27 - Aos 45 do segundo tempo.
Era o dia mais feliz para os alunos de Garcia.
Era o dia da famosa feijoada das queridas cozinheiras daquela escola.
Quando o sino indicando o intervalo tocou, os estudantes saíram às pressas, correndo e trombando uns nos outros apenas para poderem se deliciarem daquela refeição. A fila tão logo se formou e era tão grande que virava o corredor. Quase todos os alunos estavam presentes nela.
Não era todo dia que eles tinham o prazer de saborear da feijoada. Eles amavam quando a merenda saía do rotineiro macarrão com carne moída. E ainda mais quando era dia de feijoada. O cheiro dos temperos invadia os narizes de quem passava perto e causava neles água na boca.
Ana Nicole teve a grande sorte de ser uma das primeiras a pegar seu prato de comida. Sorriu mergulhando a colher na refeição enquanto subia as escadas, rumo a diretoria.
A diretora havia saído mais cedo da escola, e não iria voltar mais naquele dia. Quando isso ocorria, a sala da diretoria era toda de Sandra, por isso, Ana gostava de ir até lá nos intervalos, apenas para poder lanchar junto da mãe.
Sandra estava sentada, bebendo seu suco de uva quando a filha entrou segurando com as duas mãos seu belo prato cheio. A garota se sentou na bela cadeira da diretora. Havia outras cadeiras naquela sala que estavam disponíveis, mas Ana Nicole, atrevida do jeito que era, gostava de se sentar na cadeira bonita de couro preto da mulher.
Colocou seu prato sobre a mesa bonita e puxou sua cadeira para frente.
- Cuidado, não vá derramar isso na mesa dela. - Avisou Sandra enquanto mexia em alguns papéis. Parou um pouco de fazer o que estava fazendo para subir o olhar até encontrar o de sua filha. - A feijoada está boa?
- A melhor! - Disse Ana Nicole com um sorriso de satisfação. - Não vai experimentar?
- Daqui a pouco.
- Sabe, mãe, eu estou com saudades de jogar com as meninas.
- Eu sei que está. - Sandra deu um sorriso de compreensão para a filha. - Mas logo o time de vocês vai voltar a jogar. Você vai ver.
- Eu sei... Eu amo muito o futebol, é difícil ficar esse tempo todo sem jogar, sem treinar toda semana. Jogar com elas é uma das coisas mais divertidas que eu faço.
***
- Eu só aceitei vir porque eu acho que você é um cara legal, mas não fique achando que vai rolar beijo ou sei lá, alguma dessas coisas não, beleza?
Tomás deu uma risada com o pronunciamento de Raquel.
- Eu gosto da sua sinceridade. - Ele disse assim que parou de rir.
De canto de olho, ele a viu esboçar um sorriso, sem mostrar os dentes. A franja caía delicadamente sobre os olhos dela, indicando que já precisava de um novo corte, mas para Tomás, só dava um charme a mais em Raquel. Os olhos castanhos que mais pareciam um mar de mistério, encararam por uns segundos o olhar do garoto.
Com a distração, Tomás acabou tropeçando em uma pedra e quase caindo de cara no chão. Os olhos se arregalaram pelo susto enquanto a garota caía em gargalhadas.
- E eu gosto do seu desajeito.
***
A primeira consulta tinha saído bem. A garota estava nervosa quando entrou no consultório, mas Carmen tinha um jeito simpático e logo, a loira deixou-se relaxar e se abrir.
Foi bom poder desabafar com alguém que não estivesse ali para te julgar.
Agora, Natália passeava de bicicleta pela cidade de Beija-Flor, acompanhada de Amanda. A bicicleta rosa da loira era lotada de adesivos e pedrinhas brilhantes. Na frente, uma cestinha que Natália gostava de colocar flores, a decorava. Amanda ria, e zoava a amiga "Acho que a Barbie deve estar procurando a bicicleta dela que você roubou". Ela dizia, arrancando risadas de Natália.
Já a bicicleta de Amanda era vermelha e simples. Amanda, diferente da amiga, gostava das coisas mais básicas e sem aquele emperiquitado todo.
As garotas pararam de pedalar, e apoiaram seus pés no chão. Continuaram sentadas nas suas bicicletas, que estavam paradas em uma pequena praça mais afastada. A praça continha aqueles equipamentos de exercício ao ar livre da prefeitura, e algumas pessoas aproveitavam do sol que se punha para se exercitarem sem aquele calor infernal.
- Cê Lembra quando a gente tinha uns, eu acho que era seis anos, e você pegou a bicicleta da Bia? - Amanda perguntou, lembrando-se da história. - Você cismou que conseguia pedalar naquela bicicleta, mesmo sendo enorme comparado ao nosso tamanho na época. - Natália começou a rir.
- Eu lembro que você me ajudou a encostar a bicicleta na parede, eu peguei um banquinho, subi nele e na hora que encostei na bicicleta, ela tombou pro meu lado. Eu caí junto da bicicleta, que bateu no banco e derrubou ele também. - Natália continuou a história aos risos. - Doeu muito. E a Bia ficou furiosa quando descobriu que a bicicleta dela tinha quebrado.
- Eu lembro!
- Nossa. A gente era duas pestinhas. Lembra quando a gente saía na rua tocando a campainha dos outros e depois corria? - Amanda assentiu rindo.
- Vamos fazer isso, agora? - Amanda sugeriu com um sorriso de orelha a orelha.
- Não acha que já somos bem grandinhas não, senhorita Amanda? - Natália disse brincando.
- Aos velhos tempos! - Ela riu.
- Aos velhos tempos! - Natália gritou, como se brindasse alguma coisa.
Então as duas voltaram a pedalar com toda a velocidade que conseguiam, procurando campainhas para tocar, e pessoas para importunar. Criando assim, uma nova memória que certamente, um dia iriam se lembrar.
***
Tomás conversava muito.
E também fazia muitas perguntas. No começo, Raquel se incomodara. Mas tinha que admitir que nunca tivera uma conversa tão longa como a que teve com o garoto desastrado.
Descobriu que ele assistia várias séries que Raquel assistia e foi bom conversar sobre elas em outro lugar que não fosse os grupos do facebook que ela participava. Também descobriu seu gosto por jogos indie, e sua habilidade em tocar violão.
No fim, admitiu que tinha gostado do... Ela não usaria a palavra "encontro", parecia forte demais para dois adolescentes colocando conversa fora em uma sorveteria barata.
Tomás tinha se encantado ainda mais com Raquel, mas sentia-se levemente preocupado. Será que ela gostou? Será que eu fui um idiota? Eram as perguntas que passavam constantemente por sua cabeça. A verdade era que, Tomás não conseguia decifrar Raquel muito bem. Às vezes ela respondia uma pergunta apenas com um "sim" ou com um "não". Não puxava muito assunto. Mas em outras vezes ela parecia realmente estar interessada no que o menino dizia.
Raquel nunca se explodia de emoções. Sempre parecia discreta. Quando sorria, não mostrava os dentes. Quando ria, não era algo escandaloso. E quando ficava com raiva, não ficava vermelha, nem parecia que ia explodir. Raquel era uma garoa fina que nunca virava tempestade.
- Eu gostei bastante de hoje. - Disse Tomás olhando para frente e andando. Evitava olhar diretamente para os olhos da garota ao seu lado. - E você?
- Eu também. Sabe, eu não costumo conversar tanto com alguém como eu conversei com você hoje. - Ela confessou e ele olhou para ela.
- Acho que eu devo levar isso como um elogio. - Ele sorriu.
Os dois pararam de andar, na frente da casa grande pintada em cores claras.
- Eu cheguei. - Disse ela olhando para o portão da sua casa.
- Então eu vou indo. Tchau, Raquel. - Ele já tinha se virado quando Raquel segurou a mão do garoto, o interrompendo.
- Você esqueceu uma coisa. - Disse ela.
- O quê?
A garota deu um passo para frente e em um ato rápido, deu um selinho no rapaz moreno.
- Tchau! - Despediu-se Raquel, se virando e entrando em sua casa em passos calmos, como se tivesse todo o tempo do mundo e deixando para trás um Tomás chocado e muito, muito feliz.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro