34 - garotas rebeldes
COM MEUS OLHOS fechados, eu deixo o sol de Alto-Mar queimar minha pele, tão forte que sinto atravessar a toalha que envolve meu corpo. O dia está bonito, sem nuvens de chuva que possa nos pegar de surpresa. E, cara, eu tô feliz... e leve e apaixonada e empolgada, tudo ao mesmo tempo.
— Só tinha suco de limão, Super-Homem — Frida se aproxima da toalha esticada no chão, me estendendo o copo com canudo antes de se jogar no espaço vazio ao meu lado.
— Não tem problema. Eu beberia até o chá gelado horrível da mamãe agora.
Minha namorada solta uma risada fofa, me tirando um sorriso frouxo automaticamente. Passamos alguns segundos em silêncio, aproveitando a companhia uma da outra e assistindo as ondas irem e voltarem, até Frida levar sua atenção a mim, seus olhos apertados fitando bem o meu rosto.
— O que achou da sua terceira aula de natação, hein?
— Sendo sincera? — Ela assente, sem deixar de lado o sorriso. — Você tem muita sorte de eu me sentir segura com você, Frida Tropelia. Juro que pensei que ia morrer um milhão de vezes hoje.
— Eu não deixaria isso acontecer, Nina. E estudos indicam que é a praia o melhor lugar pra se aprender a nadar.
Semicerro os olhos em sua direção, não acreditando em uma palavra que sai da sua boca.
— Você precisa aprender a mentir melhor, sabia? Posso te dar umas aulas depois.
Frida dá de ombros, diminuindo o espaço entre nós e encostando sua boca na minha.
— A gente combina elas pra depois das minhas aulas de piano.
— Ei, dá pra pararem com essa boiolice toda aí?
A gente não consegue segurar a risada, ainda com os lábios próximos demais. De propósito, ainda damos mais um beijo rápido antes de abrirmos espaço para as meninas se sentarem, os dois casais dividindo conosco essa faixa de areia da praia.
— Não acredito que vocês tiveram coragem de acordar sete da manhã pra ficarem de namorico na praia — reclama Lana, sendo hipócrita logo em seguida ao abraçar a namorada pela cintura.
— Eu precisava dar uma última aula de natação pra Nina antes da nossa mudança, tá legal? — Frida rebate, sem parar de sorrir um instante. — Não tenho culpa se Boafortuna não tem praias.
— Dá pra acreditar que em menos de um mês a gente vai tá lá, morando juntas? — Mabel solta um gritinho empolgado, levando o olhar em direção ao mar em seguida. — Se me contassem isso há um tempo, eu não sei se acreditaria...
Assinto, porque a sensação que eu tenho é a mesma. A Nina de alguns meses atrás jamais daria ouvidos a isso, porque tudo parece tão surreal que só de pensar ainda me dá borboletas no estômago. As garotas rebeldes em combustão juntas, vivendo em uma cidade grande que, desde o nosso show na Toca da Serpente, parece ter se apaixonado por nós.
Não foi tão difícil assim arrumar um lugar que servisse pra todo mundo. Com ajuda da minha mãe e Carmela, nós conseguimos encontrar um apartamento de dois quartos perto do centro, barato o suficiente pra caber no nosso orçamento. Juntamos as nossas economias, incluindo todo o dinheiro que guardei enquanto trabalhava na Ardentia Locadora, e assim a nossa mudança está prevista pra primeira semana de janeiro, logo depois do ano novo.
— A gente precisa dar uma festa assim que chegar, estão ouvindo? — Iara sugere, e eu não ficaria nada surpresa se ela já tivesse planejado todos os detalhes disso. — Vai ser bom pra o pessoal de Boafortuna saber como nós somos descoladas, e também ajuda a gente a se enturmar.
— Eu pensei que a faculdade ia servir pra isso.
— Mas nem todo vai tá se matando de estudar, Mabelzita. — Lana se afasta da namorada, se aproximando de Frida e passando o braço pelos seus ombros. — Fri e eu vamos estar arrasando como atendentes na Lanchonete Limonada enquanto vocês fritam esses seus cérebros inteligentes.
— Alguém precisa levar dinheiro pra casa, né, amor? — brinca Iara, respondendo com uma careta quando a namorada lhe estira a língua.
— E relaxem, não vai ser por muito tempo — lembro, apoiando o copo de suco já vazio na areia. — A gente já tá com um monte de shows marcados, e a Toca da Serpente já mostrou interesse em apresentações mensais. Remuneradas. Não vai demorar muito pra gente tá se mudando de novo, e dessa vez pra uma cobertura ou uma mansão naquele condomínio chique de Boafortuna.
Apesar do tom irônico, as meninas respondem com uma empolgação contagiante que viemos compartilhando nos últimos dias e não parece disposta a ir embora. E sendo bem honesta, eu realmente espero que ela não vá tão cedo. Mesmo que todas as coisas referentes ao nosso futuro pareçam incertas, acho incrível como todas nós nutrimos a sensação de que tudo dará mais do que certo.
— Mas voltando ao assunto mudança — Jasmine comenta —, como a Carm tá se saindo na Alemanha? Ela tá gostando de lá?
Meu coração se aperta no instante que ouço o nome da minha irmã. Faz apenas uma semana que ela foi embora e eu já estou morrendo de saudades, mas não posso dizer que não estou feliz por ela. Nunca vi Carmela tão animada quanto aparenta em suas mensagens, que manda em todos os momentos do dia.
— Ela tá nas nuvens. Já fez amigos e tá aprendendo alemão. Podre de chique. A Academia de Artes deve tá se mordendo por ter perdido uma aluna como ela.
— Ah, falando da Academia! — exclama Mabel, lembrando de algo de repente —, é verdade que recebeu uma resposta de Velha Laguna, Nina?
Afirmo com a cabeça, corrigindo minha postura antes de explicar o que aconteceu.
— Me mandaram um e-mail logo no dia que saiu o resultado do concurso de documentários. Eu tava super triste por não ter vencido e, do nada, descobri que fui aprovada em segundo lugar na Academia de Artes.
— Deve ter sido difícil, né? — a garota pergunta, um sorriso complacente no rosto que faz eu me sentir abraçada.
— É, um pouco. Me fez duvidar das coisas, não vou mentir. Ter recebido um não do cinema, mas um sim da música foi bem... confuso e assustador — confesso, mas dou de ombros em seguida. — Só que aí eu percebi que isso não significava nada. Eu ainda amo música e vou continuar fazendo ela com a Garotas Rebeldes em Combustão. E um não hoje para o meu documentário feito de última hora pode ter doído, mas não quer dizer que eu não vá receber um sim amanhã.
— É isso aí! — Frida praticamente grita, me puxando e me dando um beijo estalado na bochecha. — E eu aposto a minha guitarra que você vai receber um milhão de sins no futuro, ainda mais agora que entrou pra faculdade de cinema.
Sorrio, meu rosto ficando vermelho por causa das palavras bobinhas da minha namorada. É inevitável, já que é impossível pra mim não ficar emocionada com as coisas que ela diz. Mas antes que eu consiga pensar em algo pra responder, eu noto a troca de olhares entre as meninas, que começam a se levantar e limpar suas roupas sujas de areia. Frida e eu franzimos as sobrancelhas, confusas.
— A gente vai deixar as bonitas namorarem em paz, tá? — Lana explica, já começando a se afastar com Iara. — Se divirtam, boiolas!
— A gente vai ficar perto dos quiosques — Jas avisa, Mabel e ela entrelaçando os dedos e seguindo as meninas. — Depois vocês encontram a gente lá.
Frida revira os olhos sorrindo, e assistimos juntas nossas amigas rapidamente sumirem de vista na praia movimentada demais essa época do ano. Devagar, levamos nossa atenção de volta uma para outra, o frio na minha barriga se instalando imediatamente assim que foco meus olhos nos dela.
E pensar que uns meses atrás eu mal sabia quem eu era. Como pode tudo ter mudado tanto em tão pouco tempo? Se me perguntassem, eu poderia jurar que namoro essa garota desde que me entendo por gente, e não só há menos de dois meses.
— No que você tá pensando? — ela pergunta, tão sem jeito quanto eu.
— Tô pensando no quanto seu cabelo cresceu desde o dia em que você entrou na locadora. — Ela ergue as sobrancelhas, obviamente não entendendo aonde quero chegar. — É que é muito bonito, sabe? Ver o quanto as coisas estão mudando por aqui. O quanto as coisas estão crescendo. A banda, as meninas, esse seu cabelo tão rebelde quanto você. — Frida ri, e eu não consigo segurar um sorriso. — Gosto dessa sensação de acompanhar uma mudança assim, de pertinho, e saber que tô mudando junto também.
— Você não tá mais vendo as coisas por trás de uma tela, né? Sentir que faz parte disso é muito mais legal.
Fico sem fala por um momento, antes de assentir. Como eu tive tanta sorte em encontrar uma pessoa que sabe exatamente como me sinto?
A abraço, deixando com que ela me puxe para mais perto e envolva seus braços em volta do meu corpo já seco. Ficamos assim por um tempo, e é a melhor coisa do mundo. O cheiro de Frida se prende a mim, uma mistura de maresia e protetor solar, e eu juro que não há no universo um perfume tão bom quanto esse.
— Posso te dizer uma coisa, Nina? — ela pergunta depois de um tempinho, e eu murmuro um sim como resposta. — Sei de outra coisa que tá crescendo bastante nesses últimos tempos também.
— Ah, é? O quê?
Frida me livra do abraço, me encarando em silêncio por tempo suficiente pra me deixar ansiosa. Ela morde os lábios de leve, um sinal claro de nervosismo, e segura a minha mão numa tentativa de manter a calma. Seus olhos apertados me fitam, e de algum jeito eu sei que seu rosto pegando fogo não é por causa do sol.
— O amor que eu sinto por você só cresce, todos os dias, desde que a gente se reencontrou — finalmente diz, respirando fundo antes de continuar. — Eu sei que é algo muito sério e importante e talvez seja cedo demais pra eu tá assumindo isso assim, e não precisa dizer de volta se não quiser, mas...
Não a deixo terminar. Seguro seu rosto com a palma livre e a puxo para um beijo, seus lábios já tão familiares, mas ainda tão cheios de novidade pra mim, já que é como se eu estivesse a beijando pela primeira vez todas as vezes. Meu coração acelerado é a prova viva disso.
— Eu também te amo, Frida Tropelia.
— Mesmo? — pergunta baixinho, seus olhos brilhando de um jeito tão lindo que eu não consigo segurar uma risada nervosa.
— Mesmo. Eu te amo como amo filmes, como amo música e como amo a praia, mesmo ainda sendo uma péssima nadadora.
Frida solta uma risada, torcendo o nariz de um jeito muito fofo.
— E eu te amo como amo assistir ao pôr-do-sol.
— Então é muito — sussurro, e ela ri, assentindo.
— Você nem imagina, Super-Homem.
A beijo mais uma vez, meu coração parecendo que vai sair pela boca. Eu nunca estive tão feliz na minha vida, e de algum jeito, enquanto nossos lábios estão selados e nossos joelhos se tocam, eu sei que Frida sente o mesmo também.
— Que tal a gente ir encontrar as meninas, hein? Aposto que estão falando horrores da gente.
— Não tenho nem dúvidas — garanto, acariciando seu rosto uma última vez antes de vê-la levantar. Ela estende a mão para mim, educada e prestativa como sempre, me ajudando a ficar de pé.
Reunimos nossas coisas, tentamos tirar o máximo possível da areia na toalha antes de Frida a jogar de qualquer jeito na bolsa, e seguimos de mãos dadas até a área dos quiosques.
Assisto crianças construírem castelos de areia, casais aos beijos sob guarda-sóis, um grupo de amigos reunidos brincarem com uma bola de futebol. Levo então minha atenção para o mar, calmo e agora não tão assustador como era antes de eu aprender a nadar, e em seguida para o calçadão, aonde pessoas vêm e vão a todo instante. E então, levo meu olhar à Frida, como se não estivesse fazendo isso há apenas alguns segundos.
Seu cabelo realmente está maior, os lados antes raspados agora cheio de cachinhos que se unem ao restante do seu penteado. De biquíni, consigo ver a tatuagem no seu ombro, o desenho da sua guitarra como um lembrete marcado na pele de que ela nasceu para fazer música. Assim como o fósforo em sua clavícula é uma mensagem clara de que, assim como todas as garotas rebeldes, Frida também entra em combustão.
— Quais os seus planos pra amanhã à tarde? — pergunto do nada, e ela olha para mim com um sorriso tão genuíno que me faz sorrir de volta.
— Nenhum. Quer se encontrar pra assistir um filme ou...
— Na verdade, eu acabei de ter uma ideia maluca.
A faço parar no meio da nossa caminhada, e segurando seus ombros, a faço virar em direção ao calçadão movimentado da Praia das Tartarugas.
— Frida Ardentia Tropelia — anuncio, me demorando de propósito nas palavras. Aprendi nos filmes que falas dramáticas como essa são sempre importantes para manter a atenção do telespectador. Respirando fundo, eu concluo: — Amanhã, quero que me ensine a andar de bicicleta.
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