CAPÍTULO 9
Encarei a cidade abaixo de mim, a iluminação noturna destacava os prédios, o tráfego era mínimo aquele horário.
Eu me sentia sufocada pelas roupas que estava usando, pelo apartamento luxuoso e solitário em que estava também. Aquele seria meu último dia em terras Francesas, e eu não sabia dizer se me sentia aliviada por deixar aquela parte atual da minha vida para trás, ou se me sentia apreensiva por não saber o que me aguardava.
— Está pronta? - Abby perguntou em algum lugar atrás de mim. Sua voz sempre causava um tremor involuntário que eu detestava, acenei uma vez em concordância.
— Vamos terminar logo.
Nós duas pegamos as nossas armas, e seguimos até o elevador que aguardava.
— Não me parece uma boa ideia. - murmurei para mim mesma, Abby suspirou ao ouvir.
— Não importa se é, ou não, uma boa ideia - ela disse, a tom de voz categórico. — Uma ordem, é uma ordem.
Trinquei os dentes, podia não gostar do que ouvia, mas ela tinha razão. Uma ordem era uma ordem.
— Tente não estragar tudo. - ela murmurou assim que as portas do elevador se abriram, e saímos para o estacionamento.
A fileira de carros negros estava posicionada diante de nós, aquela era uma visão realmente impressionante.
— Tente não ficar no meu caminho.
》《
Tomei o restante do café já frio em meu copo, enquanto esperava alguém aparecer. Olhei o relógio do meu pulso vendo que 3 horas já haviam se passado desde o desembarque.
Tudo o que falaram foi: não a deixe irritada.
Tirei os óculos escuros e empurrei alguns fios de cabelo para trás da orelha, meu corpo parecia ter apenas pontos de dor e meu ombro era o pior de todos. A noite com Abby me rendeu uma série de contusões e um tiro de raspão, mas estranhamente as coisas não foram piores.
Nós duas fomos os petiscos enquanto os verdadeiros mestres trabalhavam, literalmente fomos jogadas para morrer. Eu não podia dizer que entendia o esquema doentio por trás disso, mas não era como se minha opinião fosse ser considerada por um deles.
Quando o relógio se aproximou da meia-noite, desisti da ideia de que alguém viria hoje. De pé na ampla calçada havia um único táxi estacionando tranquilamente, nenhum outro sinal de qualquer veículo por perto.
Irritação transbordava de mim em ondas, eu estava com fome, cansada e dolorida. Agora, para completar, também estava sendo esquecida no aeroporto.
— Perfeito.
Uma chuva fina começou a cair, apenas umas poucas gotas no início mas logo a chuva se tornou uma verdadeira tempestade. Puxei as mangas da minha jaqueta já encharcada numa tentativa de manter minhas mãos quentes, mas foi em vão.
Enquanto eu xingava mentalmente a todos os envolvidos naquela merda, um carro negro parou a minha frente com uma freada brusca, a janela do banco do passageiro se abriu, e uma mulher loira com um sorriso amarelo se curvou para gritar pra mim.
— Entra! - ela chamou, hesitei por apenas um breve minuto antes de puxar minha mala e entrar no carro. — Espero que não esteja muito chateada, por ter ficado esperando.
Olhei para ela, com minha melhor cara de paisagem e falei lentamente.
— Não, nem um pouco.
Ela riu, obviamente não acreditando nas minhas palavras, mas deu de ombros sem se importar.
— Que bom. Se segura.
Foi o único aviso que ela deu antes de disparar noite a dentro em direção ao centro da cidade. As ruas estavam vazias o suficiente, e diferente do que eu esperava a trajetória foi ridiculamente curta.
A garota loira entrou para o estacionamento subterrâneo, só pude ver de relance o prédio acima, mas em uma única palavra ele era luxuoso. Já dentro do estacionamento foi fácil ver que não só a aparência externa impressionava, a segurança do daquele lugar era levada realmente a sério.
Sai do carro, peguei minhas coisas e segui a garota até um dos elevadores, me encostei na parede enquanto esperávamos que ele chegasse. O silêncio pairava entre nós, pesado e incômodo. Antes de toda essa loucura acontecer eu não gostava do silêncio, mas agora ele se tornou meu companheiro inseparável, meu melhor amigo.
— Como você conheceu o Gustavo? - a pergunta foi repentina. Olhei para ela com uma sobrancelha erguida, desconfiada.
— Em uma corrida, ele me deu uma amostra grátis do que fazia. - falei secamente. Ela riu.
— É bem a cara dele!
— É... foi o que percebi.
A boa educação enterrada em mim protestava por minha falta de simpatia, mas eu não me importava.
— Vai dizer o seu nome? - ela quis saber, me olhando de lado.
— Tenho certeza que você já sabe - apontei.
— Seria educado se apresentar - ela rebateu.
Continuei calada, não era como se tivesse algo a acrescentar.
— Nem todos são malvados sabia? - ela falou de repente.
— Não conheci ninguém que não fosse um vilão até agora.
— Você está cercada por uma bolha recentemente criada de hostilidade. Autopreservação é algo natural no ser humano, é algo comum rejeitar coisas que são taxadas como erradas por toda a sua vida. Mas, você precisa aprender a direcionar corretamente a sua frustração, nem todos que levam essa vida são pessoas más, nem todos tiveram escolha ou mesmo opções, mas não é como se isso importasse, não é mesmo?
— Pois é, acho que não. - falei e entrei no elevador logo depois dela. Observei enquanto ela digitava uma senha, rápido demais para que eu pudesse acompanhar.
— Alguns não têm sorte ou escolha, você por exemplo, não é uma criminosa, mas agora, mesmo que a polícia não saiba da sua existência você é considerada uma. - ela sorriu cheia de um bom humor detestável.
— Espera que eu argumente?
— Não, apenas gosto de colocar as coisas em perspectiva. É incrível como as coisas podem ser totalmente diferentes, dependentes de quem ver. Quando mataram meus pais e me levaram a uma base secreta, para que eu fosse usada num experimento militar, eu não fui considerada um perigo... Mas se você perguntar ao governo hoje, irão te confirmar que eu sou completamente perigosa, apenas por não trabalhar para o lado bondoso da história.
— Todo mundo tem escolha, no final das contas. - falei sem pensar.
— Então você escolheu esta aqui.
— Eu escolhi sobreviver.
— Foi o que todos nós escolhemos também. - ela falou. Depois disso não pareceu mais disposta a tagarelar.
》《
Depois de comer e ter guardado minhas coisas, explorei a cobertura um pouco. O lugar era enorme e luxuoso, muito diferente do complexo francês. Também não haviam outras pessoas, parecia que seriam apenas nós duas.
Quando desci o lance de escadas para a sala vi a pequena loira sentada sobre uma banqueta alta na ilha da cozinha, um notebook aberto diante dela, apesar de estar concentrada, ergueu a mão mostrando que estava ciente da minha presença.
— Esqueci de falar, me chamo América. - ela falou sem olhar para mim.
— Emma. - foi tudo o que respondi. Coloquei as mãos nos bolsos da calça sem ter a menor ideia do que fazer ali.
— Venha. - América liderou o caminho, me levou para a sua sala de treino, era um local espaçoso, um olhar ao redor mostrou que também era bem equipado, os tatames pareciam impecáveis e o piso parecia ser metal. Comprovei a teoria quando meus pés nus tocaram o chão e meu corpo todo estremeceu pelo contato.
— Mostre o que sabe.
Aquele era um comando simples, me fez questionar o motivo, mas obedeci. América desviou de todos os meus golpes com naturalidade, a expressão realmente concentrada enquanto avaliava.
— Relaxe, precisa deixar os instintos te guiarem um pouco mais.
— Eu estou muito relaxada. - Afirmei impaciente.
Ela caminhou até uma parede de equipamentos e pegou um bastão girando a arma nas mãos cuidadosamente. Observei mantendo minha base de luta enquanto ela avançava.
— Seu corpo está tenso, a antecipação tira sua concentração.
Ela girou o bastão com uma rapidez impressionante, a pancada em minhas costelas me fez perder o ar. Não tive tempo de reagir pois logo em seguida, com um floreio combinado, ela acertou o ombro que ainda cicatrizava.
Soltei todos os xingamentos que aprendi em francês, apesar de nenhum ter minimizado a dor.
— Nunca deixe a guarda baixa. Percebi que não estava mexendo muito o ombro... tiro? - ela perguntou realmente curiosa.
— Sim. - Respondi com os dentes trincados, uma mancha vermelha já aparecia no tecido da camiseta.
— Você precisa de mais do que habilidades em uma luta, observar o seu oponente e antecipar seus movimentos é extremamente necessário. Principalmente se forem mais fortes que você.
— Já ouvi isso, - murmurei, e de fato foi quase o mesmo discurso usado por Melissa. Ergui a sobrancelha quando ela ergueu uma venda pra mim.
— Aprender a seguir seus instintos.
— Como posso observar se vou estar vendada? - perguntei cética.
— Ouvindo, esse também sempre é um ótimo meio para desvendar pessoas. - ela sorriu e jogou a venda em minha direção.
— Não costumo parar para ouvir, quando estou apanhando. - resmunguei para mim mesma.
— Não resmungue, isso é irritante. - ela bateu o bastão no chão, como um sinal de que iria começar.
Os treinamentos com Melissa me deram algum tipo de senso de direção e antecipação, mas Melissa sempre fez isso com as mãos, nunca com um bastão.
— Já está acostumada a isso, não é?
— Sem bastão, sim.
— Gosto de alguns brinquedos. - ela comentou.
E eu gemi dolorosamente, quando ouvi mais do que senti o baque seco contra os ossos da minha mão.
— Ótimo!
Ela acertou a dobra do meu joelho logo em seguida, fazendo com que eu fosse para frente mais a vez.
— Não sou a melhor mentora na parte física, mas sei algumas coisas. Minha especialidade é investigação e estratégia. Espionagem não é para qualquer um.
— Você faz isso a muito tempo?
— Algum tempo. A força nem sempre vai funcionar, você precisa está preparada. Pensar em rotas, planos, conhecer seu alvo e seus medos. O psicológico é tão bom quanto o físico.
— Eu não tenho dúvida. - comentei e o leve zumbindo do ar foi a única reposta que tive, ergui o antebraço bloqueando o bastão a poucos sentimentos do meu rosto.
América riu.
— Vai ser muito divertido te ensinar.
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