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3 - colecionadora de ideias descartáveis

BOA PARTE DA família Avante carrega no sangue um talento: revirar os olhos forte. Acho que isso nasceu com o meu pai, quase vinte anos atrás, quando ele tomou a péssima decisão de se casar com a mamãe. Porque, poxa, Ângela Avante é a mulher mais complicada que eu conheço, e aprender a arte do revirar de olhos sempre que não podia dar uma resposta de verdade — e passá-la para a posteridade — foi um ato extremamente necessário.

Enquanto mamãe volta as páginas da partitura para que eu toque do começo pela, sei lá, milésima vez, eu sou obrigada a dar uma revirada de olhos que só posso descrever como gostosa. No nível daquelas que aparecem em cenas de filmes de cinema. Porque eu posso até ser boa no piano — mesmo que nesse momento não tanto — mas nada supera o meu talento em revirar os olhos forte.

Obrigada, Fernando Avante. Fico te devendo uma.

— Você tá errando sempre que chega na última parte, Nina, eu não sei o que está acontecendo.

Mamãe está particularmente puta da vida hoje, e parte de toda essa irritação é culpa minha. Não que eu esteja fazendo de propósito, mas é impossível tocar bem quando estou deprimida a esse ponto. As manhãs de sábado são as piores de todas.

— A culpa não é minha se você quer que eu aprenda uma música de primeira — reclamo, batendo de leve as minhas mãos nas teclas. — Não sou a Carmela, mãe.

Escuto minha irmã soltar uma risadinha da cozinha e uma onda de ódio me invade imediatamente.

— Não estou pedindo que você seja como a Carmela, docinho — responde mamãe com um tom de voz doce até demais, o que significa que, obviamente, ela está mentindo. — Eu quero que você seja você. Sei que é tão boa quanto sua irmã, só precisa se esforçar mais.

Esse é o problema, penso, soltando um suspiro demorado. Eu não quero me esforçar mais do que isso.

São três horas de ensaio, pelo menos em teoria, porque mamãe sempre arranja um motivo para prolongar as aulas. Encaro o relógio na parede perto do corredor, torcendo para que mamãe encerre essa droga de aula às onze.

— Pelo jeito vamos ter que ficar aqui até você conseguir tocar alguma coisa direito.

Que saco.

Queria estar agora comentando sobre O Iluminado com alguém. Mandar mensagem para o Lionel seria uma perda de tempo, já que nos sábados também acontecem os seus treinos, e ligar para a Iara não me serviria de nada. Ainda que ela trabalhe comigo na Ardentia, minha melhor amiga nunca foi de gostar muito de filmes, pelo menos não tanto quanto eu. Mas, sabe, ela precisava de um emprego e eu precisava de caronas diárias. No fim, acabou funcionando para nós duas.

Droga. Eu sei que Für Elise é um clássico do piano, e eu tenho absoluta certeza de que já tentei tocá-la antes em algum momento na minha vida, mas algo está acontecendo hoje que me faz errar todas as notas assim que ponho meus dedos nas teclas. Encaro a mamãe depois de mais um fracasso, ela parecendo prestes a soltar fogo pelas ventas.

— Tá bem, Nina, tá bem — ela diz, quase fechando o tampo do teclado com minha mão ainda posicionada lá dentro. — A gente tenta de novo outro dia.

Teve um tempo em que eu faria isso de propósito. Há um ano ou dois, eu estava tão puta da vida que eu pensei que, se eu errasse todas as músicas que mamãe me forçasse a tocar, talvez ela desistisse de mim de uma vez por todas. Mas isso só deixou ela mais irritada, e as consequências que caíram sobre mim foram uma porcaria. Sem falar que, pelo menos é o que eu penso, filho nenhum gosta de decepcionar a sua mãe. Mesmo que esse pensamento me deixe um tanto dividida.

Preferiria decepcioná-la por desistir de uma vez por todas do que insistindo em algo em que eu nunca serei perfeita.

Passo direto por Carmela e, com uma velocidade que surpreende até a mim, meus pés me levam para o meu quarto. Tranco a porta, passo por cima da pilha de roupas e me acomodo na cadeira desconfortável da minha escrivaninha.

Vamos lá.

Meu caderno de roteiros não é um caderno de roteiros de verdade. Quero dizer, não são só falas sem nexo que preenchem as páginas, mas alguns desenhos e rabiscos também. Resumindo, eu anoto aqui todas as coisas que acho minimamente interessante. Talvez no futuro, quando eu tiver capacidade suficiente para isso, eu consiga transformar tudo em uma ideia boa, porque no momento eu sou só uma colecionadora de ideias descartáveis.

Abro em uma página aleatória, uma to do list inacabada me encarando de volta. Sinto um aperto no coração enquanto a analiso, seus quadradinhos não preenchidos parecendo zombar de mim ou coisa parecida. Viro a página soltando um suspiro longo.

Há uns meses eu decidi que eu mudaria algumas coisas na minha vida. Fiz essa lista logo depois do ano novo, mas nem me dei ao trabalho de terminá-la. E nem preciso dizer que alguns itens são impossíveis de serem realizados, o que me faz perder todo o interesse em um dia voltar a pensar nela.

Encontro uma página vazia e a encaro por uns cinco minutos até aceitar que não vou conseguir ser produtiva de maneira alguma. Então eu volto para o começo do caderno e releio as poucas coisas relevantes que um dia já escrevi.

Há um monólogo escrito pela metade de uma garota furiosa com o namorado. Também há um diálogo estranho entre um casaco rasgado e uma meia sem par — tenho quase certeza que escrevi isso quando estava bêbada com o vinho barato e prestes a vencer da mamãe (ela me pediu pra jogar fora e eu acabei o guardando para fins pessoais. Já escondo tantas coisas dos meus pais que ficar embriagada escondida nem chega a soar tão ruim quanto parece). Folheio as páginas até encontrar o rabisco que eu procurava.

Se um dia eu fizer um filme, eu quero que seja um romance. Não um água-com-açúcar, como os que tem aos montes na Ardentia, mas um bom de verdade. Pode ser uma ficção cientifica ou um drama também, tanto faz, mas eu sei que há de existir um casal apaixonado na minha história. E pensar em Lennon faz eu ter mais certeza disso porque, se eu quisesse dramatizar a minha vida a ponto de fazê-la parecer com um filme ou coisa parecida, eu poderia muito bem assegurar nesse instante que ele e eu daríamos um ótimo par romântico.

Eu nunca o vi pessoalmente porque, segundo o fichário da Ardentia, Lennon só aluga filmes durante a manhã, quando estou na escola. Ele é um mistério, uma incógnita, o que me deixa ainda mais, não sei, submersa. Acho que é essa a palavra. E eu sei que ele pode ser qualquer pessoa em Alto-Mar, pode ser um velho como Seu Arlindo ou ter a idade dos meus pais, mas, me baseando nos filmes que aluga, tem uma chance de, sei lá, ele ter a minha idade. Um ou dois anos mais velho, talvez. E quando eu fecho os olhos e penso nesse rosto imaginário que eu criei, eu vejo cabelos ondulados, olhos brilhantes e um senso de humor incrível. Sem falar, é claro, em um ótimo gosto para filmes.

Talvez isso me ferre, sabe? Eu posso estar criando expectativas demais, quem sabe imaginando coisas. Mas bastou três assinaturas no fichário da locadora pra esse garoto ter toda a minha atenção, ainda na minha primeira semana na Ardentia, e eu não sei se estou pronta para voltar à...

— Ah, mãe, pega leve com ela — ouço Carmela pedir, as vozes das mulheres Avante na sala de estar entrando sem consentimento no meu quarto.

— Eu juro que estou sendo paciente, minha filha — mamãe responde, sua voz soando como um suspiro cansado —, mas a Nina precisa se esforçar mais. E eu não estou sendo implicante sem motivos, você sabe disso. Ela não vai conseguir a bolsa para a companhia de música de Velha Laguna se não consegue nem manter o foco.

Busco os meus fones antes de ouvir a resposta da minha irmã. Eu sei que não sou tão boa quanto elas gostariam, mas não é como se eu gostasse de ouvi-las afirmar isso. Estou cansada e sem criatividade. Fecho o meu caderno de roteiros, o escondo na segunda gaveta da escrivaninha e me atiro na cama com The Lumineers no meu Spotify.

A verdade é que minha vida é um porre. Eu tenho um trabalho legal, planos bacanas para o meu futuro e sonhos grandes, mas preciso esconder tudo isso de todo mundo. E isso cansa pra caramba.

Acho que é por isso que eu insisto em alimentar essa ideia sobre o Lennon, porque é o que me tira da normalidade e do tédio que é a vida de Nina Avante. E mesmo que eu esteja criando expectativas demais e que no fim isso me ferre pra valer, eu prefiro continuar com tudo isso, porque eu não sei se estou pronta para voltar à superfície. Prefiro mesmo continuar submersa nessa ideia, nessa curiosidade, no frio de barriga que me vem sempre que penso nesse garoto misterioso.

Porque eu já vi assisti muita coisa nessa vida, e bem sei que é o mistério a peça mais importante em toda boa história. E nossa. O que eu não daria para a droga da minha vida ser um filme de verdade.

ADENTRO A LOCADORA na segunda-feira tropeçando nos meus próprios pés. Odeio quando me atraso, mesmo que a culpa disso seja sempre da Iara. Ninguém manda ficar aos beijos no estacionamento do colégio quando faltam cinco minutos para nosso expediente começar.

— Estão atrasadas, meninas — diz Damião atrás da caixa registradora, mas não em um tom exigente ou chateado. Ele não parece se importar de verdade, ainda que eu me importe.

— Foi mal mesmo, Dam! — grita Iara, correndo até a área dos funcionários para vestir o seu uniforme.

A Ardentia está vazia, como de costume nesse horário. Saio da salinha dos fundos, ainda amarrando o meu avental — que sempre fica folgado demais, não importa o quanto eu aperte. Caminho até o balcão, onde meu chefe me entrega uma caixa com DVDs recém-chegados que preciso organizar.

A locadora é o meu lugar favorito no mundo inteiro. Tá, talvez eu não conheça muitos lugares e eu sei que o mundo é bem grande, mas estou falando sério. Eu amo as prateleiras cheias de filmes, os pôsteres antigos espalhados por todo lado, até essa parede marrom feia. Amo o cheiro não-identificável que impregna tudo também, e esse piso de cerâmica tão velho que já está amarelado. Não mudaria nada aqui nem se eu pudesse.

Me apeguei muito rápido a Ardentia, não vou fingir que não. Mas qual é? Ninguém pode negar que esse lugar é incrível.

— Iara, você pode cuidar do caixa pra mim? — pede Damião, como se não fosse o nosso trabalho fazer o que ele está pedindo. — Vou precisar dar uma saída, buscar umas encomendas no correio. Coisa rápida.

Minha amiga concorda com um sorriso de lábios cerrados, mas assim que nosso chefe sai pela porta, fazendo a sineta brega — mas que eu amo — tocar, ela corre até mim e a caixa de DVDs aos meus pés. Seria muito fácil se eles fossem de uma mesma categoria, mas estou precisando andar pela locadora inteira organizando todos em diferentes gôndolas.

— Troca de lugar comigo, por favor por favor por favor? — Iara implora, sorrindo mostrando os dentes.

— Por quê? — pergunto, as sobrancelhas erguidas. — O seu trabalho é, tipo, um milhão de vezes mais fácil que o meu, garota.

Ela faz uma careta.

— Nina, eu tô menstruada e um porre. Você me conhece, sabe como eu fico nesses dias, e eu não tô com a mínima vontade de atender gente. Sério, vou espantar todos os fregueses e o Damião não vai ter outra escolha a não ser me demitir.

— Mas não tem ninguém aqui.

Ainda! Daqui a pouco aparece alguém e eu não vou conseguir indicar filmes, anotar coisas no fichário ou passar o troco sem sair pelo menos umas dez reclamações da minha boca. — Iara faz um biquinho, levando uma das mãos até o meu ombro. — Por favor, Ninazinha, faz isso por mim, vai?

Reviro os olhos, apanhando a caixa e a jogando nos braços da minha amiga. Ela responde com mais um sorriso falso antes de eu me arrastar até o balcão.

Não gosto muito de ficar com essa parte do trabalho, porque é onde corro mais riscos. Estou totalmente exposta aqui. Eu sei que meus pais nunca pisariam na loja, mas sempre corro o perigo de ser vista por um dos amigos da Carmela ou sei lá, qualquer pessoa que possa ocasionalmente me entregar e arruinar a minha vida. Mas, apesar de todas as coisas que podem dar errado, continuo com bastante sorte. Pelo menos até agora.

Ouço a sineta tocar assim que deito a minha cabeça sobre o balcão, precisando levantá-la e ajeitar a postura bem rápido. Meu coração acelera por um segundo quando vejo Frida Tropelia caminhar entre as prateleiras, vindo na minha direção. Sua bicicleta vermelha está estacionada ao lado de um poste, na calçada lá fora.

— Ei — ela cumprimenta, sua voz surpreendentemente fina e ao mesmo tempo rouca. Bonita. — Tô procurando um filme.

— Veio ao lugar certo — digo, e me arrependo no mesmo instante. Mas que mer... — Quero dizer, aqui tem filmes, né? Muitos filmes. Aqui é uma locadora!

Nina Avante, dá pra calar a boca?!?!?!

Frida ri, seus ombros se balançando um pouquinho.

Eu nunca a vi pisar na Ardentia, o que me faz pensar que ela pode ser uma novata nessa coisa de ver filmes, ou ao menos filmes alugados. Hoje em dia você consegue ver qualquer coisa de um jeito muito mais fácil, em sites ou pela TV a cabo, no conforto da sua casa. Mas eu sinto que isso faz tudo perder a graça, ou no mínimo deixa as coisas desinteressantes. Acredito que o esforço de ir até uma locadora e escolher filmes para assistir os fazem valer ainda mais a pena no final. Mesmo quando são filmes ruins.

— Tô procurando um filme específico — ela explica, entoando a última palavra de um jeito diferente. — Mas acontece que eu não lembro o nome. Você pode me ajudar com isso?

Assinto, lhe dirigindo um sorriso.

Frida está usando short de praia e um maiô, o que é engraçado porque ela não parece ter vindo da praia. E nem são os chinelos sem areias ou o cabelo seco que a entregam, mas o cheiro de maresia que não está presente. Mas todo mundo nessa cidade, não sei por que, cultiva essa cultura de andar por aí com roupas de banho. É algo totalmente normal por aqui.

— Como é o filme que procura?

— É um desenho onde um cara chato vira uma lhama? — ela explica, a resposta saindo como uma pergunta.

— A Nova Onda do Imperador? — solto uma risada. — Tá na sessão infantil. Vou buscar pra você.

Me afasto do balcão e passo pela garota meio sem jeito, desviando dela no caminho. De soslaio, vejo Iara nos fundos da loja apontar para Frida e abanar o rosto, fingindo perder as forças. Idiota.

— Aluguei esse algumas vezes já, mas ainda não decorei o nome. Foi mal — Frida explica, me seguindo pela locadora.

Hm. Uma não-novata em aluguéis de filme, então. Entendi.

Caminho até a sessão infantil, passando o olhar pelos DVDs organizados até encontrar o certo. A entrego, cruzando os braços em seguida. Estou me sentindo um pouco desconfortável porque ela é uns bons dez centímetros mais alta do que eu.

— É um ótimo filme — digo, tentando esconder o incômodo.

— Uhum, meu irmão adora também.

Volto para o balcão, buscando o fichário e anotando as informações necessárias. Nome do filme, data e horário do aluguel. Assisto Frida passar as mãos pelos cabelos curtos e raspados dos lados enquanto confiro o meu relógio. Uma e cinquenta e sete da tarde.

— Dois reais — aviso, Frida tirando uma nota amassada do bolso do short de praia e me entregando. — Obrigada. Agora é só... assinar aqui, por favor.

Giro o fichário por cima do balcão, buscando uma caneta perto da caixa registradora e a entregando para Frida. Ela me dirige um sorriso simpático antes de se abaixar para assinar o seu nome, e eu consigo ver a tatuagem nas suas costas.

Frida Tropelia tem duas tatuagens aparentes, que geralmente ficam escondidas sob suas roupas. Mas, graças ao maiô de alças finas, consigo vê-las perfeitamente. Uma é de uma guitarra, o desenho pequeno na parte de trás do seu ombro esquerdo. A outra é de um fósforo aceso, mas essa fica em cima da clavícula, e eu só consigo vê-la direito quando Frida se ergue, me entregando a caneta.

— Obrigada mesmo, Nina — ela diz, lendo o meu nome bordado no avental. — Se eu soubesse que tinha uma atendente tão atenciosa aqui na Ardentia, eu optaria por vir mais nesse horário.

Com mais um sorriso, ela me vira as costas, e eu a assisto caminhar com confiança até a porta de entrada e, montando na sua bicicleta vermelha que pega fogo, sumir da minha vista.

— Nossa, ela é tão gata... — ouço Iara comentar, largando a caixa de DVDs no chão e caminhando até mim. — Sério, o Juliano que me perdoe, mas se eu pudesse, juro que...

Não ouço o fim da frase. Minhas mãos agarram o fichário com muita força e meus olhos estão tão abertos que, juro, poderiam saltar do meu rosto. Na página mais recente, o último nome assinado me chama a atenção, a tinta ainda fresca da caneta que, segundos atrás, estava na mão de Frida. A estrela ao lado da assinatura é tão familiar quanto todo o resto.

Engulo em seco e leio o nome pela quinta vez.

Lennon.

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