- A barata comeu meu chocolate.. - Tô dizendo que essa música é muito maneira, porque sei do que tô falando, irmão. Por falar em irmão, o meu se chama Thomas e está no nono ano. Ele é o que chamo de imbecil por maioria dos votos, sem contar que é também por excelência. Ele vive tirando onda com a minha cara, dizendo que estudar é coisa de gay. O que ser gay tem a ver com estudar? Só se for porque inteligência é algo comum entre os caras. Eu sei lá o que se passa na cabeça do meu irmão, só sei que é chato ter que fingir o tempo todo. Eu sou um cara legal, minha mãe sempre disse isso. Ela me dizia coisas legais antes de me colocar pra dormir. Faz tempo que isso aconteceu pela última vez, meu irmão disse que ela morreu há muito tempo. Eu não lembro direito do rosto dela, só não esqueço da voz suave e doce falando bem baixinho que eu era especial. 

Meu pai não fala sobre minha mãe e como se sente sobre ela... Nunca. E eu também não, mas somos homens e não falamos de sentimentos. Ele nunca perguntou como me sinto também. Otávio Ribeiro está sempre ocupado demais com seu trabalho, ele é dono de uma empresa de engenharia e conhece muitos empresários famosos. Temos grana, é verdade, e meu pai diz que luta todos os dias para que continuemos tendo grana. Às vezes eu gostaria que ele não tivesse tanta grana para que não precisasse se preocupar em conseguir mais e mais grana. Talvez assim eu tivesse um pai com quem pudesse conversar sobre assuntos de caras, como as aulas de Educação Física, ou sobre meu interesse por física. Coisas de caras, e aqueles assuntos mais sérios tipo quando eu às vezes acordo e meu lençol está meio molhado e minha cueca também e eu sei que não foi por causa de ter mijado na cama. Eu nunca mijei na cama, mesmo quando era criancinha. A única coisa que sei é que essas coisas acontecem quando sonho que estou com alguma garota, beijando na boca ou fazendo outras coisas nos meus sonhos que são mais quentes, se é que me entende. Queria poder conversar com meu pai, ele saberia o que devo fazer.

Eu gosto de estudar, mas Thomas diz que preciso manter tradição dos Ribeiro, sempre criando tumulto e nunca fugindo da confusão. De acordo com ele a tradição de nossa família está de pé por gerações e gerações de encrenqueiros. Nosso pai era assim na escola, nosso avô, o irmão do nosso avô, o pai deles e o pai do pai deles. São cinco gerações de Ribeiro criando confusão nesta escola e não serei eu o primeiro a roer a corda. Se for expulso de sala outra vez, vou ser suspenso e posso reprovar. Eu juro que tento tirar notas ruins, mas na hora das provas as coisas fluem tão bem que esqueço de errar. Sou um imbecil. Meu irmão sente raiva de mim, ele não diz mas quando me olha, ou quando grita e me xinga, sei exatamente o que ele sente. Eu não entendo porque ele me odeia, mas eu faço de tudo pra que ele sinta orgulho de mim... Até fingir ser algo que não sou de verdade. Ele é meu irmão e é importante pra mim. 

Hoje a Camile estava uma graça na aula de História. Ela é tão inteligente! Sempre responde a coisa certa, e sorri pra si mesma porque conhece bem a resposta. Quando ela faz isso me dá vontade de sorrir também, mas eu disfarço, é claro. Por dentro estremeço quando aparecem aquelas duas covinhas bem no meio de sua bochecha, ela fecha os olhos e parece um anjinho de cabelos negros. Ela é demais, tão inteligente e sensata. Os olhos de Camile brilham com tanta intensidade por causa da quantidade de esperteza que ela tem dentro de si, que me causa certo orgulho apenas de olhar. Meu irmão gosta dela, mas eu também gosto. Sei que não tenho chance com a Camile, nunca vou ter. Espero que meu irmão nunca consiga nada com ela, porque eu sei o que ele faz com as garotas quando as leva para o quarto. Ele disse que eu fiz o mesmo certa vez, mas eu não lembro de nada. Acho que bebemos vodka demais. Nunca mais fiz nada parecido, foi errado. Eu não sei o que fiz, mas Thomas sabe de tudo, e ele não contou pra ninguém. Ainda bem.