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capítulo 02

Acordei às sete da manhã. Hoje é domingo, o meu último dia de folga. Amanhã começam às aulas. Nova escola, nova cidade, e a única coisa velha é a minha vontade de terminar logo o meu último ano e poder passar em uma boa faculdade.

Bella continua dormindo, o que não é de se espantar. A minha tia também. Ela tem um café no centro da cidade, mas hoje ela só iria mais tarde.

Fiquei na sala por um tempo, agasalhada, pois o tempo está frio e eu não sou muito fã do frio. Ouço um barulho vindo lá de cima. Levantei a cabeça e vi a minha irmã descendo as escadas. Ela está toda arrumada, com uma calça jeans preta, um sobretudo vermelho e uma bota de cano baixo.

― Onde você vai uma hora dessas?

Ela revira os olhos e pega um cachecol, o colocando.

― Você não é minha mãe, não haja como se fosse.

Me espanto com a sua agressividade.

― Eu sei disso. ― A minha voz sai baixa.

― Então não haja como se não soubesse. Avise a tia Flora que não poderei ficar no café hoje.

A minha cabeça começa a doer.

― É a sua vez, eu fiquei a semana toda.

Ela sorri com deboche.

― Ótimo, você já está acostumada, não é mesmo, e eu tenho muitas coisas mais importantes do que ficar o meu domingo toda atendendo pessoas.

Me Levantei e ela já está saindo pela porta.

― Você não pode fazer isso ― falo alto, com ódio.

Ela se vira e sorri.

― Ou pode falar a verdade. Que eu não suporto aquele café, você é que sabe, não estou me importando com isso.

― Você sabe que não vou falar isso para ela. ― A minha voz sai mais áspera do que pensei.

― É, eu sei. 

E minha irmã sai. Fiquei encarando a porta sem acreditar que ela fez isso. Subo para o nosso quarto, e a minha vontade é gritar de frustração, mas me controlei. Mais tarde resolvi me arrumar para ir trabalhar.  

Peguei uma calça jeans e uma camiseta branca, um casaco marrom grosso e por último uma touca preta. Deixei um bilhete para a minha tia a avisando que irei abrir o café hoje e saio.

Vou andando pela calçada de pedras. A cidade não é grande, mas muito bonita. As vezes me sinto em um filme de época, pois a cidade preservou boa parte das casas antigas. O centro está lotado delas. Aqui nessa cidade, tudo gira em torno da empresa Stone, uma empresa enorme que tem a sede aqui. Mais da metade dos empregos vem dela, a outra metade vem dos turistas. Todo ano tem um festival regional que dura um mês inteiro. A cidade fica lotada, o que é ótimo para a nossa tia. 

Ouço um barulho alto de moto e vejo três motos passando a toda velocidade pela praça central. Revirei os olhos para aquela cena. Andei mais um pouco e parei em frente ao antigo casarão que agora é o café da minha tia, a fachada não é grande coisa, mas quando você entra, aí sim que a mágica acontece.

O imóvel é todo em madeira escura. Abro as duas portas deixando o vento entrar, logo em seguida as janelas de madeira antiga. Mais parece aquelas tabernas antigas, sorrio, pois tudo que é antigo acho fascinante.

Comecei a limpar as mesas e depois de um tempo os funcionários começaram a chegar. 

― Oi, Ella. ― Nicole fala, amarrando o cabelo em um coque. ― Pensei que seria a sua irmã a vir hoje.

― Ela não pode vir ― minto.

― Ok, qualquer coisa me chame, vou começar a preparar as coisas.

Ela vai para dentro da cozinha, e depois de um tempo sinto o cheiro de bolo, café e canela.

Vou para trás do balcão. Nicole passa toda hora colocando as coisas no lugar, são bolos, doces de todos os sabores e tamanhos, tortas salgadas que só de olhar me dá água na boca.

Ela me entrega bandejas repletas de macarons de todas as cores. As coloco na vitrine que dá para a rua, assim como vários bolos e doces.

Às 10h a loja já está cheia, a minha tia e mais três funcionários chegam, o que me dá um pouco de folga. Me sentei na mesa e vou desfrutar de um delicioso capuccino caseiro de chocolate com canela. Fechei os olhos e sinto o cheiro doce invadir os meus sentidos.

Já estou quase terminando quando vejo uma pessoa usando um sobretudo vermelho entrar. Levantei e vejo Bella, mas o que mais me deixou espantada foi o seu cabelo. Então a encarei.

― O que você fez com o seu cabelo?

Ela segura na mecha agora incrivelmente curta. O que era um cabelo na cintura loiro, agora é um chanel incrivelmente preto, ainda não estou acreditando no que os meus olhos vêm.

― Gostou?

Ela fala indo até o balcão onde a minha tia está.

Vou atrás dela.

― Por quê?

Ela me observa.

― Acho que você sabe o porquê.

Não respondo, mas sei que deve ser porque nós duas nos parecemos tanto, mas até esse momento não tinha percebido o tanto que isso a incomodava. Fiquei calada.

― Você ficou linda com o cabelo assim.

A minha tia fala sorrindo para ela, Bella corresponde com um sorriso.

― Desculpa não ajudar hoje tia, mas Ella disse que não teria problema.

Revirei meus olhos, pegando a caneca que ainda está na mesa.

Vou para a cozinha e vejo a Nicole mexendo em uma panela repleta de chocolate derretido. O cheiro era maravilhoso.

― O que aconteceu? Por que está com essa cara?

Dou um pequeno sorriso forçado para ela.

― Não é nada, eu estou bem, só pensando em amanhã.

― Pode ficar tranquila, sei que se dará muito bem.

― Estou torcendo para isso. ― Me aproximei ficando do seu lado.

― Não sei o que você está fazendo, mas está com o cheiro maravilhoso. ― Ela sorri.

― Estou fazendo uma calda de chocolate para o bolo de cenoura que está no forno.

― Sério, Nicole, tenho certeza de que até o fim de ano estarei com cem quilos e a culpa será sua. 

Ela sorri e me dá um pouco de chocolate para provar.


Fiquei no café até às quatro da tarde, depois disso voltei para casa, tomei um banho e vou  me deitar um pouco, pois os meus pés estão me matando. 

Acabei cochilando e sou acordada por barulhos de salto alto. Abrir os olhos e vejo a minha irmã toda arrumada, com seu cabelo liso com uma parte atrás da orelha, e uma maquiagem forte, principalmente nos olhos.

― Onde você vai?

Ela se vira para mim.

― A uma festa.

― De novo, você sabe que amanhã é o primeiro dia de aula, não é.

Ela sorri.

― Claro que sei, não irei demorar.

― É bom mesmo, porque não irei ir te buscar.

― Pode ficar tranquila, já tenho carona.

Ela pegou uma bolsa e saiu. Suspirei alto mais uma vez, voltando a me deitar.


Sinceramente, não sei o horário em que ela voltou, só sei que às três da manhã quando vou no banheiro ela já está dormindo na sua cama, e mesmo não querendo, fiquei aliviada.

No dia seguinte, me visto com o uniforme da escola. Uma saia plissada xadrez em uns tons de azul, uma blusa social branca, uma meia branca grossa, o que eu dou graças a Deus, porque ainda está frio, e os meus cabelos deixei soltos. Passei um batom mais escuro me deixando com a aparência um pouco mais alegre.

Peguei um casaco preto com três botões na frente, a minha bolsa e quando vou para sala, minha irmã já está tomando café com a tia Flora. Ela está impecável, com a maquiagem linda e o cabelo solto.

Me sentei e comecei a tomar o meu café.

― Hoje eu irei levar vocês, mas amanhã não terá como. 

― Pode ficar tranquila, tia, já tenho carona ― Bella fala e logo em seguida ouço uma buzina de carro.

― E parece que já chegaram.

Ela fala  se levantando.

― Se você tem carona, por que não leva a sua irmã?

Bella me encara.

― O carro infelizmente está cheio.

Ela não espera ninguém falar nada e sai batendo a porta. Ouço o suspiro da minha tia.

― Pode ficar tranquila, tia.

― A sua irmã é muito difícil.

― É, eu sei.

Saímos de casa e vejo vários adolescentes com o mesmo uniforme que o meu. O percurso é rápido e em menos de quinze minutos já estamos no portão da escola. Fiquei sentada, encarando o prédio.

― É lindo, não é? Mais parece um castelo.

― Ia dizer exatamente isso. ― Me virei para a minha tia e a vejo encarando, como eu.

― Mas na verdade era mesmo um castelo, mas foi reformado bem antes de eu e sua mãe estudarmos aqui, confesso que fiquei encantada igual a você quando vi.

― E a mamãe? ― perguntei, ansiosa pela sua resposta.

― A sua mãe também, mas como você mesmo deve saber, ela gostava mais de coisas tecnológicas.

Sorrio.

― Isso é verdade.

―Você gravou o caminho?

― Sim, não é difícil.

― Qualquer coisa é só me ligar.

― Pode ficar tranquila, tenha um ótimo dia, tia. ― Sorrio com sinceridade. Ela corresponde, me dando um beijo na bochecha.

Quando saio do carro, sou recebida com um vento gelado beijando o meu rosto. Segurei o casaco com força e fui em direção aos portões abertos. Sigo por uma estrada de pedras com várias árvores de um lado e do outro.

Ouço o barulho de risadas alegres vindo das pessoas, uma abraçando as outras, em um claro sinal de felicidades e saudade.

Eu as ignoro e vou em frente. Entrei e vejo um hall com duas letras gravadas no chão, em azul.

L. A.

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