Sermão do Sasuke
O vigiava desde a liberação da punição.
Não demorou muito a perceber que havia algo de errado com ele. Primeiro, por que ele não percebera sua presença. Nunca, em todos os anos que se conheciam, o vira passar nada despercebido. Segundo, por que seus movimentos estavam todos errados. Seu caminhar, o modo como ficava amostra na janela sem nenhum cuidado, a maneira como agia com a garota pequena, totalmente infantil, muito parecido como quando o encontrou há seis anos, preso naquela cela, sem saber falar, se comportar ou agir. Madara lhe dera o trabalho de transformá-lo em um deles, já que os testes eram todos favoráveis. Muitos iniciavam no projeto, mas poucos suportavam as etapas, morriam ou eram descartados. Ao todo, haviam dez que concluíram e foram liberados ao lado de fora. Ele fora o primeiro, 445, o último.
Se era apenas uma ordem, saiu de seu controle tão cuidadosamente armado. Tinha um estranho senso de preocupação com a criança outrora selvagem. Sua frieza não ficara indiferente. De todos, era o único que não conseguiria eliminar, e assim, o conhecia mais do que a todos que se lembrava, e quando soube de sua captura, tortura e morte pensou em matar Madara, mesmo que isso significasse sua própria aniquilação.
Mas ele estava vivo. E isso era algo que nem mesmo sua mente conseguia entender. O vira passar pelos efeitos nocivos, estava quase morto quando o levaram ao galpão. E ainda assim, sobrevivera.
Não sabia o que havia ocorrido com ele, mas durante todo o tempo que o observou, não era 445 ali. Era alguém diferente. Não parecia estar fingindo em uma missão. Expressava sentimentos aflorados, chorava, perdia o controle, ria e todos os atos humanos que pessoas como eles dois não conheciam.
Até aquela noite em questão. Na madrugada adiantada, o via agitar-se no sono, como fazia todas as noites em que dormia, o que não eram muitas. Mas daquela fez, não gritara. Sentara rapidamente e fora até a janela e farejara o ar. Os movimentos eram mais fluidos, coerentes e ágeis. Abriu a janela e pulou para o muro vizinho sem encostar no da casa e ficou de pé olhando para a janela da garota. A mesma garota que havia pedido para que ele conferisse a segurança. Não entendera o objetivo dele, talvez, nunca entendesse esse tipo de ação. Achara que ele a havia salvo unicamente para ir contra Madara, como sempre fazia, desobedecendo cada ordem e fazendo o que queria.
Não o entendia tão pouco naquele momento. Olhando-a, sem se aproximar, se mostrar, apenas na vigília.
Pela primeira vez naquele dia se aproximou, e em um salto se colocou a seu lado no muro. Ele continuou na mesma pose sem olhá-lo. Já havia percebido sua presença no instante em que farejara o ar. Aquele, era 445.
– Fragmentação de personalidade. – o loiro falou como se lesse seus pensamentos. – Não tenho mais controle sobre meu corpo em boa parte do tempo. É incomodo, e limita meu tempo para agir. Não sei como reverter isso.
– O que causou? – perguntou no mesmo tom baixo, também olhando a garota que dormia um sono agitado.
– Durante algum momento do castigo abriguei a mente como fazia, e não retornei mais até que estava naquele galpão e haviam rasgado minha veste. Os eliminei, e não tinha mais controle sobre mim.
Ficaram em silêncio, por algum tempo. Tentou ler algo na expressão do outro, mas ele estava o mesmo de sempre. Viu que ele notou as marcas de seu pulso causados pela punição, mas não falaram nada sobre isso. Não necessitavam. Ele, mais do que todos sabia o que se passava naquela sala. Nunca nenhum dos números passou mais tempo do dentro dos castigos do que 445. Não compreendia como tal ser funcionava. Isso o deixava no mínimo curioso. Talvez fora isso que o aproximara de tal criatura: curiosidade. Era totalmente insubordinado, quase um suicida.
– Lembra-se quando me ensinava a ler, e perguntei se lembrava sobre sua família?
Assentiu sem saber onde ele queria chegar.
– Você me disse que ninguém ali tinha família, ou vida fora das cercas. – O loiro o encarou pela primeira vez na noite. Nunca deixava de se impressionar com o azul. Não era como os do número 5, Deidara. Era um azul totalmente diferente. Esperou que ele continuasse.
– O meu último alvo, o professor. Era meu progenitor legitimo.
Sentiu uma reação rara de surpresa em si mesmo, os olhos se abriram mais, a testa se crispou. O outro notou e riu pelo nariz de leve. Nunca ficava surpreso por nada. E tão pouco reagia assim. Se recompôs rápido e assumiu o olhar sério, o outro o imitou e voltou a olhar a garota.
– Não fui como o restante. Sou produto de um capricho, uma vingança pessoal de Madara.
– Por isso lutou tanto contra mim quando o parei naquela noite?
Ele não respondeu. Eram anseios que não compreendia. Naquela noite, não só desobedeceu uma ordem como lutou contra o ruivo a sério, coisa que nunca haviam feito. Queria impedi-lo de falhar mais uma vez, sabia que Madara não daria outra chance. Foi inútil.
– Ele está vivo?
–Não sei. Fui capturado. Preciso saber onde ele está, reuníamos provas, podíamos destruir Madara.
– Me dê o nome.
Viu que o loiro sorria de lado. As vezes ele tinha essas reações peculiares. Aprendera com ele, durante os seis anos, o imitando nos gestos curiosos. Mas era diferente.
– Namikaze. Minato Namikaze.
Passaram os próximos minutos em silêncio. Logo amanheceria, precisava partir. Sempre era assim quando ficava ao lado de 445. Sentia-se estranhamente bem. Foi quando notou o fino filete de sangue no rosto do outro, que limpou de pronto.
– Há quanto tempo tomou a ultima dose?
– Dois meses.
Pela segunda fez naquela noite, reagiu de forma surpresa. Dessa vez o outro não riu.
– Você devia estar morto agora.
– Não diga, Gaara. –Não entendeu seu tom. Nem o gesto impaciente.
– Meses sem mim e esquece o que é ironia. – o outro suspirou. – A outra droga que ele aplicou de alguma forma retardou os efeitos da abstinência, mas pelo jeito não os parou. O processo foi iniciado. Meu tempo se limita a agir.
– Tentarei trazer uma dose.
O outro negou devagar: - Notariam. Não faça isso.
Não o entendia de nenhuma forma. Talvez nunca entendesse. Mas o sol nascia, hora de partir. Se virou de costas e se preparou para o pulo.
–Gaara. – o outro lhe chamou. Esse era o nome que 445 havia lhe dado. Não se perguntou por que, mas não se importou, não era um nome ruim. Ele o encarou sem dizer uma palavra e depois voltou a olhar a garota. No olhar entre os dois estava todas as palavras que não precisavam dizer em voz alta.
Afinal, palavras, agradecimentos, pedidos de cuidados. Eles não necessitavam disso.
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Sasuke podia não ter tato com as coisas, mas ele sabia quando as coisas não iam bem. E definitivamente, era o caso. Vendo Naruto deixando Shizune plantada na sala todas as noites, ou quando Kakashi viera e o obrigara a sair do quarto, o loiro ficou sentado olhando em silêncio para os desenhos da toalha por três horas até ela desistir.
Perdera tanto a paciência com aquela aura depressiva que o provocava de propósito. O máximo que conseguiu foi fazer ele quebrar a mesa da cozinha com um soco, mas logo voltara a mesma letargia irritante, e Itachi lhe dera um olhar assassino por conta da mesa.
O dobe ainda passava a noite perambulando pela casa como um Zumbi, quando não o acordava com um grito que toda vida derrubava Sasuke da cama. Havia algo de muito errado com aquele garoto.
Ainda mais por ignorar a vizinha (No mínimo uns três anos mais velha, sexy! O que ela via no retardado do Dobe?), que parecia estar a ponto de ataca-lo de tão frustrada. Detestava não saber o que estava rolando. Pelo o olhar do loiro podia jurar que ele estava caidinho pela morena,
E ainda tinha a fedelha que vinha todos os dias, e quando não conseguia retirar o loiro da bolha "eu estou muito infeliz para sair da cama", vinha lhe encher o saco. Ela parecia formada e ter diploma nisso.
E Itachi parecia neurótico, Sasuke não podia colocar o pé fora de casa, Kakashi estava a ponto de estapear Naruto para ver se ele reagia (imagina o desastre que ia ser isso) , e Shizune estava tão estressada que não entendia como alguém assim podia ser psicóloga, definitivamente, ela estava do lado errado da mesa.
E ainda ele era o revoltado com problemas comportamentais. Todos eram loucos!
Naquele noite jurara que não seria pego desprevenido pelo grito e cairia da cama. Esperou, mas o que ouviu foi uma movimentação estranha no quarto, e o barulho da janela sendo aberta. Desceu pé ante pé da cama e entrou no quarto do Dobe. Vazio. Subiu a torre de vigília do irmão (certo que Itachi era policial, mas não deixava de acha-lo neurótico por ter um troço daqueles). Era o ponto mais alto, quase caiu para trás ao ver o esquisito conversando com o ruivo. Não lembrava bem (estava um pouquinho embriagado na época), mas só conhecia um ruivo amigo do Dobe. E que tentara mata-lo, por sinal. Os dois conversavam (parecia, pelo menos, embora parecessem mesmo duas malditas estátuas de jardim) por bastante tempo, e Sasuke olhou até ter certeza de que não seria morto por uma espada durante o sono. Amanhecia quando saíram e o loiro ficou sozinho olhando para a janela da outra casa. Sasuke finalmente foi deitar. Havia dormido meia hora quando o grito o derrubou da cama o fazendo xingar até a décima geração daquele maldito.
Mesmo assim, não havia como não criar um nó na garganta ao ouvir aquilo. Saltou da cama, ainda lesado por uma noite perdida espiando o protegido do seu irmão e o cara que tentara mata-lo e foi ver o Dobe.
Abriu sem bater devagar. O garoto estava na posição de quando acordava dos pesadelos: abraçando os joelhos, sentado encolhido e olhando para a parede, a franja cobrindo os olhos. Quando Sasuke entrou ele se encolheu mais, porém, continuou em silêncio.
– Vou gravar seus gritos como despertador do celular, já que me acordam sempre mesmo.
Viu o outro se encolher e acrescentou depressa: - Zoando você Dobe.
Sentou na cama olhando para o chão. Definitivamente Sasuke Uchiha não era a melhor pessoa para abordar alguém em uma situação como aquela. Tinha vontade de dar meia-volta, chamar Itachi, qualquer coisa. Ele não sabia ser sutil, gentil ou confortante.
– Com que estava sonhando? – perguntou de supetão. Pareceu mais um ultimato e se xingou. O outro não respondeu, nem deu mostras de que iria responder. Foi quase um minuto de silencio, Sasuke ia sacudi-lo para ver se ele dormira, mas sua voz baixa o interrompeu antes que chegasse a isso.
–Hei Sasuke. – Ele largou os joelhos e encostou os pés no chão, permanecendo sentado no colchão ao lado do outro, na mesma posição com as mãos no colo. Naruto mexia com os dedos, e não conseguia ver seu rosto, coberto com os cabelos loiros bagunçados.
O moreno esperou ele continuar, sem olha-lo. Os veios da madeira de repente pareciam conter os segredos do universos para os dois.
– Por que as pessoas machucam umas as outras?
Pego desprevenido, Sasuke não fazia ideia do que falar.
– Por que pergunta isso pra mim? – murmurou desconfortável.
–As vezes, eu penso que é um ciclo. Eu machuquei muitas pessoas, as vezes eu sonho com isso. Eu já matei também, mesmo que para me defender. – O moreno arregalou os olhos e um arrepio correu sua espinha. A voz de Naruto era baixa, e perdida. – E já fui muito machucado... De tantas formas que eu penso que seria melhor estar morto.
– Não fale besteiras. – Cortou. Tentou notar se quem estaria ali era o Naruto violento que conhecera. Mas a voz não era hostil, era o Naruto ingênuo, só que com tanta... dor na voz. Ele finalmente falava o que o prendia todos esses dias em que ninguém o alcançava. E para quem decidia falar... Logo a pior pessoa para falar ou ouvir sobre sentimentos. Sasuke queria correr e chamar Itachi, ligar para Kakashi, Shizune... qualquer coisa! Mas manteve-se impassível.
– Quando alguém é machucado, ele machuca também. – o outro continuou como se não ouvisse seu corte. – Não queria lembrar de nada, não sobre o que fizeram comigo, mas sobre o que eu fiz. Eu sou o que fizeram comigo... E o que eu fiz também.
– Não pode fugir para sempre Dobe. Uma hora vai ter que sair da zona de depressão e encarar os fatos. – falou sério tomando fôlego e rezando para não dizer besteira e tornar o caos ainda mais completo. – As pessoas machucam as outras porque seres humanos são fracos demais, e acham que o modo de se sentirem mais fortes, é tornando os outros mais fracos que eles mesmos, ferindo-os. Se acha que é um ciclo, quebre. Se não gosta do que você é, mude, não é obrigado a ser a mesma pessoa de antes. Essa merda de ser o que fizeram de você, o que você fez, não faz sentido nenhum. Supere os fatos, mostre ao desgraçado que tentou te transformar com dor que você é quem manda. Fugir do passado é tolice, assim como fugir daquela garota...
O loiro levantou a cabeça depressa e o encarou durante cada palavra. Na última desviou o rosto para o lado.
–Você gosta dela. – Sasuke falou malicioso. – Por que está fugindo que nem uma garotinha virgem?
Naruto corou: - N.não é isso...e.eu...
O moreno rolou os olhos: - Desembucha.
Ouviu um forte suspiro: - Ela me olha... eu sinto culpa... por não lembrar. E medo, e.eu acho, do que vou lembrar. E ela me olha... e eu não sei.... – a voz estava confusa, baixa, perdida.
– Besteira. – Sasuke bufou. – Você tem que lembrar de qualquer jeito, não pode ficar correndo em círculos Dobe. – Olhou o loiro que continuava sem encara-lo.- Se não investir, vou dar em cima dela. – Completou simplesmente.
Naruto o encarou depressa, os olhos faiscando frios por um instante, segundos, fazendo o Uchiha sentir o perigo no ar ao ver o lado violento. Mas tão depressa, eles voltaram ao normal.
– Só uma dica. E eu não vou te abraçar, passar a mão no seu cabelo nem nada do tipo, como os outros. – bateu no ombro do loiro. Pensou por um instante que seria jogado pela janela pelo lado maníaco, mas ele não estava mais ali e Naruto só assentiu. Sasuke se levantou e se preparou para sair. Havia batido seu recorde de toda a vida de palavras por minuto.
O loiro continuou sentado do mesmo jeito, quando o moreno já segurava a porta o outro menino falou:
– Era uma luta, o sonho. Eles me colocaram em um lugar. Era escuro, frio. Não gosto do escuro... E tinha outro menino, e disseram que só saia de lá quem matasse o outro. A gente não queria... Machucaram muito a gente, ele me atacou, e eu... matei. –ele falou a última palavra já abafado, o moreno quase não ouviu. – Sou um animal...
Sasuke lembrou do próprio insulto para com o garoto e fechou os olhos.
–Você é uma vítima.
–Sou um assassino. – ele sussurrou.
– Não é quem executa Naruto. – O moreno falou sério antes de sair. – Não seja estúpido. É quem guia. E em um momento entre a vida e a morte, todos somos animais.
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Naruto ficou remoendo as palavras do outros sentado na mesma posição. Ele não aguentava mais sentir tanta dor...
O moleque Uchiha tem razão. Matar para sobreviver não é assassinato idiota.
– Isso não muda nada.
E choramingar muda? Tenho muito o que fazer. Não suporto fraqueza de imbecis.
Se assustou com a voz na cabeça. Se não fosse só uma voz parecia querer bater nele.
Imaginou confuso como seria a cena dele batendo em si mesmo e riu de leve.
Você me obrigou a ouvir um sermão de um moleque arrogante. Bem que eu queria fazer isso mesmo.
Naruto caiu na cama e fechou os olhos, mais tranquilo do que se sentiu em dias. O passado não podia machucar ele se não deixasse. Tinha que enfrentar as coisas.
Ele não sabia, mas seu passado não concordava com isso. Ele estava cheios de braços para tentar leva-lo de volta.
Os dias em que seu medo só se resumia a seus sonhos, estavam com os dias contados.
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