Capítulo | 33
Enquanto me acomodo em meu lugar na sala de aula, tento me lembrar de que sou uma mulher comprometida e que, independente da minha gravidez, continuo com minha inteligência, sagacidade e perspicácia. Afinal de contas, nada mudou depois disso. Quer dizer, muita coisa mudou, mas nessa questão não.
Mas também sei que vivemos numa sociedade em que muitas mulheres são julgadas, desmerecidas e desacreditadas constantemente por situações como essas. Isso pra mim é um absurdo. É por isso que preciso manter a respiração e os pensamentos no lugar para não pirar quando eu for conversar com Anderson.
Mas agora não me considero totalmente em paz.
Estou vivendo um sistema de ambivalência. Enquanto me esforço para acreditar que ele não deve me expurgar da universidade ou acabar de vez com os meus sonhos, também sei que vou ouvir as piores barbaridades até que eu me sinta a pior pessoa da humanidade. E que ele tem esse dom de fazer com que você se sinta parte da escória da sociedade — a qual ele claramente faz parte.
Então, mesmo sabendo que ele pode muito bem acabar com a minha vida, ainda tenho esperanças de que haja um pouco de humanidade e coração dentro daquele ser repugnante que é o meu orientador.
No entanto, o que complica um pouco é a minha história mal resolvida com o Lucas. Não tê-lo comigo nesses momentos traz um sentimento muito incapacitante, e eu sei que preciso aprender urgentemente a lidar com isso. Ele tem me evitado a todo custo e se comportado de maneiras de que, lá no fundo, sei que é para me punir.
Em alguns momentos me arrependo de quase todas as coisas que disse e fiz antes do nosso mundo ruir. Também me arrependo de não ter prestado mais atenção ao que ele sentia por mim. Algumas pessoas acham que, por causa da nossa amizade, usei do seu sentimento para mantê-lo preso a mim e às minhas vontades.
Mas não é verdade.
Eu jamais faria isso.
Pelo menos acho que não.
Sempre tentei ser a melhor amiga possível.
Ironicamente, agora sei por que muitas das garotas do colégio acabaram virando minhas inimigas pessoais quando percebiam que ele e eu tínhamos uma amizade além do normal.
Lucas sempre fora apaixonado por mim, e eu...
Enfim, preciso me concentrar na aula e logo depois na conversa que terei com o Anderson.
Talvez seja o meu fim ou a minha vitória.
Mas odeio esse período entre uma coisa e outra com toda a força de meu ser.
— É agora que devo surtar? — pergunto para Fabiana quando a aula acaba.
Sobrancelhas perfeitas me encaram.
— Agora é a hora que você dá um show com aquele babaca.
— Uau. Você é ótima nesse negócio de motivação.
Sorrio.
— É só a verdade e se ele não perceber toda a sua capacidade, ele é mais otário do que imaginamos.
— Ele não percebeu a sua — pontuo.
— Não importa — diz, se esquivando. — Ele não vai desistir de você, amiga. Vamos ter fé.
— Vamos. Na verdade, preciso. Você vai comigo?
— Vou sim — ela confirma. — Acha mesmo que eu ia perder a oportunidade de te ver brilhar?
Começamos a rir.
— Meu Deus! Tinha me esquecido do quanto você adora uma fofoca!
— Fofoca é comigo mesmo, princesa!
Diante da porta da sala de Anderson eu começo a ficar nervosa, e todo aquele papo de autoconfiança se esvai. Estava com medo de encontrar com ele, mesmo sabendo que, no que depender de mim, não tenho com que me preocupar, porque cofio no meu taco. A questão aqui é exatamente ele. Tenho o perfil da vaga, minha dissertação, apesar das exigências exageradas dele, segue muito boa, sou uma das melhores alunas, dou conta do meu estágio, cumpro com os prazos, então não preciso me preocupar quanto a minha competência. Mas me preocupo. O que é uma droga.
Sei que diante da minha situação ele pode escolher dar preferência aos homens medianos, só pelo fato de eles não estarem grávidos. E eu nem me importaria se esses homens fossem de fato medianos, mas estão longe disso. Todos eles estão quase abaixo de mediano como o Fabio, por exemplo.
Me aproximo e abro a porta, sem nem bater, como sugere a plaquinha.
Fico rígida quando Anderson aparece na minha frente, como se já estivesse me esperando.
— A gente precisa conversar — ele diz antes que eu entre.
Olho para trás e vejo que Fabiana acabou de sentar num banquinho de madeira. Quando me vê, ela balança a cabeça em apoio moral e coloca a mão sobre o coração para se despedir, me deixando com a sensação de que eu sei que tem alguém por mim.
A simples visão dele nesse estado de total imponência me faz ficar com as pernas bambas. Não é justo um sujeito tão babaca ser tão ridiculamente capaz de decidir o meu futuro. Para ser bem sincera, Anderson nem é o melhor professor da universidade, talvez seja o mais influente.
É homem, tem um currículo muito bom e uma cartela de orientados incríveis. E é por isso que tem o respeito e admiração da faculdade — foi assim que me convenci de que precisava ser orientanda dele, para começo de conversa. Bem, isso e a minha necessidade de aprovação. Eu podia até ter escolhido o professor Alexandre, mas minha vitória não teria o mesmo gosto.
— Estou aqui para isso — digo com a maior quantidade de convicção de quem ainda é sua orientada. — Tenho algumas ideias que pensei que podem ser úteis.
Ele se enrijece como sempre faz quando começo a pontuar o que penso. Apesar de ser o meu orientador, Anderson odeia que eu tenha alguma opinião. E depois que descobri isso, costumo fazer com frequência.
— Muito me intriga que você ainda tenha ideias — diz, com bastante ironia.
Franzo a testa.
— Nunca deixei de ter — imponho. — Mas não entendi a ironia.
— Você sabe exatamente o motivo da minha ironia.
E o pior é que sei.
— Se está se referindo a isto... — aponto minha barriga —... então não precisa se preocupar, estou ainda mais afiada depois da gravidez.
— Não, não posso acreditar. Na verdade, o motivo dessa reunião é exatamente para falar sobre esse absurdo...
Sinto minha espinha gelar quando ele aponta para meu bebê como se fosse a coisa mais nojenta ou errada do mundo. Parece até que minha pressão baixou por que começo a ver tudo rodando. Mas me recomponho rapidamente e impulsiono a minha voz.
— Não somos da sua conta, Anderson. Esse bebê não é da sua conta.
— Seu futuro, e o meu futuro como orientador é da minha conta — diz, com frieza, colocando as mãos dentro do bolso. — Sério, Giovana, apostei em você por ser uma mulher ambiciosa, mas agora vejo que é uma burra. Igual àquela sua amiga, a Fabiana. Que além de tudo ficou mais gorda do que antes da gravidez.
A raiva me sobe até a garganta.
— Você não precisa falar da Fabiana ou do meu filho aqui. Precisamos debater sobre o meu futuro como sua orientada.
— Que futuro? Não tem mais futuro nenhum.
Ajeito minha postura.
— Nossa. Eu sabia que você era uma pessoa difícil, mas tá na cara que você é ainda pior do que eu pensei.
Ele bufa por entre os dentes.
— Não quero saber o que você pensa sobre mim. Isso pouco me importa. Estamos falando de você e das oportunidades que desperdiçou quando engravidou.
— Mas eu não desperdicei nada, Anderson. Ainda posso trabalhar, estudar, escrever dissertações, dar o meu melhor. Estou grávida e não incapacitada.
— Sabe o que eu deveria ter feito? — Ele faz uma pausa, como se esperando que eu retruque. Como não digo nada, ele prossegue. — Assinar um contrato dizendo que não ia engravidar, mas errei — diz, com a mais pura tranquilidade. — Na época me deixei levar pela sua competência, ou pelo menos, por aquilo que eu achei que fosse competência e ambição. Mas estava errado.
— Eu continuo a mesma. E garanto que nada mudou. — Tento manter a minha voz firme enquanto respiro. Penso que talvez se eu amolecer um pouco ele ceda também. — Podemos fazer tudo nos seus termos, sabe? Eu sei que consigo dar conta.
E é bem nessa hora que sinto um enjoo se aproximando e levo a mão à boca. Mas consigo refreá-lo a tempo de acontecer um desastre.
— Assim? — O desdém é patente no rosto carrancudo de Anderson.
— É.
— Engraçado. Eu não oriento mulher, disse que te orientaria porque teu currículo é bom, mas desde que você não engravide. E o que você fez? Engravidou. E engravidou por que é burra.
Ele dá uma risadinha.
— Anderson, eu não queria que isso acontecesse.
— Mas aconteceu por que você é mulher, se fosse um homem...
Perco a paciência e o interrompo. Pra mim já deu dessa merda.
— Se fosse um homem eu continuaria aqui por que nada na vida de um homem muda depois de um filho.
— Exatamente — ele aponta a mão em minha direção, enfaticamente. Como se dissesse "bingo". — Trabalhar com homens é incrível demais.
Sinto vontade de vomitar, mas dessa vez em nada tem a ver com a gravidez.
Os lábios de Anderson se curvam num sorriso zombeteiro.
— Agora já era para você. Não trabalho com mulheres grávidas. Mas se você for competente mesmo, talvez em outro momento algum professor ou professora acolha você. Mas nesse instante, pra essa vaga e indicação, a resposta é não. E é não também para a oportunidade de orientação.
— Você não pode fazer isso — digo.
— Por que não?
Ele me observa com cautela e certeza.
— Quer mesmo abandonar minha orientação agora? Porque isso vai me atrasar e a você também — apelo.
Ele não parece se incomodar.
— Você tá achando que me importo com você e seu futuro? Acha mesmo que o simples fato de começar do zero com outro aluno não me anima? Olha, se pensa dessa forma, está enganada. Você tá fora da minha orientação e jamais vou indicá-la a nada. Não teve compromisso e muito menos profissionalismo. E você nem pode contestar isso com ninguém. Vou alegar que seu trabalho é ruim e que estou sem tempo.
Escondo a minha resignação. Ele está absolutamente certo. Ele pode fazer isso e eu não posso fazer nada. A única razão pela qual esse babaca, machista e repugnante aceitou a existência de outra mulher em sua orientação foi porque estava precisando de um afago no ego. De alguém que realmente tivesse capacidade. Encontrou isso em mim, mas agora que "não sirvo", ele provavelmente vai entrar em contato com a Brenda Rodrigues, que ficou em segundo lugar no momento da escolha. Ou não, também. Talvez orientar outra mulher não esteja em seus planos agora.
Me sinto péssima quando saio da sala dele e só queria um abraço do Lucas e suas palavras certeiras, mas não o encontro. Por outro lado, Fabiana está a postos com uma caixa de lenços e um copo gigante de milk-shake.
Ela me entrega tudo, me abraça e pergunta, com a cabeça em meu pescoço:
— Como foi?
— Pior do que eu imaginei. Ele é um monstro.
— Eu sei, amiga.
— Queria tanto falar com o Lucas — sibilo.
— Eu também sei, mas ele não...
— É, eu sei.
A frustração turva minha expressão.
Vacilo diante da sua certeza. Ela tem razão. Lucas não quer me ver. E, no entanto, sinto muita falta dele, uma falta absurda que me aperta o peito todo dia, considerando ir ao seu encontro e implorar por perdão, e tudo porque eu só faço tudo errado, por que preciso ser o centro das atenções, por que preciso tanto me sentir amada que esqueço que as pessoas não são marionetes que posso usar para alcançar meus objetivos.
Ele está decidido a não me amar mais. Agora Lucas decidiu focar nos seus objetivos, planos e estilo de vida... Espero que não esqueça nosso bebê. Senão vou me culpar eternamente por isso.
Apesar de Fabiana estar aqui do meu lado e de todos esses sentimentos me invadindo e causando uma destruição sem tamanho dentro de mim, não sinto vontade de chorar, mesmo querendo. Parece que estou seca.
Soluço alto o bastante, mas não choro.
— Meu Deus. Você está horrível — ouço a voz da vaca da Brenda.
Sinto a vergonha arder na minha barriga.
— Eu não sabia que vacas conseguiam entender o português — Fabiana ruge.
— Pelo menos não sou uma vaca grávida — rebate.
— Acho melhor você sair daqui, por que estou prestes a meter a mão na sua cara.
— Tenta.
Fabiana vai a sua direção, mas eu seguro seu braço.
— Não vale a pena — digo
— Verdade — concorda.
Brenda passa por mim e solta um riso de desdém.
Hesito por apenas um segundo antes de fechar os olhos e respirar profundamente.
— Obrigada por estar comigo.
— Sempre, amiga.
Um silêncio constrangedor cai sobre nós, e não tento quebrá-lo. Ela me abraça e eu começo a gostar ainda mais de tê-la ao meu lado.
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