Capítulo | 28
Enquanto me acomodo em meu lugar na sala de aula de Direito Constitucional, tento não me lembrar de que estou grávida. Mas não tem como esquecer esse bolinho do tamanho de uma laranja madura dentro da minha barriga. O engraçado é que já estou me acostumando com ele. Até por que já consigo me alimentar melhor e as náuseas passaram — não completamente, mas ainda assim.
Preciso marcar as consultas para começar o pré-natal, que é importante, mas ainda não tive tempo.
Não sei se estou evitando marcar a consulta por medo de alguma coisa estar errada ou por não querer encarar a realidade. Sei que estou grávida com todas as letras, no entanto ainda não acredito que tudo isso está acontecendo e que falei aquelas coisas todas para o Lucas. Ele não merecia, mas eu precisava afastá-lo por que o meu amigo tem muita coisa boa para oferecer ao mundo, para conquistar e um filho vai impedi-lo. Só que também não sei como vou conseguir sem ele.
Seria muito bom se pudéssemos compartilhar tudo isso, juntos. Ou se eu pudesse ao menos sentar e conversar com ele sobre meus medos e os maiores desafios que terei que enfrentar. Seus conselhos fariam uma diferença enorme.
O que complica um pouco é o fato de eu saber que ele não me ama, mas passaria o fim dos seus dias ao meu lado por causa da sua devoção. Lucas é um homem incrível, merece ser feliz e ter uma família com alguém que ele ame de verdade, e não comigo só por caridade. E, sinceramente, invejo a sua futura esposa. E sei que a inveja é um sentimento muito incapacitante, mas não posso evitá-la.
Na aula, tento manter a cabeça concentrada no assunto e um sorriso no rosto para não demonstrar o quanto meu mundo está desabando aos poucos.
Enfim, sei que preciso esquecer essa merda e seguir minha vida. Por que o Lucas com certeza já seguiu a dele. Vi, outro dia, num desses sites de fofoca, a foto dele sendo abraçado por uma garota linda e com um corpo escultural. Os dois pareciam tão íntimos que quase vomito.
Droga, estou morrendo de saudade do Lucas. Mas odeio ser essa garota com toda a força de meu ser.
Como essa é a minha única aula do dia penso em sair para comprar algumas coisinhas para minha casa, que está sem comida há dias e espairecer odiando os preços absurdos do mercado por causa desse governo Temer.
Meu celular vibra sob a cadeira com uma mensagem da Fabiana perguntando se posso ir à biblioteca encontrá-la.
Gioh: Biblioteca? Fazer o que na biblioteca? Estou na aula que você também deveria estar.
Fabiana: Sim, biblioteca.
Gioh: A aula acaba em vinte minutos. Quando acabar podemos almoçar, o que acha?
Fabiana: Vem logo!
Gioh: Em 10 min. Talvez?
Fabiana: Você entende o conceito de "Vem logo!"? Ou eu preciso desenhar?
Gioh: Espero que tenha algo muito importante acontecendo para você me fazer sair no meio da aula.
Levo cerca de cinco minutos para criar coragem e sair da sala, um tempo que Fabiana considera enorme, já que me envia mais seis mensagens durante o meu trajeto até a biblioteca.
Apesar das ameaças, não respondo nenhuma das mensagens no caminho até lá.
Assim que chego à porta de entrada ela me encontra e me puxa para um pouco mais distante de onde está.
— Você e o Lucas se acertaram enquanto estive longe? Ele vai assumir o filho de vocês? Como é que ele reagiu quando você contou? Ele te proporcionou um orgasmo incrível para comemorar? Vocês dormiram juntos e planejaram um futuro incrível? Por que você não me contou nada até agora? Já marcou o pré-natal? Ele...
— Meu Deus! — exclamo — Não vou responder nada disso.
Ela ainda consegue fazer uma última pergunta: — Vocês estão namorando de verdade e pensando em casar? Por que tipo, eu tenho certeza que ele vai querer formar uma família com você.
— Não e nem somos mais amigos — concluo, muito gentil por sinal.
— Giovana, você ao menos falou ao Lucas que está grávida, não falou?
Ignoro a pergunta.
— Giovana...
— Por falar nisso, o Lucas, o seu garoto perfeito, saiu numa matéria de fofoca um dia desses. Ele estava com uma preta muito linda ao lado dele, desfilando depois de um show. Tá bom pra você?
Isso a distrai momentaneamente do plano mortal que deve estar planejando contra mim.
— O quê?
— Lucas estava lindamente abraçado com uma mulher incrivelmente bonita depois de um show no final de semana retrasado.
Ela se retorce.
— Homens são todos iguais. Mas eu ainda coloco fé no Lucas.
— Mas eu não.
— Ótimo então. Sei que vocês não vão ficar juntos, não precisa disso, mas você a ele que está grávida, não contou?
— Contei — digo, apenas.
— Então não preciso te punir por querer esconder isso dele. O universo te livrou de uma.
— Não foi como você está pensando, tá? — Descrevo os detalhes da conversa fatídica, deixando de lado o fato de ter dito que o pai era o Fábio e terminando com o grand finale: você não é o pai do meu filho.
Ela franze os lábios.
— Você acabou de descrever uma cena de novela mexicana por que não é possível que tenha sido tão otária assim, então imagino que agora vai me contar a história verdadeira...
— Claro que não. Aconteceu tudo do jeito que contei e acabou com o Lucas saindo bufando do meu quarto, batendo a porta e dizendo que ia voltar para a vida dele de antes, o que por sinal, está fazendo muito bem — me forço a acrescentar.
Ela solta um suspiro resignado.
— Ele não é tão ruim assim, Giovana. Ele vai assumir seu filho...
Dou um salto.
— E quem disse que quero que ele assuma nada? Não quero e não posso.
— Porque não pode? Pelo que me lembro, não tem nada que te proíba...
— Você não entenderia — a interrompo depressa.
— Tudo bem — ela cede. — Agora preciso saber? Marcou a consulta para iniciar o pré-natal? Não sei se você chegou a aprender isso nas aulas de educação sexual, mas é importante fazer o pré-natal para o bom desenvolvimento da criança. — Então ela diz: — E você precisa fazer isso rápido se ainda não fez.
— Ainda não tive coragem.
— Vamos, faço isso com você. Se quiser e não tiver nenhuma ginecologista obstetra, eu te indico a minha.
— Pode ser. A minha ginecologista não faz partos.
Brenda abre a porta da biblioteca e é extremamente rápida em passar por nós duas. Suspeito que ela tenha escutado nossa conversa. Se isso aconteceu, estou frita, e logo todo o campus e até a cidade inteira vai ficar sabendo.
Fabiana percebe meu incomodo e diz:
— Não liga para essa daí, estou com você se ela ousar espalhar qualquer boato ao seu respeito.
Suspiro.
— Eu agradeço demais, amiga, mas não precisa — me oponho na mesma hora. — Logo minha barriga vai dar um salto, então o que ela falar ou deixar de falar pouco me importa.
— Tem certeza?
Olho para ela.
— Tenho que ter. Agora, se estou pronta, não sei dizer. Mas não posso esconder isso por muito tempo.
— Então, tá. Vamos sair hoje à noite e depois você vai comigo lá pra casa e me ajuda com o Davi, pode ser?
— Que proposta maravilhosa.
— Não é, menina? E aí?
— Vamos. Vou aproveitar que meu pai está na casa da minha tia. Ultimamente tenho agradecido por essa ajuda que ela tem me dado. Por que Gabriela e eu não ficamos em casa como a Grace ficava para poder dedicar tanto tempo a ele.
— Ótimo. Sabia que você não ia recusar esse convite maravilhoso.
Rimos.
É isso. Minha vida agora se resume a esse tipo de evento.
Andamos até o meu carro. Peço que ela vá ao supermercado comigo e depois passamos na clínica para agendar a consulta. A recepcionista consegue me encaixar para a semana seguinte depois de tanto a Fabiana insistir, e fico grata por ela ter conseguido o horário.
Agora vamos num barzinho se quisermos ganhar à noite antes que ela precise pegar o filho na casa da mãe.
Estamos meio bobas e tontas (Fabiana bebeu, mas eu não, no caso, estou tonta de tanto rir) ao sair do bar com nossas compras embrulhadas embaixo do braço. Quer dizer, menos Fabiana, que está carregando as minhas sacolas por que alegou não poder gastar nem mais R$1,00 nesse mês que nem começou direito. "Isso é o resultado de se ter um filho", ela me disse quando perguntei o motivo.
Aqui em Santa Bárbara o tempo está nublado, e o clima está fresco, então é uma daquelas noites em que as pracinhas estão repletas de jovens casais se amando muito e mostrando ao restante das pessoas o quanto elas não têm sorte nessa coisa de amor.
— Acho que minha mãe vai me matar. À uma hora dessas o Davizinho já deve estar dormindo. Ela odeia que eu estrague a rotina de sono dele e... — Ela pausa ao perceber que não estou mais ao seu lado e sim parada olhando os casais sentados embaixo de uma árvore. Ela volta e me encontra. — Aconteceu alguma coisa? Viu alguém?
— Não, não. Só parei para reparar no quanto algumas pessoas têm a sorte de encontrar um amor tranquilo.
Ela olha na direção em que estou olhando, bufa e diz:
— Você tá falando daquele casal ali?
Faço que sim com a cabeça.
Ela revira os olhos e retorce a boca.
— Conheço os dois — diz casualmente. — Não são tão perfeitos assim, não. Vivem brigando, e posso afirmar que esse é um relacionamento meio abusivo de ambas as partes, meio tóxico também. Mas sim, parecem fofos demais ali sentados.
— Sério? Como você sabe?
— Além de eu ser fofoqueira e adorar saber da vida das pessoas? Bom, eles são vizinhos do pai do meu filho. Sempre que vou buscar o Davi vejo e ouço brigas e discussões assustadoras. Até já avisei aquele crápula que não gosto que meu filho fique num ambiente assim.
— Nossa — digo um pouco chocada com ambas as informações —, você tem tantas histórias, Fabiana. E sim, estou chocada por esse casal não ser o que parece e por você ter tido um filho com um cara desse tipo.
— Eu estava numa época muito rebelde da minha vida — diz com desdenho. — Meus pais sempre me prenderam, me proibiram de fazer várias coisas e até mesmo namorar. Quando tive oportunidade de ir pra faculdade, fiz tudo que tive vontade. Ou seja, aprendi que tudo tem que ter um balanço, sabe? Meio termo e tal.
— Sim, concordo. Minha irmã Grace sempre cuidou e priorizou a nossa família e nunca viveu sua própria vida, agora tá saindo com um cara de banda que não quer nada sério com ninguém e com certeza vai sofrer. Eu só vivi em prol do meu futuro, esqueci o meu presente totalmente e não vi meu namorado sendo um tóxico do caralho comigo, me traindo e acabei grávida do meu melhor amigo. Quer dizer, ex melhor amigo.
— Ex melhor amigo por que quer, por que o Lucas com certeza quer ser o amor da sua vida.
Tensiono o maxilar, mas não quero entrar nesse assunto. A Fabiana está muito enganada quanto ao sentimento do Lucas por mim. Quem olha de fora pode até perceber isso pela forma como ele me trata, a atenção que dispensa a mim e tudo mais, mas eu como melhor amiga dele sei que é só o Lucas sendo ele mesmo. Convivi com ele a minha adolescência inteira e ele simplesmente nunca me quis. Isso não vai acontecer agora e não quero me aproveitar disso só por que estou grávida. Fui trouxa, me apaixonei por ele e agora vou seguir minha vida sem o meu melhor amigo e com um filho nos braços.
— Não acha patético como a gente vive comparando a nossa vida com a de pessoas que nem conhecemos de fato? Mudando de assunto — digo, numa tentativa de direcionar a conversa para um território seguro —, eu sempre me comparei, mas nunca demonstrei isso para ninguém, por que era me expor demais. Ser vulnerável ao extremo, na minha experiência de vida, nunca foi bom.
— Você ficava se comparando com as pessoas? Sempre achei você incrivelmente segura. — Ela parece assustada.
— Nossa, e muito. Desde a adolescência. Me tornei competitiva ao extremo e sempre quis ser a melhor em tudo por causa disso. Nunca fui tão segura de verdade.
— Nunca imaginaria. E sendo bem sincera aqui, sempre quis ser sua amiga, sabia? Eu olhava você e você era tudo o que eu queria ser — diz ela, com o tipo de sinceridade e admiração inabalável que só uma mãe pode ter.
— Obrigado, amiga. — E é a primeira vez que uso essa palavra com convicção e verdade, por que sinto que Fabiana realmente é minha amiga, não por só mera casualidade. Mas também não consigo dizer mais do que isso. Independente de qualquer coisa, e com toda saudade que sinto do Lucas, estou amando ter uma nova pessoa para chamar de amiga.
Entramos na rua da casa da sua mãe e quando chegamos ao portão, somos recebidas com a expressão de dona Firmina, pedindo silêncio, o que significa que muito provavelmente o Davi está dormindo ou tentando. São 22h e estamos um pouco risonhas e animadas demais, isso atrapalharia o sono dele. Penso no quanto isso é engraçado, o fato de ainda ser tão cedo, mas mesmo assim tão tarde.
— Essa é a vida de uma mãe — diz Fabiana como se estivesse lendo meus pensamentos.
— O Davi está dormindo — diz dona Firmina. — Acho melhor deixá-lo aqui e você vem buscá-lo amanhã cedo para levá-lo à creche, pode ser? Acabei de colocá-lo para dormir e se você entrar vai despertá-lo.
— Tá bom. Te amo, mãe.
— Às vezes, tenho minhas dúvidas.
— Você sabe que sim.
Fabiana se aproxima e beija a mãe na bochecha que a puxa para um abraço apertado. É nessa hora que sinto vontade de desabar de tanto chorar. Estar grávida não é fácil, muitas emoções conflitantes aqui dentro. Seguro o choro, como sempre, e sorrio com a cena.
Sinto falta da minha mãe. Queria que ela estivesse ao meu lado nesse momento. Deve ser importante ter alguém que possa te ajudar nessas situações. Eu estou sozinha nessa e é impossível não pensar em tudo que terei que abandonar para poder criar meu filho. A realidade bate forte no meu peito e sinto como se ele estivesse sendo esmagado.
— Também te amo — diz dona Firmina. — Agora leva sua amiga pra casa e se divirtam mais um pouco, vocês duas merecem.
Quando nos afastamos, sinto o mesmo aperto esmagador no peito de mais cedo quando vejo Lucas do outro lado da rua com a mesma garota que estava na matéria do site de fofoca.
Fabiana não o vê, o que é ótimo. Disfarço o meu incomodo novamente e começo a puxá-la para outra direção.
Enquanto caminho pela calçada, mando uma mensagem rápida para ele.
Gioh: Vejo que realmente seguiu com sua vida.
Vejo que ele está digitando uma resposta.
Lucas: Tô sim. Acredito que esse seja o plano, não? Você mesma que me aconselhou.
Respondo em seguida, fazendo minha birra de sempre.
Gioh: Sim, esse era o plano. Ótimo então.
Horas depois, já estou deitada na cama pronta para dormir e nenhuma resposta. Legal. Agora serei ignorada real.
Difícil te ajudar, Giovana!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro