Capítulo 1
1 semana antes
Desperto com choro de criança, mas não abro os olhos. As vezes o escuro que olhos fechados nos presenteiam é melhor que a claridade da realidade que nos aguardam. No entanto, o dever me chama e abro os olhos encarando o velho teto quase branco do quarto que divido com mais 10 garotas. Olho ao redor e vejo todas despertando aos poucos.
Clarisse é a primeira a pular da cama e arruma-lá. Certamente, esta com medo de alguma das superiores aparecer no quarto para verificar se já estamos acordadas e prontas para mais um dia de trabalho. Pois, é isso que todas as meninas de 10 aos 20 anos fazem aqui no AAL(Acolhimento Amor Lar), localizado em algum lugar em Ponta Porã. Um casebre de dois andares que já teve seus melhores dias, hoje as paredes por dentro são manchadas e descascadas. Por fora a aparência é bem melhor, acredito que para não chamar atenção. É aquele ditado que dona Gina sempre fala " Quem ver cara, não ver coração"
Enfim, ainda não sei como esse lugar não foi interditado.
Sento na cama largando meu velho travesseiro e faço meu ritual de todos os dias. Cruzo minhas mãos e as estico para o alto da cabeça, me alongando. Suspiro ao notar que o choro acabou. Desejo um bom dia a todos e recebo apenas um de volta. Queria que fosse apenas a preguiça delas, mas não é. Por algum motivo, elas não falam comigo. As vezes, até vejo abrirem a boca como se fossem falar, mas logo se arrependem e viram as costas. Diana é a única que me trata um tantinho bem. Suspiro.
Depois de arrumar minha cama caminho para o banheiro ao som do piso de madeira grunhido.
Olho surpresa para o corredor do banheiro ao ver que não tem fila.
– Luna. – Viro-me ao ouvir a voz de Diana. Sorrio observando ela caminhar até mim com seus lindos cabelos cor chocolate soltos. Diana para a uma curta distância, a olho confusa, então ela estica seus braços e me puxa para um abraço. Depois do surto de surpresa retribuo seu abraço.
– Parabéns atrasado, soube só agora que ontem foi seu aniversário.
Sorrio em agradecimento, eu não esperava que além de Gina alguém lembrasse. Ontem completei 19 anos e estou finalmente livre desse lugar. Essa casa, assim para mim e os outros, não é um bom local para se viver.
– Obrigada Diana, fico feliz que tenha lembrado. – agradeço com sinceridade quando nos separamos.
– Vai embora ou ficar até os vinte?– aos 19 podemos ir embora daqui, porém temos que esta sempre voltando ao local para dá satisfações. Já que ainda não estamos aptas para viver além do muro (palavras da diretora) e é aos 19 também que começamos a ter aulas sobre "como viver no mundo" ou então podemos esperar até os 20 anos e ir embora sem mais nenhum vínculo com o orfanato, o que significa não ter que pisar os pés aqui novamente. Confesso que estou bem confusa, quanto a ir ou esperar. Para quem já viveu 19 anos em um purgatório, mais um ano não fará diferença.
Encaro seus olhos verdes que me fitam com inveja, creio eu, e respondo:
– Ainda não decidi.– desvio o olhar.
– Você não parece muito feliz.– observa. Ponho uma mecha do cabelo atrás da orelha e a observo sobre os cílios.
– Não quero ter que deixar vocês. As crianças. – sinto meus olhos arderem. Eu deveria está feliz, não? Vou finalmente sair do lugar que sempre fui maltratada e humilhada. Mas, meu coração se aperta ao lembrar dos meus pequeninos nas mãos dos supervisores. E das jovens trabalhando mais do que deveriam.
O som de escarnio que Diana faz ganha novamente minha atenção e a encaro apreensiva devido sua expressão desacreditada. O rosto moreno vermelho de raiva.
– Não acredito que você vai ficar chorando feito uma molenga, ao invés de se mandar daqui quando finalmente tem oportunidade.– E é isso que ouço quando ela se vira revoltada e vai embora. Ainda ouço um resmungo seu antes de ela virar no corredor.
Idiota.
Foi isso que ela resmungou. Talvez eu realmente seja.
Não a culpo, pois sei que ela queria ter essa idade para cair no mundo ou ter uma outra oportunidade para fugir. Ela tentou uma vez e falhou. Lembro do castigo que a diretora à impôs e eu me ofereci a ir no seu lugar, pois ela já tinha levado uma surra no dia anterior. Estremeço ao me recordar desse dia.
Estranhamente (não que eu esteja reclamando por não ter tido mais) esse foi meu único castigo físico com marcas. Novamente estremeço. Desde este dia ela me trata um pouquinho melhor.
– Ficou cega palmito? Entra logo ou eu entro nessa merda.– pisco desorientada quando Clarissa me empurra. Olho para o banheiro e a porta está aberta, o pequeno espaço de azulejos cor creme, vazio.
– Ohh– abaixo os olhos envergonhada e entro no banheiro. Faço minha higiene e tomo um banho rápido, afinal se eu demorar mais de cinco minutos Clarissa arromba a porta.
– Bom dia minha doce Luna.– sou recebida na cozinha com um delicioso abraço.
– Bom dia Gina, seu vestido é lindo! – me afasto e a observo com um aperto no coração por ter que deixar a mulher que me deu carinho e me protegeu muitas vezes. Hoje ela está em mais um dos seus habituais vestidos floridos com bolsos quadriculados na frente. Os cabelos castanhos escuros em um coque.
– Ah, obrigada.– faz um gesto com a mão, como se não fosse nada – Sente-se menina.
Ela sorri e me puxa pela mão para sentar na mesa. Olho ao redor e não há mais ninguém na cozinha para lhe ajudar nos afazeres. O que acho uma covardia, pois minha Gina já é uma senhora de idade e não tem mais forças para além de cozinhar, ter que limpar o ambiente. Na verdade ela não limpa sozinha, nos a ajudamos. Porém, ainda assim acho que fica pesado para uma senhora que já passa da meia idade.
– Enquanto você come, vou lhe dando mais algumas advertências sobre o mundo.– dou risada, pois os seus conselhos são sempre os melhores. – Já sabe onde vai ficar? Claro que não, vocês vivem presas aqui, não conhecem ninguém lá fora.
Bufo, tendo que concordar. Somos criadas literalmente presas dentro desses muros, nossas aulas são aqui mesmo.
O máximo que podemos ir é no portão e com eles fechados.
Nunca entendi o porquê, mas tudo bem. Não é como se houvesse algo lá fora para mim, se tivesse para começo de conversa eu nem estaria aqui.
– Ainda não, mas vi em um dos jornais da diretora que na cidade tem um abrigo para moradores de rua. Eles dão teto a noite e comida. – digo esperançosa ao comer um pedaço de bolo, não mencionando que esse jornal é de muitos anos atrás. Ao ouvir a palavra jornal, Gina se vira assustada. Pois, é totalmente proibido qualquer tipo de interação com o mundo de fora.
– Jornal, menina? – cochicha de olhos arregalados.
– Sim, ela me entregou uma caixa com alguns livros e outras coisas para jogar fora e lá tinha esse e outros jornais. – conto baixinho, como uma menina que fez coisa errada. Bem, em minha defesa ela ia jogar fora.
E livros são sagrados!
Peguei todos que estavam na caixa e o jornal. Os livros escondo das superiores em baixo do colchão. E são graças a eles que aprendi algumas coisas.
Algumas meninas já me viram lendo eles, porém, nunca fui delatada. Não é que seja proibido ler, porém só podemos ler o que os professores nos passam e nada mais.
Gina suspira, olha para a porta por alguns segundos e então puxa alguma coisa do seu bolso.
– Tome, é pouco, mas vai te ajudar a se virar nós primeiros dias.– arregalo os olhos surpresa ao ver algumas notas de dinheiro em sua mão. – Pega logo, antes que alguém apareça.
Gostaria de recusar e dizer que não precisa, que já tenho tudo sobre controle, porém, não tenho nada sobre controle e é por isso que pego o dinheiro e guardo dentro do meu sutiã.
Levanto e dou a volta na mesa para abraçar a mulher que sempre cuidou de mim.
– Obrigada.– minha voz sai embargada.
– Me agradeça saindo o mais rápido possível desse lugar e sendo feliz. – declara e então decido ir embora em uma semana. Esse é o tempo que preciso para me despedir de minhas pequenas. – Quero te pedir algo, Luna.
– O que quiser. – murmúro ao me afastar.
– Só fale que vai deixar o olfanato para as superiores no dia que você for sair, de preferência com 15 minutos antes de ir embora.– Enrugo a testa confusa com seu pedido, mas acabo concordando sem fazer perguntas ao ver que o qual desconfortável ela está por me pedir isso.
***
– O que foi isso minha princesa?– abaixo analisando o pequeno braço de Byeol, onde tem marcas vermelhas. A pequena faz um bico e me abraça. Rodeio seu fino corpo e logo suas lagrimas molham minha blusa vermelha desbotada. Engulo em seco sentindo meu coração se comprimir. Estamos há alguns passos do quarto das crianças, após conversar por mais alguns minutos com Gina. Vim, para arrumar o quarto delas e as prepararem para o café da manhã e encontro a pequenina sentada no corredor encostada na parede, como todos os dias. Ela é sempre a primeira que acorda para sentar no corredor e me esperar.
– Shii.– Acario sua costa e dou um beijo em seus cabelinhos castanhos. Respiro fundo tentando acabar com as lágrimas. – Vai ficar tudo bem.
Digo, mas não tenho certeza se vai ficar. Ao sair daqui a primeira coisa que farei vai ser procurar as autoridades e denunciar o que acontece nesse abrigo. Juro a mim mesma.
– Lucécia, bateu neu Nuna.– Nuna. Sentirei falta. Afasto Byeol delicadamente pelos ombros e acaricio seu rostinho. Tento não encarar seus olhinhos vermelhos, pois sei que se eu encarar as lagrimas que estou segurando cairão.
– Sinto muito princesa.– digo com sinceridade. Levanto-me e estendo minha mão esquerda pra ela. – Vamos ver os outros, princesa Gi Byeol?
Ela assente animada ao escutar seu nome incomum, não sabemos muito como ela apareceu no olfanato. Apenas que foi em um lindo dia ensolarado e florido, algumas meninas dizem que quando ela entrou pelos portões nos braços da tia Gina, lindas borboletas as acompanhavam. Sorrio, não duvidando, afinal minha Byeol veio como um sopro delicado de bater de asas, seu sorriso é como as cores da mais linda borboleta que seduz os nossos olhos.
Caminho a passos lentos para acompanhar a pequena que vai a todo tempo conversando e rindo. Crianças são tão fáceis de agradar. Constato e percebo que talvez eu ainda seja uma criança. Byeol solta minha mão e corre para onde os pequeninos. Vejo Matilde, uma das superiores, arrumando o armário. Ao chegar mais perto escuto ela resmungar coisas desconexas. A mesma me olha de rabo de olho e fecha ainda mais a cara.
Vou com a pequenina a um canto onde os outros pequeninos estão encolhidos e vejo vários pares de olhares brilhantes me atingirem. Sorrio boba.
– Oi pequenos. – abraço todos e brinco um pouco com eles, ouvindo as reclamações de Matilde. Peço os pequenos para ficarem quietinhos por enquanto que arrumo as camas e eles concordam. Suspiro de orgulho e me encaminho a primeira cama, logo Matilde sai do quarto e agradeço a Deus por isso. Afinal meus pequenos ficam totalmente retraídos quando tem alguma superior no recinto.
***
2 dias antes de sair do olfanato
Estou sentada nos degraus da entrada do casarão observando o céu, que nesse momento está com tons alaranjados anunciando o fim do dia. E é nesse momento que ouço o portão sendo aberto e o reverendo Matias se aproximar.
Tinha esquecido que hoje seria sua visita.
Arrepio, é sempre assim quando ele está por perto. Arrepios que me fazem querer encolher em posição fetal e chorar assustada.
– Olá, menina.– estende a mão para que eu beije. Apenas inclino o corpo e encosto meus lábios em sua pele rapidamente. – Deus lhe abençoe.
Quando olho para cima, o jovem senhor está me encarando com seus olhos azuis sem brilho. O reverendo vem sempre as quintas, passa horas conversando com Lucrécia trancados em sua sala e depois mais algumas horas em meio as crianças, a nós. Nunca gostei dele, sempre agindo friamente. Suas falas, movimentos aparentam ser sempre devidamente calculados.
Porém, o meu medo por ele se desenvolveu ainda mais aos meus 14 anos. Quando estava no banheiro e ele entrou, e ficou me olhando banhar. E assim foi sempre que ele me via e ainda ver, como vai ser agora.
– Levante e vá para o seu quarto, já estarei indo. – aceno. Mas, que depressa me levanto e corro para o quarto. Coração disparado, olhos ardendo. Aos dezesseis, mas precisamente quando comecei a ler os livros que eram para ser jogados foras, descobri que o que ele faz não é certo. Não na idade que eu tinha e não sem minha permissão. Busco em minha mente se em algum momento dei essa permissão, e vejo que não.
Então, por que mesmo sendo errado continuo deixando ele fazer isso? Porque no livro que também li, diz que padre não se casa, que não pode tocar em uma mulher com segundas intenções.
Segundas intenções, também descobri o que é isso nos livros.
Ele nunca me tocou. Apenas olha e se vai. Sempre no final do número 20. As três primeiras vezes achei estranha sua atitude, claro, ela já é estranha, mas era ainda mais ao perceber que ele nunca ficava mais do que 20 segundos me olhando nua.
– Nunca se despiu?– troveja ao fechar a porta e pulo de susto. Reverendo Matias se encosta na porta fechada e cruza os braços, de olhos fechados. Me dispo completamente.
– Pronto. – sussurro.
– Já sabe o que fazer. – assinto mesmo que ele não possa ver e vou até o fim da sala. Murmúro um "pronto" novamente e então ele abre os olhos. E é nesse momento que começo a caminhar em sua direção, caminho contando. A cada número uma lágrima caí.
1,2,3
4,5,6
7,8,9...
15,16,17
18,19
20! Paro e e ele se vira já com a mão na maçaneta.
– Se comporte.
Sai e com sua saída ele também leva os últimos resquícios da minha dignidade.
Rapidamente começo a me vestir, o corpo tremendo a cada soluço. Como falei ele não faz nada, mas ainda assim o sentimento de humilhação, de sujeira se faz presente em meu corpo, em minha mente.
Está acabando.
Hoje todo mundo tirou o dia de folga para me irritar, essa é a única explicação.
Como se já não bastasse Julieta enchendo o meu saco para deixá-la ir em uma festa com seus amigos, ainda tenho que resolver coisas simples que o idiota do meu irmão poderia facilmente resolver, mas não o bastardo colocou na cabeça que os culpado de todo o problema- não só o nosso- mas de todo o MUNDO é da igreja Católica.
– Por que tem tanta certeza que é a igreja que está dando esse show de matança?– questiono com os olhos focados ainda nas diversas fotografias que está acima da minha mesa. As fotos mostram corpos de alguns irmãos decapitados. Irmãos esses que são meus soldados nas terras dos humanos, meu povo vive em uma dimensão que os humanos não possuem acesso. No entanto, o meu povo possui acesso ao mundo deles, afinal precisamos manter ao menos um pouco de ordem no mundo de pessoas tão propensas a guerras e desordem. O desequilíbrio deles afetam os portais que levam ao mundo sobrenatural e se os portais são afetados, esses seres maléficos entrarão em nossas terras e isso nunca poderá acontecer.
– Quem mais faria algo assim? – o idiota questiona e não respondo. Levanto a cabeça e me acomodo melhor na cadeira, cruzo os braços arqueando a sobrancelha e solto um sorrisinho debochado. Lucas respira fundo irritado.
Bem, muito bem. Venha ser meu companheiro nesse barco, irmão.
– É certo que temos alguns inimigos, mas eles estão bem quietos. Após, nossa trégua não oficializada.
Isso é verdade há anos que não temos nenhum tipo de guerra entre as castas.
Decepcionante, eu sei.
Porém, isso não quer dizer que não temos alguns desentendimentos vez ou outra. Coisas bobas, no máximo 50 mortes, alguns membros fora do corpo. Mas, logo tudo volta ao normal novamente.
Olho com consternação para meu irmãozinho. Ele é um idiota, pé no meu saco? É! Mas, ainda é meu irmãozinho. E sei que por trás desses sorrisos e pose de dono do mundo há um imenso vazio.
– Augusto, presta atenção aqui e para de me olhar com essa cara de que vou morrer a qualquer momento, Rose. – bufa.
Rose?
Sei que vou me arrepender, mas...
– Rose?
– Sim. – arqueio a sobrancelha e o idiota arregala os olhos verdes – Não acredito que nunca assistiu Titanic.
– Ah.– reviro os olhos. – Não se esqueça que a Rose tinha motivo para fazer aquela cara, afinal o idiota morre. – sorrio e faço uma pausa para assoviar o tema bad do filme. Lucas revira os olhos, claramente se arrependendo de ter tocado no assunto e então completo:
– Jack.
– Idiota! Foca aqui pelo amor de Deus. – bate na mesa e sorrio. Como se tivesse sido eu a começar citar nome de personagens na conversa.
O que eu falei antes?
Pé no saco.
Meu irmão está obcecado com a igreja católica, na verdade com qualquer tipo de religião. Não julgo seu ódio contra esses filhos de faraó, porém o dele é astronômico. Algumas décadas atrás os desocupados organizaram caçadas contra todos os lobos natureza. Foi uma pedra no nosso sapato, porque querendo ou não somos lobos também. Outro tipo de lobos, mas ainda sim, lobos. Muitos dos nossos morreram, inclusive nossos pais e a namorada do meu irmão, Aline. Aline não era sua companheira, mas ele achava que sim. O que torna sua dor e ódio três vezes maior.
Não é fácil matar seres sobrenaturais, o que nos leva a pensar que na época esses seres maléficos, leia-se humanos, estavam em conluio com algumas castas do nosso mundo.
O que me leva a crer que sim essas mortes nas fronteiras foram feitas por humanos com ajudinha do meio sobrenatural. Mas, não acho que seja a igreja um dos envolvidos.
– Irmão, não acho que a igreja tenha a ver com isso. O modo que nossos machos foram mortos não condiz com o modo operante deles. – o relembro. Eles esquartejavam e queimavam os corpos. Deixavam apenas a cabeça "intacta" em meio as cinzas. E não é isso que as fotografias mostram. Respiro fundo quando os olhos do meu irmão mudam de cor ao ser contrariado
– Se controla, Lucas! - rosno involuntariamente e ele abaixa a cabeça em submissão.
– Olhe.– aponto para uma foto que separei das demais. Nela mostra um corpo nú decapitado. No peito do macho há duas iniciais: PP. Círculo as iniciais. – Acho que esse macho queria nos dizer alguma coisa.
– Tem razão, essas iniciais está em nossa língua antiga e em juramento. Da para ver que os assassinos até tentaram tirar a marca, mas como sabemos juramentos de sangue não apagam fácil.
Não apagam mesmo. Bufo.
Passo as mãos em meus cabelos que já estão me incomodando o comprimento e fecho os olhos me forçando a pensar em algo. Levanto deixando meu irmão olhando as fotos, meus olhos caem no mapa mundi do mundo humano na parede. Caminho até ele e cruzo os braços.
– Onde os corpos foram encontrados mesmo?– pergunto sem tirar os olhos do mapa. Já sei onde foi, mas apenas quero confirmar.
– São Borja, mas não foram mortos lá. – claro que não. – Eles queriam que jogássemos a culpa nos Domins, ja que foi encontrado bem na fronteira com a Argentina.
– Hum.– resmungo distraido, ainda de braços cruzados.
– Se os Domins ainda estivessem sobre o comando do Gastón, teria sido uma boa jogada jogar a culpa neles. – meu irmãozinho declara o óbvio. – Mas não acho que o novo Dom faria isso.
– É, o diabo parece ser bem na dele. Tanto que nunca o vi pessoalmente.
O macho parece um fantasma, só o vêem quando ele quer.
– Amém! – o idiota fala e dou risada. – O que tanto olha aí?
Pisco e quando vejo ele já está a meu lado.
– Os machos eram de Ponta Porã?– acena que sim. E a droga desses arrepios não param toda vez que penso ou falo nessa cidade. – Ponta Porã faz fronteira com Paraguai.
– PP. – ele diz surpreso e sorrio arrogante. – Ow!
Volto para minha cadeira. Sento novamente, cruzando as pernas em cima da mesa. Braços atrás da cabeça em uma posição relaxada e observo meu irmão ir até a mesinha se servir de bebida.
– Mande prepararem o portal, vou eu mesmo até Ponta Porã. – declaro, sentindo o sangue ferver. Vontade de vingar cada macho que foi morto covardemente. Meu beta acena que sim, seu lobo se manifestando através dos olhos. A mesma sede de sangue. – Irei descobrir o que esses humanos estão tentando esconder e de quebra fico livre de Julieta por uns dias.
Meu irmão gargalha, porque ele sabe o quanto essa fêmea, que por um acaso é nossa irmã, pode ser intragável.
– Tá rindo de quê?– questiono sínico. – Tu vai ficar responsável por ela.
Ele rosna e põe o copo na mesa com um baque e me impressiono que o mesmo não tenha quebrado.
Dou risada quando ele sai da sala batendo a porta.
– Ponta Porã aí vou eu. – digo baixinho e novamente meu lobo se agita. Sinto que tem muito mais para mim nessa cidade, a inquietação do meu lobo diz isso.
Atualmente
Bato na porta de madeira escura e escuto um "entre" mal humorado.
Respiro fundo e giro a maçaneta.
– Ora, estava me perguntando quando viria senhorita September. – Lucrecia fala com sarcasmo. Chego mais perto de sua mesa preta, meu corpo suando frio e fico parada. Cruzo as mãos em frente ao corpo em um típico gesto nervoso e seus olhos brilham diabolicamente, parecendo gostar do meu desconforto. – Sente-se.
Nego, quanto mais rápido melhor. Foi isso que Gina falou e é isso que estou tentando fazer.
– Já estou saindo, senhora . – minha voz sai trêmula. Lucrécia abre um sorriso, que creio eu não seja verdadeiro e o brilho em seu par de olhos pretos se intensificam. Estremeço e desvio o olhar para a estante de livros que tem ali. Sempre quis ler eles, mas nunca pude. Estranhamente sua sala é a mais arrumada de todo o lar, as paredes são de um tom pastel com quadros. Quadros esses que tem cores e formas estranhas, mas que combinadas são até bonitinhos.
– Certo, venha toda semana dá notícias. Não se esqueça que ainda estuda, não quero ninguém da fiscalização batendo em minha porta. – diz mexendo em uns papéis. Estende um envelope e abro o mesmo, constando ser meus documentos. – Saia.– manda impaciente. Arrumo a bolsa em minha costa e me apresso a sair.
Caminho a passos lentos pelo corredor de paredes desbotadas, sempre sorrio para as crianças que encontro no caminho. Não sei explicar com palavras o que sinto. Finalmente poderei conhecer o mundo e fazer algo mais por essas pessoas desse lar. Sorrio sonhadora.
Não sei como é o mundo fora desses muros, e isso é tanto surreal quanto assustador.
– Luna. – ouço a voz de Matilde quando vou abrir o portão para sair e me viro. Por algum motivo me sinto angustiada com seu olhar malicioso. – Byeol está passando mal.
Ao ouvir isso saio em disparada para o quarto dos pequenos. Quando chego perto de uma saleta que fica no caminho sinto um impacto em minha nuca. Me apoio na parede desnorteada e logo sou puxada para a sala.
Pisco confusa.
– Achou que seria fácil assim? – Lucrécia está ao lado de Matilde e me olha com um grande sorriso no rosto.
– O qu... – A porta é fechada em minha cara e o click da chave ressoa pelo pequeno ambiente, me levando ao desespero. – Não não não... – murmuro deslizando ao chão.
O que farão comigo?
Minha nuca lateja e passo a mão na mesma vendo sangue em meus dedos. Examino o local com cuidado e concluo que não foi nada muito sério.
No fundo tenho fé que Gina me tirá daqui, ela sempre me ajuda. Sorrio é isso, Gina irá me ajudar.
***
Não sei que horas são, mas sei que passei muito tempo aqui. Estou com fome e sede. Comi pouco pela manhã e agora estou aqui esquecida nessa sala. Já olhei ao redor a procura de alguma comida, mesmo sabendo que não encontraria nada em uma sala cheia de arquivos. Não gritei, pois seria em vão e só as deixariam com raiva e as meninas preocupadas.
A porta se abre e levanto do chão temerosa. Estou em um canto e não consigo ver quem entrou.
– Luna. – reconheço a voz de Diana e saio do canto. Meu corpo todo treme. – Vamos, rápido.
Ela agarra minha mão e sai me arrastando para fora ao perceber meu estado catatônico. Agradeço mentalmente.
– Como você consegu...– Diana aperta meu braço e me lança um olhar impaciente.
– Silêncio. – alerta olhando ao redor, faço o mesmo e percebo que já é noite. Caminhamos tentando ser o mais silenciosa possível. Meu coração está acelerado pela adrenalina e não duvido que Diana também esteja assim. Tenho medo por ela, se nos pegarem ela vai sofrer muito e claro eu.
– Minha dívida com você acabou.– abre o portão com um tipo de clipe e me pergunto como ela sabes dessas coisas. Sou empurrada pra fora o que faz me desequilibrar e cair no chão. Olho para meus cotovelos que ardem e me levanto para agradecer Diana por me salvar. Porém, não a vejo mais.
Olho ao redor temendo a noite, em todos meus 19 anos nunca sai por esse portão durante o dia e muito menos a noite. Começo a caminhar trêmula pela fraqueza e então noto que deixei minha bolsa na saleta. Não posso voltar mais. Eram poucas coisas mesmo. O mais importante está em meus seios, coloquei o dinheiro que Gina me deu em meu sutiã com medo que revistassem minha bolsa e tomassem o dinheiro.
Ao que parece fiz bem.
Suspiro e me apresso a caminhar pela rua iluminada pelos postes, pisco fascinada. É tudo tão incrível!
As ruas, os postes.
No meu caminho vi apenas uma casa com uma fachada escrita: Onde o seu prazer mora.
Pensei em parar para pedir ajudar, mas logo mudei de ideia ao ouvir alguns gritos e música alta no local. Porém, não fui rápida o suficiente, porque uma mulher práticamente nua me viu e gritou por mim. Sai correndo como se mil demônios estivessem em meu encalço.
E é por causa dessa minha corrida desesperada que não prestei atenção por onde andava. Paro e olho ao redor. Tudo tão escuro, apenas a lua iluminando a noite e umas listas no asfalto que parecem brilharem.
Estou tão fraca.
Abraço-me, pois estou tremendo de frio. O fino casaco que coloquei por cima da minha camiseta não ajuda muito e agradeço a Deus por ter escolhido usar uma calça. Ou agora estaria morrendo de frio, mas do que já estou.
Continuo minha caminhada, porém noto que apesar de os dois lados da pista terem mato, o do meu lado contrario a vegetação parece menor e então penso que talvez não tenha problema deitar em baixo de alguma árvore. Um sorriso fraco nasce em meus lábios, pois logo descansarei. Olho para trás para ver se vem algo e vejo que não.
Essa rodovia é bem parada.
Minha vista fica turva quando vou atravessar a pista e paro para me recuperar. Uma claridade bate no meu rosto e pisco ao ver as luzes próxima de mim. Arregalo os olhos vendo um caminhão vindo cada vez mais rápido ao meu encontro, fazendo um barulho chato como se dissesse: sai da frente, sai da frente, estou passando.
Até tento sair, mas não consigo. As porcarias das minhas pernas não me obedecem.
Não dá tempo.
Então, me conformo com a morte. Não quero morrer, mas se é a vontade de Deus. Que assim seja.
Desculpa meninas.
Deixo uma lagrima cair ao ouvir mais próximo o barulho chato do caminhão. Fecho os olhos com força. E então sinto o impacto e o delicioso cheiro da morte.
capitulo maior que eu. Mas tomem ai essa introdução.
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