, não é?
As palavras acertaram Astra de uma forma diferente, como um golpe que vinha de dentro para fora, arrancando o ar de seus pulmões. Ela estreitou os olhos, sentindo a acusação se instalar no peito como um peso.
━━━ Não é tão simples assim, Violet.
O nome escapou de seus lábios como um estalo. Astra não recuou. Ela ergueu o queixo, mesmo com a dor ainda latejando em seu rosto. Porque isso não era sobre o soco.
━━━ Não é tão simples assim? ━━━ Violet repetiu, sua voz tremendo de indignação. ━━━ Você sabe o que ele fez. Você sabe o que ele fez comigo, com a Powder. E mesmo assim...
Ela parou, como se as palavras fossem difíceis demais de dizer. Astra segurou o olhar dela, firme, mas por dentro sentia-se desmoronar.
━━━ Eu sei. ━━━ sua voz era um sussurro agora. ━━━ Mas ele ainda é meu pai, e a pow- a Jinx está muito bem agora.
Violet soltou uma risada amarga, um som carregado de dor e ironia que reverberou no espaço entre elas.
━━━ Muito bem? ━━━ ela cuspiu a palavra como se fosse veneno. ━━━ Você acha que é isso que ela tem agora? Você acha que viver neste inferno de ilusões, sufocada por mentiras e manipulação, é muito bem?
A cada palavra, Violet avançava um passo, a fúria brilhando em seus olhos como uma chama indomável.
━━━ Você não entende, Violet. ━━━ a voz de Astra tremeu, mas não recuou. ━━━ Eu sei o que ele fez. Eu sei que ele a quebrou de maneiras que ninguém deveria ser quebrado. Mas agora ela é tudo que resta, tudo que eu...
A voz de Astra falhou, a emoção transbordando antes que ela pudesse completar a frase.
━━━ Tudo que você o quê? ━━━ Violet interrompeu, sua voz baixa. ━━━ Tudo que você tenta justificar? Tudo que você finge que está consertando enquanto ele continua controlando tudo?
O silêncio caiu entre elas, pesado e sufocante. Astra desviou o olhar por um breve momento, sentindo a culpa crescer dentro de si como um peso insuportável.
━━━ Ela não precisa de mais guerra, Violet. ━━━ a voz de Astra saiu baixa, quase um sussurro. ━━━ Ela não precisa de mais dor.
━━━ E você acha que eu quero isso? ━━━ Violet disparou. ━━━ Eu daria tudo para tirá-la disso. Para trazê-la de volta. Mas enquanto você continuar protegendo ele... ━━━ ela fez uma pausa, respirando fundo, como se as palavras fossem difíceis demais de dizer. ━━━ Enquanto você continuar fingindo que ele pode ser qualquer coisa além do monstro que ele é, ela nunca vai ter uma chance de verdade.
Astra levantou o olhar, seu coração pesado com as palavras de Violet. Ela alcançou a adaga presa no cinto com uma velocidade surpreendente, seus olhos ganhando um tom alaranjado escuro, as sobrancelhas se franziram em uma carranca, e Astra a atirou na direção do abdômen de Violet. O som foi seco e sem emoção, mas a adaga perfurou uma quantidade de carne que a faria lembrar por dias.
O som da adaga cortando a carne de Violet foi quase imperceptível, mas a expressão em seu rosto, o pânico que se seguiu à dor, foi clara. Ela olhou para a lâmina cravada em seu abdômen, os olhos se estreitando enquanto o sangue começava a escorrer pela ferida.
Astra estava em pé, como uma tempestade prestes a desabar. A raiva que queimava em seu peito não era mais contida, era uma força incontrolável, uma necessidade desesperada de proteger Jinx a qualquer custo. Ela não se importava mais com o que estava em jogo, com o preço que teria que pagar. Jinx era tudo, e ela não deixaria que ninguém a afastasse dela.
━━━ Jinx é tudo o que me resta, e eu não vou deixar você tirá-la de mim. ━━━ Astra murmurou na orelha de Violet, antes da garota acerta-la com outro soco e se afastar.
Violet, com um gesto rápido, tirou a adaga de seu corpo e cambaleou para trás, pressionando a mão contra o ferimento enquanto sua respiração se tornava mais difícil. O olhar dela se transformou, da raiva pura para algo mais calculista, uma mistura de dor e desespero. O sangue ainda escorria, mas ela não recuou.
━━━ Não vai tirar a Powder de mim. ━━━ as palavras saíram baixas, quase roucas, como se a dor tivesse levado a força de sua voz.
Astra sentiu a tensão aumentar. O nome de Powder soou como um grito em sua mente, algo que cortou sua consciência e a fez questionar tudo o que acreditava estar protegendo.
━━━ É Jinx! ━━━ a resposta de Astra foi feroz, os dentes cerrados enquanto ela avançava, mas sua voz estava tensa. ━━━ E ela não é sua. Não mais.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro