Abstinência
Era um prédio antigo, quase caindo aos pedaços no fim da cidade. Parecia abandonado.
– Aqui é sua base secreta? – Kakashi ironizou. Vinha trocando farpas com Minato o caminho todo.
– Quem vê cara não vê coração. – Minato respondeu sereno e Anko deu uma gargalhada que o grisalho só entendeu quando entraram no segundo andar. Era moderno, cheio de artigos eletrônicos estranhos, estantes de livros, aspecto vitoriano.
– É melhor do que a sua Itachi. – resmungou fazendo outro rir.
Ele, Minato e Itachi subiram no elevador, até o último andar enquanto os outros procuravam nos debaixo. Kakashi já ia dizer que ele não estava, quando no instante em que Minato abriu a porta viram a poça de sangue perto da janela.
Seguiram em silêncio após uma troca de olhares, o sangue pingava pela casa até o sofá no quarto, onde viram a sombra encolhida e tremendo.
–Naruto! – Kakashi gritou, quase sendo derrubado por Minato que o empurrou para chegar primeiro.
– Menma!
– Falem baixo. – o garoto resmungou encolhido. A voz estava fraca e trêmula.
Minato se ajoelhou nos pés do filho e quando Itachi acendeu a luz e iluminou a escuridão viram o estado do garoto. Ele sangrava pelo nariz, ouvidos. A pele pálida, quase transparente e suada, e tremendo. Os olhos azuis opacos o encaravam sem vida.
– O que fizeram com você? – Kakashi ficou paralisado vendo a cena. Minato pegou o garoto nos braços e o levou a cama, o cobrindo.
–Me ajudem! Cobertores nas gavetas, precisamos cobri-lo. – Ele está perdendo calor.
– O que ele tem? – Itachi falou correndo com Kakashi e pegando os cobertores enquanto o loiro esticava o filho no colchão. Nesse momento o garoto virou de lado e o homem o ergueu na hora entendendo o gesto quando ele vomitou sangue no chão.
– Abstinência da droga que Madara aplicou nele todos esses anos. – O homem falou rápido. – Ele está no estágio de letargia, logo vem o coma e... – o homem não terminou. Abriu os olhos do garoto, a esclera estava amarelada. Ictericia, o fígado devia ter falhado por completo, os rins também. Os próximos seriam pulmão e coração, e por último o cérebro.– Droga Menma!
O garoto gemeu e voltou a deitar com ajuda do loiro.
–Como se para isso? – Kakashi perguntou num fio de voz. Ele parecia estar... morrendo.
– Só outra dose, mas eu não tenho ela pronta, eu não consegui, eu...
– Eu sim.
A voz fez todos se virarem depressa. Um garoto ruivo que surgira do nada vinha carregando uma mochila e tomando espaço sem pedir licença.
– Você é o garoto que tentou matar Sasuke. – Itachi falou de forma azeda.
– Tudo bem, ele é amigo do meu filho, foi ele que me trouxe de volta ao país. Tem a droga? – Minato falou depressa.
O garoto abriu uma mochila tirando de lá um objeto metálico com três seringas de conteúdo desconhecido.
– Sente-o – o ruivo falou depressa. Minato levantou o seu filho sentando-o e o apoiando em seu peito. Naruto não conseguia manter a cabeça erguida e a jogou para trás tremendo.
O ruivo pegou o seu braço e segurou forte: - No estado em que ele está, isso vai doer muito. Segure forte.
Ele começou a injetar e Naruto gritou se debatendo. Seus olhos abriram mais e as pupilas dilataram. Minato o agarrou com força segurando sua cabeça contra seu peito. Os olhos do homem estavam fechados o rosto contraído ao ouvir o grito de dor do garoto. Mesmo quando o ruivo injetou todo o conteúdo, ele ainda tremia, o rosto cheio de lágrimas, o pescoço tencionado pra trás com veias saltando na pele pálida. Aos poucos foi se acalmando, respirando ainda ofegante. A cor retornando ao seu rosto. O ruivo pegou a segunda injeção, mas Naruto o parou antes que injetasse nele.
–N.não. – murmurou. – Abriu os olhos numa careta de dor. Ainda estavam amarelados, mas em um tom menos acentuado.
– Uma só não vai te segurar muito tempo. Precisa de no mínimo as três nesse estágio para ficar saciado. – O ruivo falou tentando injetar de novo. Dessa vez o loiro segurou seu pulso.
– E.essa... é sua. – engoliu. – N.não pode voltar pra ele, você lutou contra Hidan.
– Tem três. – O ruivo falou impaciente. – Se faz questão, eu fico com uma.
– A.a terceira é do... Minato.
– Minha? – o homem perguntou, ainda nervoso limpando o suor da testa do garoto, abraçado a ele e prendendo seus braços o recostando no peito entre suas pernas, sentados na cama.
– A fórmula completa. – Naruto sussurrou – Faça um antidoto.
Minato sorriu: - Tudo bem, mas descanse agora.
Como que automático o garoto fechou os olhos e pendeu totalmente contra o homem. Minato o abraçou aliviado, beijou a cabeça loira e o deitou na cama.
–Ele vai ficar bem? - Kakashi se aproximou sentando na cama e olhando o garoto já totalmente adormecido.
– Vai dormir por algum tempo. – O ruivo falou ainda segurando as injeções. – Mas vai ficar sim. Em duas horas vai estar normal.
– Eu vou limpa-lo desse sangue. – Minato falou de forma suave acariciando a testa suada do filho. – Depois todos nós teremos uma longa conversa.
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– Então, recapitulando. – Shikamaru falou com um suspiro sentado em uma cadeira na cozinha gigante do apartamento-base–secreta–feio –por-fora de Minato. A sua frente o loiro terminava sua história, enquanto Kakashi, Itachi e Shikamaru ouviam atentos, Gaara estava em um canto anti-social fingindo não ouvir nada e Anko afiava suas facas mirando na parede atrás de Kakashi, chegando perto de acerta-lo algumas vezes. – Você trabalhava com Madara, eram quase irmãos e fizeram a formula dessa droga juntos, só que você não aprovava teste em humanos, ele fez pela surdina, vocês brigaram, ele acabou com sua vida acadêmica, matou sua esposa, roubou seu filho e o usou como cobaia para a droga que você ajudou a fazer, depois mandou ele matar você?
O loiro assentiu abatido. Ouvir a história tornava tudo pior.
– E por todos esses anos. – Itachi falou sereno. – Você saiu destruindo os laboratórios dele e recolhendo provas para manda-lo para a cadeia.
– Deveria manda-lo para o quinto dos infernos, isso sim. – Kakashi falou com uma aura mortal.
O loiro sorriu torto: - Isso que eu pretendo, tenho muitos meios de fazer isso lá dentro.
– Somos policiais Namikaze. – Shikamaru lembrou.
Minato continuou sorrindo.
- Mas Menma, que querendo ou não, é um assassino da Akatsuki, vocês o ajudaram a fugir. – foi a mulher que falou, ainda afiando as facas.
Não tiveram como argumentar contra aquilo.
– E você? – Kakashi se virou para Gaara, até então calado. O outro olhou de modo frio. – Qual é a sua história? Por que está ajudando Naruto? Quem é você?
O ruivo continuou o encarando de modo gelado, mas falou: - Sou o número 1, responsável pelo 445. Eu quero preservá-lo.
– De gente que quer ser responsável por esse menino ele não morre mais. – Anko sorrio para Kakashi girando uma faca entre os dedos, provocando pela clara rixa entre ele e Minato.
– Você foi uma cobaia também? – Shikamaru perguntou ignorando os dois.
– Fui treinado como 445, fui o primeiro a suportar a droga.
– Sua família...
– Meu passado foi descartado. – falou simplesmente e desencostou da parede saindo.
– Ei ei! Aonde vai? – Kakashi perguntou e quase foi morto com um olhar. O ruivo subiu o parapeito de uma das janelas e falou – Vigiar o prédio.
Pulou.
– Parece que ele não gosta de perguntas. – Anko falou olhando para a janela.
– É amigo do Naruto mesmo, ele também não sabe usar a porta. – Itachi falou em um suspiro cansado. – Senhores, eu lamento, mas agora preciso ir ao hospital ver meu irmão.
– Eu também vou indo, mantenho contato. Nada daqui, mencionado em lugar nenhum. Kakashi?
– Vou ficar até ele acordar. – Kakashi olhava para o piso com a voz fraca.
– Anko leva vocês. – Minato sorriu.
Os dois trocaram um olhar tentando disfarçar o terror. A mulher adorou isso.
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Acordou e se sentou depressa. Foi um alivio se sentir ainda no controle de seu corpo, que não parecia mais enfermo, sem dores internas, sem letargia, sem gosto de sangue. Flexionou os dedos, testando. Jogou os cobertores que o cobriam o fazendo suar longe e se levantou rapidamente.
Muito rápido.
Sentiu-se tonto e logo era seguro antes de cair no chão. O ajudaram a sentar no colchão e colocou a cabeça entre as mãos até a tontura passar.
– Vai diminuir quando saciar a fome. A perda de sangue foi acentuada.
Levantou os olhos azuis, com as escleras já totalmente brancas. Gaara já sentara no sofá perto da cama e se encararam com o mesmo olhar frio de sempre.
– Você não vai poder voltar mais. – o loiro falou tentando ver alguma mudança no olhar do outro, que não veio. – Por que fez isso?
– Não sei. O que vai fazer agora?
O loiro fechou os olhos. Sua força voltava aos poucos. Pensou na pergunta.
– A mochila.
Gaara a jogou com força e ele a pegou. Lá estavam os documentos. Colocou a seu lado e o olhou com uma pergunta muda.
– Ela está bem. Falei o que me disse e ela me contou onde estava as coisas na casa. Ainda está no hospital, mas bem.
Não respondeu. Apenas fitou a luz do sol que começava a entrar pela janela onde o sol nascia.
– Vamos encurralá-lo legalmente. Precisamos apenas dos papéis de Uchiha Fugaku, e ele está acabado legalmente. Nem mesmo com todo o poder que tem, vai escapar das acusações.
– Uma prisão não vai pará-lo.
– Ele ser apenas preso não é suficiente para mim também. E eu sei que ele nem mesmo será, mas ele é um jogador, quando pressionado fara seu movimento, e eu sei que será mal pensado. O ponto fraco dele é o orgulho, ele acha que ninguém vai derruba-lo. – ele manteve todo o tom durante a conversa, os dois falavam em voz baixa, pausada, sem emoção.
– E o que vai fazer depois disso?
– Usar seu segundo ponto fraco, a única coisa que o faz perder o controle racional e cometer erros: sua obsessão por mim.
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Ficaram em silêncio por um longo tempo, olhando o sol entrando, sentados, cada um com seus pensamentos cuidadosamente disfarçados. 445 havia exposto a ele tudo o que planejara, algo que apenas ele poderia saber, pois apenas ele, que vivera o que ele viveu naquele lugar poderia sentir algo semelhante ao que ele sentia.
– Você vai morrer. – o ruivo falou ao cabo de instantes. – É isso mesmo que quer fazer?
O loiro abriu um sorriso de canto: - Há um preço para tudo.
– Você me deixa curioso 445. Me intriga de verdade. – o ruivo falou o encarando de modo fixo, tentando ver alguma reação diferente, mas só havia o mesmo olhar gelado, quase sereno do outro. – Há quanto tempo vem planejando isso?
O loiro desviou o olhar para a janela e pela primeira vez que começaram a conversar, passou algum sentimento em sua expressão, os olhos faiscaram e o ruivo, que tentava há anos ler o garoto se surpreendeu com a quantidade de raiva e dor que viu ali nos poucos segundos antes de se deparar com mesma face sem vida.
– Desde que ele me estuprou. – Gaara não conseguiu manter o olhar no seu e desviou para outro ponto organizando os pensamentos. Ele sabia que Madara era possessivo em relação ao que achava que lhe pertencia, mas isso era... Era difícil entender os seres humanos.
A voz do outro o tirou dos pensamentos atordoados. Gaara não estava acostumado a ver sumir sua linha de raciocínio.
– Ele não é o único jogador, Gaara. Aprendi com ele, mas tenho algo que ele não tem. Aprendo mais rápido.
O ruivo não respondeu. Ele sabia como aquilo iria findar. Não havia dúvidas, Madara iria ser dolorosamente destruído. Mas o preço, seria alto.
– Estarei por perto. – falou na sua forma muda de dizer que o ajudaria.
– Eu sei.
Deu passos para a janela mas o loiro lhe parou com um gesto e jogou a injeção que estava na mochila.
– Prepara-se para a guerra que vai vir.
O ruivo não respondeu. Eles eram os únicos ali que entendiam de fato como funcionavam, foram os únicos dentre eles que sofreram na carne todos os anos como ferramentas.
Eles foram os brinquedos de Madara.
Seriam sua ruína.
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Kakashi entrou no quarto e viu o garoto sentado na cama olhando para a janela com olhos fixos e vazios. Ficou parado, observando, pensando no que havia falado no hospital, em como as coisas podiam ter saído do controle tão fácil.
– Ele não vai voltar.
Olhou assustado. Desde quando ele percebera sua presença ali? Entrou no quarto, devagar e sentou no sofá. O garoto virou o rosto para ele e não pode não se impressionar com a diferença entre os olhos brilhantes e aqueles vazios. Era como comparar sol e lua, opostos.
– O que disse? –perguntou sustentando o olhar gelado. Ele sorriu de canto. Até aquele sorriso, não parecia um sorriso.
– Ele não vai voltar, Naruto. Eu assumi.
–Você é Naruto. – rebateu.
O outro negou e riu baixo.
– Você sabe que não, Kakashi, eu vejo nos seus olhos. – novamente aquele sorriso irônico, como odiava aquele sorriso. – Naruto era nada mais do que a gama de sentimentos que eu tive que arrancar pouco a pouco durante todos esses anos para não enlouquecer naquele inferno. Era minha fuga para sanidade. Ele nunca existiu.
O homem o encarou com raiva, ele não removia aquele sorriso do rosto.
– Eu sei que ele existiu, e existe.
– Você mente a si mesmo. – ele voltou a ignorá-lo e olhar pela janela. – Mas se serve de consolo, eu sei que ele queria ficar a seu lado. Eu ouvia cada conversa de vocês. Ele sempre foi meu eu tolo, que acreditava nas pessoas.
– Ele não era tolo. – Kakashi quase rosnou. – E nós ainda... podemos...
O outro suspirou: - Eu não sou ele Kakashi. Não sou nem de longe inocente, gentil ou bondoso. Eu sou o assassino, não o Naruto. Quanto mais cedo perceber isso, mas cedo vai parar com esses anseios tolos. Ele não vai voltar.
Kakashi se levantou em passos firmes para sair, já na porta se virou e rebateu: - Você salvou Sasuke, atraiu a Akatsuki para nos salvar, matou quem tentou ferir Hanabi, salvou a vida de Hinata. Não me engana. Eu sei que ele está ai em algum lugar.
Bateu a porta com força. O loiro nem se virou para olha-lo. Apenas continuou olhando pela janela. Quanto antes eles se fossem, melhor.
Esse tipo de laço só causaria dor de agora em diante.
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