Parte 02: Alergia
Eu continuei berrando e o gato ficou todo curvado, ainda fazendo fsssssssssst como se estivesse tão apavorado com a situação quanto eu. Eu parei de gritar e comecei a pensar em correr. Se eu fosse correndo até em casa, talvez o gato me perdesse de vista em algum momento.
— Você está bem, querida? — Uma senhorinha perguntou, passando pela calçada.
Eu mexi a cabeça para cima e para baixo, ainda incapaz de produzir uma palavra. Ela me encarou, sem entender nada. Depois olhou para o gato, dando um pequeno sorriso.
— Que gatinho mais bonitinho — ela disse, abaixando-se para fazer carinho na cabeça daquela criatura das trevas.
— Miau? — o gato disse, parecendo mais um adulto brincando de gato-mia do que qualquer outra coisa. Mesmo assim, se apressou em esfregar a carinha na mão da senhorinha.
— É seu? — ela perguntou, levantando os olhos para mim. — É tão lindo, quero um.
Eu comecei a balançar a cabeça de um lado para o outro, mas o gato veio correndo na minha direção e começou a escalar minha calça jeans. Congelei, ainda mais horrorizada.
— Ah, que bonitinho — a senhora inferiu que ele era meu. Então, balançou a cabeça ainda rindo e foi embora.
O gato pulou para fora da minha perna no momento que ela virou de costas. Eu me preparei para sair correndo e deixá-lo para trás. Seja lá que maldição tivesse naquele gato, eu não queria que ela espirrasse em mim. Pelo menos não mais do que ela já vinha espirrando. A voz do gato me interrompeu, antes que eu conseguisse correr.
— Você ia deixar ela me levar? — O gato disse. A boquinha pequena abrindo de forma estranha, como se eu estivesse em um filme de animação. — E aí eu simplesmente ficaria preso aqui para sempre?
Preso para sempre? Preso aonde para sempre? Por que o gato falava? Onde estava Benjamin? O que tinha acontecido naquele encontrão, pelo amor de Deus? Por que ele estava falando comigo?
— Co... Como assim? — Gaguejei para conseguir que a pergunta saísse.
— Quem tinha que estar surtando era eu — o gato disse. — Você sabe como o mundo é horrível para alguém tão pequeno? — ele sentou, encolhido. — Onde foi parar meu corpo? Minhas coisas? Meu celular? Se eu tiver perdido todos os meus Pokemons no PokemonGo vou ficar muito puto.
Coisas? Celular? Corpo? Pokemon Go? O QUÊ?
— Preso aonde? — Eu consegui perguntar, para depois voltar a ter um ataque de pânico. — Ai, meu Deus, não acredito que estou falando com um gato.
— Você não está falando com um gato — o gato falou, como se não tivesse nada de irônico nisso. Nada mesmo fez sentido. — Sou eu, Chris! — O gato continuou e eu comecei a sentir fraqueza nos meus joelhos. Como ele sabia meu nome? A não ser que, a não ser que... — Benjamin.
Não.
Não.
— B...B...B...B...B... — eu gaguejei sem parar.
— Benjamin — o gato repetiu, tentando me ajudar, como se eu fosse muito lenta. — Você não achou que era um gato falante de verdade, né?
— Por que gatos falantes de verdade existirem faz menos sentido que garotos incorporarem em gatos? — eu queria berrar de novo.
Vida, nós precisávamos conversar. Existiam limites para as coisas darem errado, até para alguém tão azarada como eu. Uma coisa era eu tropeçar, derrubar tudo que eu toco e até ter uma mãe que acidentalmente coloca fogo na nossa cozinha (mais de uma vez). Outra coisa totalmente diferente era simplesmente transformar o garoto que eu gosto em um gato. Ou pior, em um gato preto. No dia das bruxas. Dessa vez você tinha ultrapassado todos os limites, vida! Eles não tinham nada a ver! A não ser a cabeleira preta e os olhos mel, talvez.
— Eu não sei, mas eu sei que você ficar tendo esse ataque de pânico não vai ajudar — o gato respondeu. Ou melhor, Benjamin respondeu.
— Não acredito que seja você — eu disse, cruzando os braços. — Provavelmente é só um truque desse gato idiota.
— Seu nome é Christine, mas você odeia e faz todo mundo te chamar de Chris. Você tem 17 anos, mas acho que faz 18 mês que vem. Você é da minha sala no colégio desde que eu mudei para lá e parece ter horror a minha presença — o gato, talvez Ben, eu estava muito confusa disse. — Porque não consegue ficar mais de cinco minutos perto de mim sem inventar uma desculpa péssima que a faça sair correndo, como quando disse que sua mãe colocou fogo na cozinha. — o gato riu, se é que era possível gatos rirem. — Você sabia que você usou essa desculpa três vezes?
— Em minha defesa, — eu comecei, subitamente ofendida. — minha mãe realmente colocou fogo três vezes na minha cozinha — mantive os braços cruzados. — E eu não fico perto de Benjamin, quer dizer, de você, muito tempo porque eu tenho medo de te contaminar com meu azar. Pelo jeito eu estava certa.
Silêncio. Se ele era Ben ou não, eu ainda não tinha certeza. O que eu sabia era que não tinha como deixar aquele gato para trás. Pelo jeito ele me perseguiria até o final do mundo e, pelo menos, eu podia tentar tirar a dúvida se ele era Ben ou não. Talvez fosse apenas um gato muito mal-intencionado, indicado e educado sobre minha vida pelas bruxas soltas desse dia horrendo.
Uma mulher passou na calçada bem na hora. Ela olhou na minha direção, sorrindo. Talvez não tenha percebido as lágrimas de pânico nos cantos dos meus olhos.
— Que bonitinho — ela disse, apontando para o gato. — Como ele mia!
Espera. Miar? Quer dizer que ninguém mais conseguia ouvir? Quando ele abria a boca para falar, as pessoas ouviam miados?
— Ué, eles não me entendem? — o gato disse, olhando para a mulher.
— Own, que gracinha — ela esticou a mão para fazer carinho.
— Obrigada — eu respondi, querendo fazê-la cair fora.
Ninguém mais ouvia o gato, pelo amor de Deus. A moça sorriu e foi embora. Como isso tinha acontecido? Eu nunca tinha lido nenhum relato do gênero nos meus chats no azarados.com.br. Não que eu participe muito ativamente do azarados.com.br. Não mais, pelo menos. Incorporação? Parecia história de terror de livros infantis. Meu pai me contava uma sobre um menino que incorporava em um coelho quando era criança. Isso antes dele pedir a separação e nunca mais voltar para me ver. Não o culpo, eu acho. Conviveu mais de dez anos com duas pessoas mais azaradas do planeta. Se eu pudesse pedir separação de nós, acho que eu também pediria.
— O que nós vamos fazer agora? — eu perguntei, num choramingo.
— Vamos para a casa da minha avó — o gato/Ben disse.
— Você está louco?
— Não, Chris, é sério — ele disse, se esticando e andando na minha direção. Tentei não correr. — Minha avó vai ajudar.
Ele apoiou as patinhas na minha perna. Seria fofo, se não fosse apavorante.
— Você pode, por favor, me pegar no colo? — Disse. — Se mais alguém passar aqui dizendo que sou lindo vou surtar — suas unhas agarraram no jeans. — Acho que não aguento mais o pânico da quase-adoção.
Eu estiquei minhas mãos para aquele corpo felino. Só então percebi que estava ligeiramente trêmula. Puxei o gato por baixo das patinhas da frente e aninhei-o no meu colo, provavelmente da forma errada. Não demorou nem um segundo para que eu desse meu primeiro espirro.
— Não me diga que você é alérgica — ele disse, levantando a cabeça para me olhar.
— Tá bem, então não digo — espirrei novamente.
— Era só o que faltava — ele reclamou, levantando a patinha para indicar algo. — Sério, Chris, minha avó.
— Por que sua avó nos ajudaria? — eu perguntei, mas comecei a andar na direção indicada.
Por um gato. Por um gato falante. Só podia ser um sinal grave de loucura, mas não era: era um sinal grave de profundo azar.
— Minha avó é diferente — o gato disse. — Ela é, como posso dizer, meio mística.
— Mística?
— Você vai ver — ele disse. — Eu não sei explicar melhor que isso.
Eu segui as indicações de um gato. Virei nas ruas desejadas e fiz o possível para não pisar nas rachaduras no caminho, mesmo quando eu espirrava e tinha que fechar os olhos por alguns segundos. Estava tentando não pensar também no fato do gato (Ben?) estar alojado bem na altura dos meus seios. Essa não era exatamente a forma como eu imaginaria apresentá-los ao meu crush.
— Chegamos — o gato pontuou.
Estávamos de frente para uma pequena casinha, entalada no meio de altos e intimidadores prédios. Ela era rosada, com janelinhas gigantescas para seu tamanho tão pequeno. A cerca era tão baixa que provavelmente não servia ao propósito de protege-la, em uma cidade tão grande e perigosa.
— Aperta o interfone — o gato levantou a pata novamente, me indicando o aparelho.
Eu toquei o botão e o aparelho berrou, indicando que tinha alguém do lado de fora. Torcia para que, dessa vez, as bruxas não ouvissem.
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OBRIGADA! Chegamos em 1000 leituras <3 Amei ver esse belo número!
Enfim, aí está a parte dois desse continho! Lembrando que ele será postado toda segunda-feira, até o dia 31/10 e, sendo assim, terá 5 partes! :D
Espero que vocês estejam gostando da Chris e dessa maluquice toda! Quero ouvir teorias! Ansiosa! Não esqueçam das estrelinhas, tá bem?? :)
Um beijo e até amanhã no último capítulo de Tiete (se vocês lerem Tiete) ou até segunda, na próxima parte daqui!
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