ִ ۫💣 ּ prefácio ⃝𖥻 ִ ۫ ּ ﹗
୨ᅠᅠ﹙ prefácio﹚zaun não é gentilᅠᅠ୧
࣪៹ 𝄒 ˖ ࣪ 𓂃 ۫ . - capítulo zero, author's point of view ꜝꜞ ᳝ ࣪ᅠ ៹ 💣 ✶ ۫
ㅤㅤㅤTudo o que se via do horizonte em diante era uma massa interminável de caos e ruínas tingida de vermelho. Não havia formas definidas, apenas um borrão grotesco onde os contornos do mundo haviam sido consumidos pelo fogo e pelo sangue. Era tão brutal que parecia uma ferida aberta na terra.
Os destroços se amontoavam como montanhas deformadas, restos do que um dia foram casas, comércios e vidas. Telhas quebradas e madeiras carbonizadas competiam por espaço com vigas retorcidas e pedaços de pedras enegrecidas. Tudo exalava um cheiro metálico e enjoativo, uma mistura de sangue, fumaça e carne queimada.
O sangue estava escorrendo em fios viscosos pelas rachaduras no solo, formando pequenas poças que refletiam o brilho alaranjado das chamas ainda vivas. Ele parecia ser a tinta de um pintor cruel, que havia usado aquela paisagem como uma tela para expressar a miséria absoluta.
Não havia mais fronteiras entre o que era céu e terra, o horizonte fora apagado pela fumaça densa e pelas cinzas que flutuavam no ar como neve macabra. Onde antes havia uma cidade, agora restava apenas o barulho de explosões e gritos, e uma visão que se confundia com o próprio inferno.
Astreyd não sabia como gritar. O som parecia uma pedra enterrada no fundo de sua garganta, pesada e imóvel, sufocada pelo véu de poeira e fuligem que tapava suas vias respiratórias. Cada tentativa de emitir um ruído se transformava em um arquejo áspero, uma luta vã contra o ar saturado de destruição.
A fumaça era densa como um pesadelo, enroscando-se em tudo que seus olhos podiam alcançar. O mundo ao redor parecia mergulhado em uma escuridão opaca, onde as cores da vida haviam sido apagadas, restando apenas tons de cinza, vermelho e preto.
Mas Astreyd permanecia de pé.
Com o braço ferido, ela tentava cobrir os olhos. O outro pendia ao lado do corpo como um fardo morto, sem forças. Sangue quente escorria por sua testa, misturando-se à fuligem e traçando um caminho tortuoso pelo rosto pálido, queimado pelo calor das chamas.
Diante dela, a devastação se estendia em todas as direções. Os gritos tinham cessado, deixando para trás um silêncio monstruoso, quebrado apenas pelo estalo ocasional de madeiras queimadas e o som distante de estruturas desabando. O que a guerra havia feito... o que as patrulhas haviam causado...
Haviam corpos, alguns amontoados, outros abandonados onde haviam caído. As casas, outrora refúgios de vidas simples, eram agora esqueletos carbonizados.
Astreyd sentiu algo quebrar dentro de si. Uma parte de sua alma parecia ter se despedaçado junto com as paredes da cidade. As lágrimas escorriam por suas bochechas arranhadas, traçando caminhos paralelos aos cortes e à sujeira. Ela mal conseguia contê-las.
Os passos ecoaram antes que ela os visse. A poeira que pairava no ar vibrou levemente, seguida por vozes abafadas. Patrulheiros. Seus uniformes escuros começaram a emergir através da névoa de destruição, suas figuras alinhadas em uma formação precisa.
Astreyd estava imóvel, os joelhos arranhados pelo chão áspero, o coração pulsando como um tambor ensurdecedor em seus ouvidos. As pernas trêmulas ameaçavam ceder, mas algo dentro dela se recusava a cair completamente.
━━━ Tem uma ali! ━━━ gritou um deles, apontando para a menina. Astreyd tentou recuar, mas tropeçou em uma viga quebrada, caindo de joelhos.
━━━ Facilitem o trabalho, peguem-na logo! ━━━ ordenou outro, aproximando-se.
Quando uma mão forte agarrou seu braço, Astreyd lutou, mas era inútil. Seu corpo estava fraco demais.
━━━ Não vai resistir, vai? ━━━ zombou o homem, apertando o braço dela com força.
O barulho cortou o ar antes que qualquer coisa acontecesse. Não uma explosão, nem um grito, mas algo mais visceral, o som seco de um golpe. Um dos patrulheiros caiu para trás, com a garganta aberta em um movimento tão rápido que parecia um borrão.
O pânico se instaurou.
━━━ Quem diabos está aí, porra?! ━━━ gritou alguém, enquanto outro patrulheiro sacava sua arma.
As figuras continuavam a lutar entre sombras e luz, os movimentos rápidos demais para que Astreyd pudesse entender. Cada golpe ecoava como trovões abafados, seguidos pelo som de corpos colidindo com o chão. O cheiro metálico de sangue tornava o ar ainda mais pesado.
Ela tentou se levantar, apoiando-se em um pedaço de madeira chamuscado, mas seu corpo ainda estava fraco. Antes que pudesse fazer qualquer movimento, uma voz cortou o caos ao seu redor.
━━━ Alastor...
O nome ecoou, tão distinto e fora de lugar que a fez virar a cabeça abruptamente. Entre as nuvens de poeira e o brilho alaranjado das chamas, uma figura emergia. Uma mulher corria, os passos incertos e desesperados, como se fugisse de algo invisível.
Astreyd sentiu seu coração parar por um momento. Ela reconheceria aquele rosto em qualquer lugar, mesmo coberto de fuligem, os cabelos desgrenhados e os olhos aterrorizados.
━━━ Mamãe? ━━━ a palavra saiu em um fio de voz.
A jovem tropeçou, mas forçou as pernas a se moverem. Ela correu, sentindo o calor das lágrimas escorrendo por seu rosto. Quando finalmente alcançou a mulher, lançou-se em um abraço desesperado.
A reação não foi o que ela esperava. A mulher se sobressaltou, recuando bruscamente e empurrando Astreyd com uma força que a fez cambalear. Os olhos da mãe estavam arregalados, transbordando de pavor.
━━━ Astreyd? ━━━ a voz da mulher era um sussurro trêmulo.
━━━ Sou eu, mamãe. Eu achei que nunca mais te veria. ━━━ respondeu a menina, sua voz entrecortada por soluços enquanto tentava abraçá-la novamente.
Dessa vez, a mulher não resistiu. Seus braços, antes rígidos, envolveram Astreyd em um gesto hesitante, quase mecânico. Ela retribuiu o abraço, mas seus movimentos eram fracos, como se estivesse apenas imitando o gesto sem realmente senti-lo.
Os braços da mulher tremiam. Seus olhos estavam perdidos, fixos em algo que Astreyd não conseguia enxergar. Ela parecia congelada em um horror distante, como se as lembranças dos últimos dias estivessem gravadas em sua mente, incapazes de serem apagadas.
━━━ Eu achei que tinha perdido você... ━━━ Astreyd murmurou, apertando o abraço.
A mulher não respondeu. Sua mente estava cheia de imagens que ela não queria reviver. O marido sendo arrastado pelos patrulheiros, o som dos gritos dele ecoando, a brutalidade com que fora destruído diante de seus olhos. Ela lutava para se manter presente, mas o pavor ainda dominava seu corpo.
Com um último olhar para os arredores, a mulher puxou Astreyd pela mão.
━━━ Temos que sair daqui. Agora. ━━━ sua voz era baixa, quase apagada.
Enquanto se afastavam, Astreyd lançou um último olhar para a luta. As figuras continuavam a cair, mas uma delas se destacava, uma presença sombria, quase sobrenatural, que parecia dominar os patrulheiros com uma fúria controlada.
Ela queria parar, queria entender, mas sua mãe apertou sua mão com força, puxando-a para longe da destruição. Astreyd seguiu, sem saber que, no caos deixado para trás, a sombra que lutava contra os patrulheiros havia notado sua ausência.
[ . . . ]
A mãe puxou Astreyd pelos becos sinuosos da subferia, o labirinto de escuridão e ruínas engolindo-as a cada passo. A poeira que sufocava o ar parecia menos densa ali, e os gritos e explosões ficaram para trás, como um eco distante de um pesadelo que teimava em segui-las.
Os pés descalços de Astreyd tropeçavam nas pedras irregulares do caminho, enquanto a mãe, com uma força desesperada, mantinha seu aperto firme no pulso da menina. As mãos dela tremiam, a pele fria como gelo, mas o ritmo frenético não diminuía.
Finalmente, encontraram abrigo em um canto escuro de uma construção parcialmente destruída. A mãe largou Astreyd com um gesto brusco, encostando-se na parede suja para recuperar o fôlego. Sua respiração era irregular, os ombros subindo e descendo como se carregassem o peso do mundo.
Astreyd a observava, confusa e assustada. O rosto de sua mãe estava irreconhecível, uma máscara de fuligem, suor e terror.
━━━ O que está acontecendo? ━━━ Astreyd sussurrou, a voz trêmula. Ela tentou tocar no braço da mãe, mas recuou ao ver como ela se encolheu ao menor contato. ━━━ Onde está o papai?
O olhar da mãe vacilou, fixando-se em algum ponto no vazio. Suas mãos tremiam enquanto ela segurava o rosto, como se quisesse arrancar a imagem que se repetia em sua mente.
━━━ Ele... ele ficou para trás. ━━━ as palavras saíram em um sussurro abafado, quase inaudível.
━━━ Por quê? ━━━ insistiu Astreyd, a confusão crescendo em sua voz. ━━━ Ele sempre volta, ele sempre cuida de nós.
A mãe deixou escapar um riso curto, amargo, que rapidamente se transformou em um soluço.
━━━ Ele... cuidava... ━━━ murmurou, as palavras quase se dissolvendo no ar. ━━━ Mas ele não pôde. Não dessa vez.
Astreyd encarava a mãe, tentando entender. Apesar de tudo o que sabia sobre o pai, suas explosões de raiva, seus castigos cruéis e o medo que ele provocava, ainda era difícil aceitar que ele não estava ali para salvá-las. Ele era, afinal, a figura que definia suas vidas, o centro de tudo, ainda que fosse um sol cruel que queimava tudo ao seu redor.
A mãe se sentou, puxando os joelhos contra o peito. Seu corpo inteiro tremia.
━━━ Não consigo... ━━━ ela murmurou para si mesma, os olhos fixos nas mãos manchadas de sangue seco. ━━━ Ele sempre soube o que fazer. Sempre...
Astreyd observou a mãe com uma mistura de pena e angústia. Por toda a sua vida, ela vira aquela mulher se moldar aos caprichos do pai, dobrar-se como uma folha sob a tempestade, enquanto ele decidia tudo, quem podiam ver, onde podiam ir, até o que podiam sentir. Ele era um assassino, um monstro para o mundo exterior, mas dentro de casa era um tirano com sorrisos afiados e promessas vazias.
Mesmo agora, com ele ausente, sua mãe parecia incapaz de existir por conta própria. Ela tremia, como se o fio que a mantinha de pé tivesse se rompido.
━━━ Você precisa reagir! ━━━ Astreyd disse, desesperada, tentando agarrar os ombros da mãe para sacudi-la. ━━━ Nós conseguimos escapar! Agora temos que pensar no que fazer!
A mulher olhou para a filha com olhos vidrados, sem enxergá-la de verdade.
━━━ Ele era tudo... sem ele... como vou... ━━━ sua voz quebrou em soluços, a cabeça tombando contra as mãos.
Astreyd sentiu a raiva se misturar à dor. Tudo o que o pai havia feito com elas, as ordens, as ameaças, os castigos silenciosos, agora tinha deixado sua mãe tão quebrada que ela não conseguia sequer protegê-la.
━━━ Ele não vai voltar. ━━━ Astreyd disse, firme, ainda que sua voz também tremesse. ━━━ Nós estamos sozinhas agora. Você tem que... você tem que lutar por mim. Por nós!
A mãe apenas balançou a cabeça lentamente, como se a ideia de seguir em frente fosse tão impossível quanto voltar no tempo.
Astreyd sentiu um nó se formar em sua garganta. Ela sempre havia odiado o pai, mas agora, vendo o que ele tinha feito com sua mãe, como ele a havia reduzido a uma sombra de si mesma, a raiva cresceu em uma intensidade que ela nunca havia conhecido.
━━━ Eu vou cuidar de nós, então. ━━━ Astreyd murmurou para si mesma, seu pequeno corpo vibrando. ━━━ Mesmo que você não consiga.
A mãe não respondeu. Ela continuava encolhida, perdida em um vazio que Astreyd sabia que não poderia preencher. As lágrimas escorriam pelo rosto da jovem, mas ela as enxugou com a manga suja.
Zaun não era gentil. Nunca foi.
Para muitos, era apenas uma mancha sob a sombra de Piltover, onde os rejeitados, os esquecidos e os condenados encontravam seu lar. Para Astreyd, Zaun era um monstro vivo, pulsando com veneno e escuridão, pronto para devorar os que fossem fracos demais para sobreviver.
As ruas da subferia eram sufocantes, preenchidas com o cheiro de fumaça, metal corroído e decadência. Seus pés descalços, arranhados e ensanguentados, denunciavam o caminho que haviam percorrido às pressas.
━━━ Eu... preciso pensar... ━━━ murmurou a mãe, mais para si mesma do que para Astreyd.
O silêncio que se seguiu foi cortante. Astreyd encarava a figura frágil da mãe, ela parecia perdida, uma marionete cujas cordas haviam sido cortadas.
━━━ Espere aqui. ━━━ disse ela de repente, sem encará-la. Sua voz estava fria, ausente.
━━━ O quê? ━━━ Astreyd arregalou os olhos, alarmada. ━━━ Não! Você não pode me deixar aqui!
━━━ Só... espere. Eu volto logo.
Antes que Astreyd pudesse segurá-la, a mulher desapareceu nas sombras. Astreyd estendeu a mão, chamando por ela, mas as palavras morreram na garganta. A figura desapareceu tão rápido quanto surgira, deixando-a sozinha.
Zaun não era gentil, e Astreyd sabia disso melhor do que qualquer um.
O frio cortante envolveu seu corpo pequeno. Ela se encolheu contra os escombros de metal enferrujado, abraçando os joelhos com força. Seus olhos buscaram o céu, mas tudo o que encontrou foi uma camada espessa de poluição. Uma estrela tênue piscava ao longe, distante demais para trazer conforto. Já fazia tanto tempo que a mãe havia sumido, ela não voltaria?
Astreyd sentia como se estivesse presa em um ciclo interminável de desespero, onde cada nova onda de terror era um eco do passado que nunca conseguia escapar. O cheiro de fuligem e sangue nas ruas de Zaun era o aroma de sua infância roubada, a personificação de tudo o que seu pai havia deixado para trás.
Cada grito distante, cada sombra em movimento, trazia de volta os gritos abafados de sua mãe, a presença esmagadora de um homem que deveria tê-la protegido, mas que se tornou o fantasma mais cruel de sua história.
A sensação de abandono era um peso constante, uma âncora presa ao fundo do seu ser. Ela se lembrava da expressão vazia da mãe ao partir, um olhar que parecia dizer que Astreyd era apenas mais um fardo em uma vida já consumida pela dor.
Não importava o quanto tentasse entender, não conseguia evitar a pergunta que sempre retornava com força: Por que ela me deixou? Era uma ferida que ardia mais que qualquer golpe físico, um buraco que o tempo não preenchia.
O terror psicológico era como uma sombra viva, sufocante, sempre presente.
Não era apenas o medo do que podia acontecer agora, mas o peso do que já tinha acontecido. O pai era uma figura que oscilava entre proteção e tormento. Suas mãos, que deveriam ter sido carinhosas, eram instrumentos de controle. Sua voz, que deveria tranquilizar, era um trovão que fazia a jovem Astreyd se encolher, esperando o momento em que o silêncio se transformaria em caos.
As ruínas que ele deixou em sua alma eram mais profundas que as que a guerra havia esculpido nas ruas de Zaun. Ele a moldara com medo, culpa e confusão, criando um vazio onde deveria haver amor.
O mais terrível não era lembrar o que ele fazia, mas perceber como parte de sua identidade parecia ligada a isso. Era como se o monstro que ele fora tivesse deixado um pedaço dentro dela, algo que ela lutava para não deixar crescer.
E a guerra... a guerra não era só uma batalha externa, era uma guerra interna, uma luta contra os próprios pensamentos, as memórias sombrias que retornavam nos momentos de fraqueza.
As explosões distantes e o som de corpos caindo misturavam-se com os fragmentos de sua infância, o choro abafado da mãe, os olhos de seu pai brilhando com uma violência que nunca era contida.
Cada canto escuro de Zaun parecia um espelho distorcido de sua mente, mostrando a ela os pedaços quebrados que lutava para reconstruir.
Astreyd não tinha respostas, apenas o peso de perguntas demais. E no fundo, entre as ruínas de sua alma, crescia uma dúvida que ela não ousava enfrentar. Se meu pai era um monstro, o que isso faz de mim?
Deveria ser por isso que a mãe havia a deixado, porque ela era parecida demais com a parte sombria dele, ela era a personificação do monstro que machucava elas.
Então, ela ouviu passos.
A princípio, Astreyd não reagiu. Muitas pessoas passavam por ali todos os dias, como vultos sem rosto, apressados em seus próprios problemas. Mas esses passos não seguiram em frente. Pararam. Ela sentiu uma presença se aproximando, e quando ergueu o olhar, viu três figuras encostadas nas sombras.
━━━ Olha o que temos aqui. ━━━ murmurou um dos homens. Ele tinha um sorriso torto, dentes amarelados e olhos fundos, como um rato que fareja uma presa. ━━━ Uma criança perdida... ou abandonada?
Astreyd não respondeu. Ela sabia o que acontecia com as crianças que respondiam. Seus dedos finos apertaram ainda mais as pernas, como se pudesse desaparecer naquele pequeno espaço entre o metal e o concreto.
━━━ Você acha que ela vale alguma coisa? ━━━ perguntou o segundo, a voz arrastada, maliciosa. Ele era mais alto, com um olho remendado e uma cicatriz que lhe atravessava o rosto. ━━━ Talvez a gente consiga um trocado por ela. Ou, quem sabe...
O terceiro homem se aproximou, agachando-se ao lado dela. Ele estendeu a mão suja e encostou no rosto dela, deslizando o polegar pela bochecha suja de fuligem. Astreyd virou o rosto, mas não rápido o suficiente.
━━━ Ela é bonitinha, não é? Quem sabe... um pouco de diversão mesmo.
Havia algo nos olhos dele que a fez engasgar de medo. Era um olhar vazio, oco, como se ele não a visse como uma criança, mas apenas como uma coisa. Algo que ele podia usar, descartar. Ela sentiu o coração acelerar, e um soluço que não conseguiu conter escapou por seus lábios.
━━━ Por favor, me deixa em paz. ━━━ sussurrou Astreyd, a voz quase imperceptível, rouca de tanto chorar.
━━━ Ouviram isso? Ela implorou. ━━━ o homem de olho remendado riu, uma risada seca e cruel que ecoou pelas paredes sujas. Ele segurou o braço de Astreyd, puxando-a para fora do seu canto. Ela tentou se soltar, lutou, mas ele era forte demais. ━━━ Acho que vai ser uma noite divertida, garotinha.
Mas antes que ele pudesse arrastá-la para longe, um estalo ecoou na rua estreita. Era o som de algo cortando o ar. Rápido, preciso.
O homem que segurava Astreyd parou, olhos arregalados, como se não entendesse o que havia acontecido. Ele tentou falar, mas só conseguiu gorgolejar. Uma linha fina e vermelha apareceu em seu pescoço, e logo o sangue jorrou, manchando a camisa e o rosto dele. Ele caiu, soltando Astreyd.
Os outros dois homens congelaram, olhos varrendo as sombras, confusos e apavorados.
Foi então que Silco emergiu das trevas. Sua figura alta e esguia parecia feita da própria escuridão de Zaun, os olhos heterocromáticos brilhando com uma frieza mortal.
━━━ Eu sugiro que vocês corram. ━━━ ele disse, a voz suave como o veneno, carregada de uma ameaça silenciosa.
O homem do sorriso torto deu um passo para trás, gaguejando algo, mas foi tarde demais. Silco sacou uma lâmina fina, brilhando à luz fraca do beco, e a cravou direto na coxa dele. O grito de dor cortou o ar, mas Silco não recuou. Ele puxou a lâmina para fora, e o homem caiu de joelhos, segurando a perna ensanguentada.
━━━ Eu disse para correr. ━━━ repetiu Silco, inclinando-se para perto do rosto do homem. ━━━ Mas agora, acho que vou mudar de ideia.
O terceiro tentou fugir, mas a mão de Silco o pegou pelo colarinho. Com um movimento rápido, ele o lançou contra a parede, a cabeça batendo com um som surdo. O homem caiu inerte, desmaiado ou morto, Astreyd não sabia dizer.
A respiração dela estava ofegante, os olhos arregalados, mas não conseguia desviar o olhar. Silco se virou para ela, limpando o sangue da lâmina com um lenço, como se tivesse apenas derramado vinho.
Ele a observou por um momento, e então guardou a lâmina. Ele era uma presença escura, densa, como uma tempestade prestes a desabar. Mas naquele momento, ela viu apenas uma estrela, a única estrela que ainda brilhava fracamente pelos céus de Zaun.
Ele era um homem que exalava autoridade e perigo, e tudo em sua postura dizia que ele não era um salvador. Ele não era alguém que você deveria querer por perto, especialmente quando estava frágil. Mas Astreyd não tinha escolha. E, curiosamente, não sentiu medo. Ela deveria ter tremido, chorado ou se afastado. Mas não havia forças para isso, e Silco, por algum motivo que ele não saberia explicar, viu algo naquela pequena figura encolhida que o fez parar.
Ele se ajoelhou diante dela, lentamente, como se temesse assustá-la. Mesmo de perto, ele parecia uma estátua de pedra fria, com cicatrizes que contavam histórias que ela não ousava perguntar.
━━━ Você está bem? ━━━ perguntou, a voz estranhamente gentil.
Astreyd não respondeu, apenas estendeu a mão trêmula, ainda molhada com o sangue do homem. Silco olhou para aquela mãozinha e, em vez de recuar, segurou-a firmemente.
━━━ Zaun não é gentil. ━━━ ele disse, a voz tão suave que parecia cantarolar uma canção se ninar. ━━━ Mas você não precisa ter medo, não enquanto estiver comigo.
Astreyd olhou para ele, os olhos brilhando com lágrimas que não queria derramar, e apenas assentiu.
━━━ Você está sozinha? ━━━ Astreyd não respondeu, apenas assentiu com um pequeno movimento de cabeça.
Por um momento, Silco ficou imóvel, analisando-a. Ele sabia o que deveria fazer, o que qualquer pessoa em sua posição faria. Deixar a garota ali. Zaun não era lugar para fraquezas, e ele não podia se dar ao luxo de carregar mais um fardo. Mas, enquanto observava aqueles olhos grandes e cansados, viu algo que o fez hesitar. Talvez fosse a familiaridade de um abandono antigo, uma lembrança amarga que ele pensou ter enterrado.
Ele estendeu a mão, hesitante, como se estivesse quebrando uma regra invisível.
━━━ Venha. ━━━ ele disse.
Astreyd não perguntou para onde iriam. Não hesitou. Com as pequenas mãos trêmulas, ela segurou a mão dele. Era fria e calejada, mas também segura.
━━━ Qual é o seu nome? ━━━ ele perguntou enquanto a levantava.
━━━ Astreyd. ━━━ ela murmurou, quase inaudível.
━━━ Um nome grande para alguém tão pequena. ━━━ ele comentou, sem sorriso.
Mas havia algo diferente em sua voz agora. Menos aço, mais dúvida.
Enquanto caminhavam juntos pela rua escura e lamacenta, a figura pequena de Astra se escondeu sob o casaco dele. Ela não sabia o que viria a seguir, mas sentia que, de alguma forma, havia sobrevivido ao pior.
Silco a olhou de relance, uma vez mais, e se perguntou se estava cometendo um erro. Mas a mãozinha dela ainda apertava a dele, e por algum motivo, ele não a soltou.
Talvez ele soubesse, mesmo naquela noite, que estava prestes a criar um monstro.
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