Prólogo
O som que ecoava de norte a sul na Itália era o mesmo. O estalo ensurdecedor que seguia cada rachadura prateada no céu enegrecido daquele fim de tarde de outono. Nem sequer parecia que ainda era tarde, o tempo estava completamente enegrecido, nem as melhores velas duravam e serviam para iluminar. Nada produzia luz além dos trovões e relâmpagos que cortavam o breu naquela quarta-feira amaldiçoada.
A chuva não parou um instante sequer desde às onze horas e pouca daquele terrível dia. Coincidência ou não, mais uma bruxa havia sido queimada naquele mesmo horário, e desde então o tempo foi ficando cada vez mais fechado, a chuva mais incessante e os ventos cada vez menos compreensíveis. Era uma daquelas tempestades onde, com certeza, haveriam notícias de morte no dia seguinte.
Leonardo estava enrolado debaixo de suas telas inacabadas, o frio maltratava seu rosto de uma forma que ele sequer tinha como se defender. Não havia ido na queima. Estava enclausurado em seu ateliê tentando a todo custo pintar o anjo que a maldita família Venture o havia encarregado, não obtendo sucesso por não achar nada bom o suficiente. Quando a tempestade começou, não ligou muito, Leonardo era um homem que não se importava em ficar uma ou duas horas a mais em seu local de trabalho, mas passar a noite tentando se sentir quente com pedaços velhos de tela usado e fedendo a tinta e óleo não eram nem de longe o ideal daquele famigerado artista italiano.
Em casa novo estrondo, ele se encolhia mais em torno de si próprio, fincando as unhas nas palmas e nos tecidos duros que estava usando como proteção. O telhado balançava, as goteiras se multiplicaram a cada hora e a sensação do chão tremendo estava dividida por uma linha tênue entre ser algo real, ou uma alucinação do estado febril de Leonardo.
Ouvia entre um trovão e outro gritos e estalos de madeira, o som da água caindo sem trégua e, o que parecia ser, som de pedras batendo contra o vidro.
“Talvez ela fosse bruxa mesmo.” cogitou o pintor sem realmente acreditar em seus próprios pensamentos. Aquela caçada descompassada a mulheres talentosas era definitivamente algo inescrupuloso ao seu ver. “E se realmente fosse, que mal há? Oras, o que estou pensando, isso é ridículo!” praguejou em sua mente e mais uma vez se encolheu rapidamente ao som de um novo estalo.
Leonardo abominava tempestades. Abominava isso mais do do que a igreja abominava as bruxas.
Mais uma vez buscando a calma. Estalos, gritos, pedras, água, choro de… Leonardo se levantou rapidamente, esquecendo-se do frio ou de qualquer outra coisa que estivesse sentindo no momento. Os olhos verdes oliva estavam arregalados e a cabeleira loira estava caindo-lhe sobre os olhos. O som que ouvirá não estava lá antes e parecia inquestionávelmente próximo a ele. O choro parecia mais uma súplica, algo em sua mente lhe dizia para ir, algo o puxava para aquilo.
Era sobrenatural.
Seguiu seu coração até a porta dos fundos, o barulho ficava cada vez mais alto, mas ainda não se sobressaia ao volume ensurdecedor da chuva. Não queria abrir a porta e ao mesmo tempo precisava abrir a porta. O dilema o matava por dentro, mas antes de poder se virar e voltar para onde estava, seguro e meio aquecido, sua mão magrela e ossuda já estava girando a maçaneta.
O vento que entrou pela greta minúscula que abriu já serviu para deixá-lo com os olhos ardendo e sua roupa molhada o suficiente para ter entrado com um braço inteiro dentro de uma banheira. Teria fechado no mesmo instante se não fosse pelo cesto que estava ali. O choro agora estava mais alto do que a natureza sendo violenta com o povo da Itália.
“Céus! É uma criança, o que, pelos santos, quem seria tão cruel?” o pintor rapidamente puxou o cesto para dentro e fechou a porta com todo seu peso como se estivesse fugindo de uma criatura abominável. Se ajoelhou ao lado do cesto e retirou os dois panos finos que cobriam a parte de cima, completamente encharcados.
Um pequeno ser envolto de lã pobre, completamente ensopado chorava sem parar e se debatia contra as outras cobertas igualmente molhadas e fora de estado de uso. Era quase uma lagoa para a criança naquela altura.
Tinha um pequeno gorro verde claro e usava luvas pequeninas de mesma cor, os poucos fios de cabelo que pareciam não ter começado a crescer a muito tempo eram castanho escuro quase negro, um nariz fino e pouco achatado no final e os olhos, a pequena criança se recusava a abrir de todo modo, apenas chorava com o rosto franzido.
“Deve estar com frio, meu Deus, o que eu faço?” Leonardo retirou o bebê daquele cesto inundado e o levou para perto de suas telas, tinha alguns panos que usava para limpar os pincéis, aquilo deveria servir para, ao menos, enxugar a criança que ele segurava de modo desajeitado tentando nina-la de alguma forma. “Santos, é uma menina! O que irei fazer com você, me diga?”
O homem deu o seu melhor para enxugar onde ele achava que seria mais urgente, as costas principalmente, ela devia ter passado muito tempo deitada naquela umidade e o que eleenos precisava no momento seria que a garotinha pegasse um resfriado. O pintor não sabia lidar com um bebê, quem dirá com um doente.
“Não posso deixa-la… Mas o que vou fazer, você tem alguma solução?” resmungava enrolando a bebê em uma tela mais limpa que estava usando para se cobrir “Você deve estar me achando louco por falar com alguém que não vai me responder, não é?” Leonardo segurou a menina de frente para si com cuidado e a viu tombar a cabeça para o lado, já não chorava mais, apesar de vez ou outra uma lágrima insistir em descer pela sua face, e então notou seus olhos: negros profundos, que se confundiam facilmente com sua pupila. Aquela bebê era de fato uma criancinha muito bonita.
“Você sabe quem eu sou?” nesse momento, o homem já havia esquecido da chuva lá fora e tratava de cobrir o bebê da melhor forma que ele conseguia, o que não era muito devido a sua falta de prática, a criança parecia se divertir com isso, apesar de não dar nem um riso sequer “Me chamo Da Vinci. Leonardo Da Vinci. E você, tem nome?” ele largou a criança num monte desajeitado de panos velhos e telas quase sem uso e foi até o cesto novamente, talvez tivesse alguma carta, bilhete ou seja lá o que fosse.
Leonardo virou o cesto e tudo que se ouviu foi um baque de água batendo contra o chão. Procurou um pouco, mas não tinha nada além dos panos que antes envolviam a criança e então voltou para ver a garotinha que, de algum modo, estava tentando engatinhar enrolada num dos farrapos de Da Vinci, sem sucesso, pelo caminho que o homem loiro havia feito.
“O que você pensa que está fazendo?” Leonardo a pegou no colo sem saber direito como, mas com um sorriso mínimo enquanto falava com a garotinha que dessa vez decidiu lhe puxar a barba “Ei, isso não! Acho que vou ter que faze-la para lidar com você, pelo menos por um tempo.”
A bebê continuou a puxar os fios loiros que brotavam do queixo do pintor até ele a afasta-la minimamente do seu corpo.
“Pelo que me parece, você não tem um nome, coisinha.” Dá Vinci pensou por alguns instantes e voltou a falar “Não vou te colocar num orfanato, as coisas por lá me parecem um pouco cruéis, você ficará comigo, o que acha? Afinal, você parar na minha porta num dia assim não é só coincidência.”
A garotinha mantinha a cabeça tombada e vez ou outra se remedia nos braços do pintor e espirou uma ou duas vezes. O temporal parecia ter amenizado, mas o homem não podia dar certeza, estava encantado demais com o ser minúsculo que segurava para se dar conta que agora tudo não passava de uma garoa teimosa.
“Mas para ficar você precisa de um nome.” continuou o loiro como se a menininha o estivesse compreendo perfeitamente bem, a enrolando novamente em telas e panos velhos de seu ateliê “Você será uma Da Vinci, agora. E isso por aqui é muito importante, sabia?” A bebê o olhava com curiosidade franzindo o pequeno cenho vez ou outra.
“O que acha de Giulia? Gosto desse nome, você também gosta?” a garotinha se remexeu como se fosse uma afirmação e então ela estava sorrindo pela primeira vez para Leonardo.
“Assim será então!” O homem levantou a menina novamente na altura de seus olhos, a ideia de apresenta-la pela manhã como sua filha já estava se instalando em sua mente. “Giulia Da Vinci.”
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NOTAS
Fim de ano, começo de novos ciclos, novas histórias, mais momentos e é assim que fecho o ano, com o início de um sonho. Um livro original é com certeza o sonho de todo e qualquer autor e eu estou buscando realiza-lo nesse ano que chega com tudo.
Não seja um leitor fantasma! Votos e comentários fazem total diferença nessa plataforma e na motivação para eu postar.
Até breve, leitores!
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