capítulo | 05
Dez dias se passaram desde o encontro desagradável com Lucas e, consequentemente, esse também é o maior tempo que não nos falamos. Mas mesmo eu não tendo ideia do por que fiquei sem entrar em contato com ele – nem mesmo por que meu amigo ficou sem me ligar ou mandar mensagem –, quanto mais eu penso nisso, mais percebo que Fábio está certo: eu sou muito dependente do Lucas.
A aula acabou cedo demais, e tudo o que posso fazer é me arrastar ao longo do dia. Talvez ler um ou outro capítulo, terminar de escrever meu artigo ou buscar mais informações acerca do estágio que estou almejando.
Só que, quando chego em casa, meu pai está deitado no sofá, bêbado. O que não é nenhuma novidade. É difícil lembrar um único momento em que ele esteja sóbrio. Minha mãe, enquanto estava viva, teve que lidar com suas bebedeiras por muito tempo, e acabou se envolvendo num acidente terrível que lhe roubou a vida. E, por causa disso, minha irmã mais velha meio que assumiu a responsabilidade pela nossa família.
Todo este tempo achei que minha irmã estava sendo covarde por não se matricular nas universidades quando passava nos vestibulares, mas agora, que essa responsabilidade é minha, eu vejo quão cansativa é essa vida e o tanto de responsabilidade que exige.
Não me arrependo de tê-la incentivado a seguir os seus sonhos; continuar aqui não estava sendo saudável para nenhuma de nós. Mas também não tenho a paciência que ela tem. Por isso que restrinjo ao máximo a minha responsabilidade para com ele. E agradeço por ele ter um senso de autonomia pessoal e saber se virar muito bem. e por ter a tia Ivone, que é quem me socorre.
Toco seu rosto para saber se ele está vivo. Meu pai estende a mão e me pega pelo braço, abraçando minhas pernas.
— Graaaaaaace! Você tá bem? Não sabia que estava em casa, garota — balbucia meu pai.
O cheiro de álcool em seu hálito é tão forte que viro o rosto enquanto me desvencilho de seus braços.
— O que você está fazendo aqui, Graaaaaaace? — diz, segurando minha perna de novo.
Ele levanta, cambaleia para frente e tenta segurar meu braço numa tentativa de se apoiar, mas eu o afasto.
— Não sou a Grace, pai. Já falei isso milhares de vezes — retruco. — Se você não tivesse tão bêbado saberia.
Meu pai me avalia por um instante. Aposto que deve estar se perguntando se tenho um coração dentro do peito.
— Claro que você não é a Graaaace, ela tem coração.
Reviro os olhos, dando de ombros.
— Você precisa comer, sabia? Tomar um banho e descansar também. E eu preciso estudar. Vamos facilitar as coisas?
— Giooooh, não tô bêbado! — gagueja. — Eu tô bem, juro pra você. Só tomei um pouco disso aqui — ele aponta para a garrafa de uísque, que está quase na metade. — Mas não se preocupe, não bebi muito hoje.
Seus olhos estão vidrados e ele não tem firmeza ao falar. Mas não é como se ele estivesse totalmente embriagado. Não há dúvida que ele está bêbado, mas com algum resquício de sobriedade. Evidentemente virou alguns shots para ficar desse jeito em tão pouco tempo. Mas como seu corpo já está acostumado ao álcool, bebendo pouco ou muito a sua aparência é sempre de bêbado nível máximo.
Assim que paramos de conversar sobre nada em especial, ele toma banho, se recusa a comer e deita em sua cama, agarrando no sono em seguida. Fico ali, em pé do lado da cama, acariciando seus cabelos enquanto ele murmura alguma coisa e começa a roncar baixinho. Apesar de cansativo, não tem sido muito difícil lidar com ele.
Quando me dirijo para a sala, encontro com Gabriela sentada no sofá com o notebook no colo. Ela deve ter acabado de chegar do curso de modas que faz. Caminho até a sua direção e me sento ao seu lado. Ela se vira para mim, entendendo o que acabei de fazer.
— Ele está bem?
Assinto.
— Sim, só precisa dormir.
— Que bom, então.
— Uma ajudazinha seria legal, sabia? — resmungo.
Gabe me olhar de soslaio.
— Ele não é problema meu.
Bufo, resignada. Não adianta discutir, ela não gosta do nosso pai.
— Por que você está com essa cara? — pergunta, mudando totalmente de assunto.
— Eu tô normal.
Gabe volta sua atenção para mim. Suspiro na mesma hora. Ela tem se tornado uma pessoa com quem tenho aprendido a conversar. Não somos melhores amigas, nunca falamos sobre assuntos pessoais uma com a outra, mas depois da partida da Grace, temos conversado com uma frequência maior.
Seguimos em um silêncio cômodo. Gabe volta a pesquisar alguma coisa no Google e eu fico ali, só existindo. Ela coloca o notebook do lado, puxa uma cadeira e senta virada de frente pra mim.
— Isso tem a ver com a ausência do Lucas aqui em casa? Vocês tem se falado?
Nego com a cabeça. Ela ergue a sobrancelha pra mim e vira a cabeça de lado como quem diz "E você está mentindo por quê?".
— Tudo bem — confirmo. — Estou chateada com o Lucas. Ele está muito diferente comigo. Não responde minhas mensagens, não quer vim aqui em casa, me ignora na faculdade e até agora não perguntou nada sobre o meu noivado.
Ela solta uma gargalhada aguda.
Balanço a cabeça intensamente, não acreditando na atitude infantil de Gabriela.
— Desculpa — se justifica —, eu não ri de você. Ri da situação.
— Não vou te dizer mais nada. Vou estudar que ganho mais!
Faço menção de levantar, mas Gabriela me empurra de volta.
— Não, Gioh, me escuta. — Agora ela parece a Grace falando. — Sua amizade com Lucas é muito estranha e você precisa concordar que ele é meio que um cachorrinho de estimação. Só que agora ele deve ter entendido que você é noiva e que as coisas vão, ou melhor, precisam mudar. Quem sabe ele também não tá namorando?
Sinto um calafrio quando lembro que quando o vi pela última vez ele estava com uma menina do lado.
— Não — rebato. — Lucas não é de namorar sério. Ele gosta é de ficar com várias garotas por aí.
— Acho que você tem uma visão errada dele. O Lucas não é assim como você pensa.
— Eu sou a melhor amiga dele, então o conheço melhor do que você — digo.
Ela balança a cabeça.
— Se você diz. Quer um conselho?
Fico em silêncio.
— Tenta conversar com ele sobre a vida dele, Gioh. Para de ser egocêntrica um pouco e observa o mundo ao seu redor, tenho certeza de que vai perceber muitas coisas diferentes. Tenta enxergar o Lucas como homem, não apenas como seu amigo da infância e confidente.
Pisco para ela.
— Como assim?
— Estou dizendo que a amizade de vocês se baseia apenas na sua vida — diz ela, voltando a sentar no sofá e colocando o notebook no colo. — É uma amizade muito bacana, curiosa e que causa inveja em muita gente, não nego. Mas se parar para pensar melhor, ela pode está esgotada.
— Sei disso — alego.
Mas, mesmo quando digo isso, percebo que não tenho tanta certeza.
Não gosto do fato de estar sendo confrontada desse jeito.
— Eu acho — continua ela, lenta e cuidadosamente — que às vezes você vê o Lucas como alguém que é subserviente. Você joga todas as suas coisas nele, e não é justo, nem com ele nem com você. Sei que ele talvez não se importe, ou que goste muito de você a ponto de não se chatear, mas uma amizade não tem que ser assim. Então, tenta se esforçar um pouco mais para demonstrar o mínimo de atenção possível as coisas dele. Acredito que isso seria bem legal...
Ergo o queixo, esperando-a continuar. Ela não fala mais nada, apenas se levanta com o notebook em seus braços e vai para o seu quarto, deixando a batata quente para explodir em minhas mãos.
Sei que ela tem razão. Talvez o Lucas esteja se cansando do meu jeito autoritário e exigente. Como todo mundo. Desde sempre as pessoas se aproximavam de mim e não aguentavam ficar comigo por muito tempo. Ficavam frustradas e cansadas do meu jeito. Então me abandonavam e eu novamente ficava sozinha.
Mas não o Lucas. Ele sempre esteve ao meu lado, sempre fazendo gracinhas, me estimulando e incentivando a correr atrás dos meus sonhos, e, em nenhum momento, se intimidou com o meu jeito de ser. Sei que o que temos é especial. Mas também sei que exijo demais.
Estou tão confusa!
Nunca pensei que no momento mais feliz da minha vida eu me sentiria tão triste e tão estranha. Sem ter com quem conversar a respeito. Sem ter a pessoa que eu mais admiro ao meu lado para vibrar comigo.
Em algum momento ao longo dos meus devaneios, decidi trocar de roupa e partir em direção à casa do Lucas. Não sei bem como isso aconteceu, só sei que agora estou parada bem aqui, na frente o seu portão de madeira.
Aperto a campainha e espero impacientemente que alguém atenda a porta. Por sorte quem atende é o próprio Lucas. Ele fica parado me encarando... Encarando a minha vergonha. Quando na vida eu me sentiria envergonhada diante do meu melhor amigo? As coisas estão fora do controle mesmo.
Por alguns segundos — ou minutos, vai saber —, nossos olhares ficam travados. E agora, lenta e quase involuntariamente, Lucas inclina a cabeça para o lado, em olhando de uma forma esquisita. Penso logo no pior: ele está acompanhado e vai pedir para que eu volte outra hora.
Ao redor, as árvores farfalham com o vento, e consigo ouvir as vozes das pessoas conversando. Tudo acontece normalmente, mas é como se o tempo tivesse parado para nós dois. E, durante algum tempo, ficamos sem falar nada, como dois desconhecidos parados no meio da rua.
Espero ele se afastar e me dar passagem para dentro da sua casa, mas ele não o faz, e isso só confirma a minha hipótese.
De alguma maneira, nossos corpos estão mais próximos agora, a distância diminuiu bastante e, por alguns demorados segundos, ficamos congelados diante um do outro, nenhuma expressão ou palavra, até que seus braços me envolvem e ele me abraça.
Desmorono.
Como estava sentindo saudade disso.
Lucas se afasta ligeiramente e dá uma pequena olhada em mim antes de me abraçar novamente, inspirando fundo o meu cheiro, fazendo meu coração ficar aquecido.
— Então — balbucia ele, subitamente me soltando e fechando a porta atrás de si.
Suspiro, ainda incapaz de dizer muita coisa.
— Então — repito.
Ele me puxa para dentro de sua casa e fico tranquila ao saber que ele não está com alguém. Então me sento no sofá, o coração ainda batendo como uma bateria maluca. Quando recupero a sanidade, digo:
— Posso perguntar uma coisa?
— Qualquer coisa. — Sua voz é tão suave e doce que até me sinto mais segura.
— Você está cansado de mim?
— Lógico que não. Que pergunta maluca — ele responde, parecendo surpreso com o assunto.
— Mas tem certeza?
— Claro que sim — admite, abrindo um sorrisinho.
Meu coração parece mais tranquilo depois da sua resposta sincera. Esse sorriso diz muito mais que as suas palavras, mas ainda assim não posso descansar até jogarmos o jogo da "Verdade ou Mentira". É algo que fazemos desde que nos tornamos amigos. Lucas inventou isso quando eu escolhia ficar calada diante das coisas que acontecia em minha casa. Ele me dava à oportunidade de escolher. Se eu escolhesse verdade, deveria lhe contar tudo, sem omitir nenhum detalhe. Se escolhesse mentira, ele entendia que era algo que eu não queria falar a respeito, então não insistia, deixando a meu critério escolher quando contar.
— Ei — o chamo com delicadeza para se sentar ao meu lado. Sinto que Lucas começa a ficar confuso, mas ignoro. Estou determinada. — "Verdade ou Mentira".
Ele me olha receoso.
— Pelo quê?
— "Verdade ou Mentira", Lucas?
— Verdade. Eu sempre escolho a verdade.
Isso é um fato. Ele sempre escolhe verdade, mas também, ele não teve muitas oportunidades de escolher qualquer outra coisa se considerarmos o fato de que eu não o deixei falar muito sobre sua vida.
Ralho mentalmente comigo mesma por essa lembrança.
Tão egoísta.
— Você disse que não está chateado comigo, mas se afastou. Por que isso?
Seu rosto relaxa, e ele sorri.
— Por que eu preciso de um tempo pra mim, Gioh — diz ele, parecendo satisfeito, e eu não sei decifrar se gostei ou não da sua resposta.
— Tempo pra quê? — pergunto. Acho que não estou fazendo isso da maneira certa.
— Amor, relaxa — ele me acalma. — Eu não estou me afastando de você de maneira proposital. Só estou com muita coisa da faculdade acumulada agora que os shows aumentaram. Fica tranquila.
Por alguns segundos, fico encarando seu rosto, tão sereno e calmo como sempre. Sei que ele está falando a verdade e que não preciso me preocupar, mas tenho medo do que possa acontecer quando eu casar. Será que esse será o nosso fim? Não ter mais a amizade que tínhamos antes? Passei tanto tempo pensando em casar e ser feliz, e em nenhum momento passou pela minha cabeça essa possibilidade de ficarmos separados.
Bufo, tentando desesperadamente não pensar nisso agora.
E agora estou aqui, e Gabe tinha razão. Preciso saber mais da vida do meu amigo. Estar com ele por causa dele também.
Uma sensação de vazio toma conta de mim, seguida por uma tristeza tão grande que preenche cada centímetro do meu corpo, cada canto de meu coração. Porque não vou tê-lo para sempre, porque já estou sentindo saudades, e porque se ele não estiver comigo, como vou me virar nessa vida?
Só percebo que estou muito tempo em silêncio quando Lucas me abraça. Ele não diz nada, não pergunta se estou bem, nem tenta me alegrar. Ele apenas me aconchega enquanto enterro o rosto em sua camisa, aproveitando cada segundo ao seu lado, cada momento que ainda temos, e, por um bom, bom tempo, ele não me solta. Assim, sussurrando contra seu peito, o agradeço.
— Obrigada por isso. Você é meu melhor amigo. Sabe disso, né? — digo, com um sorriso inseguro.
Lucas me aperta contra seu corpo. Sorrio com mais firmeza.
— Claro que sei, amor. E você é minha melhor amiga.
Que seja assim pra sempre, torço em silêncio.
Amores, o capítulo foi postado sem revisão, então, desculpem os errinhos e se preparem para mais um capítulo quarta-feira. Beijos.
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