CAPÍTULO 10
A maior parte da minha consciência ainda estava fora de combate, mas ainda conseguia ouvir a batida insistente nos recantos da mente. Reunindo todo o bom senso e mandando-o para o lixo, virei de lado, ignorando prontamente a pessoa que me chamava.
— EMMA! - O grito irritante estava próximo demais. — ACORDA!
Os lençóis foram puxados, e eu abri os olhos mal humorada. As cortinas ainda estavam abertas e o céu ainda estava escuro, eu diria que faltavam ainda algumas horas para o nascer do sol.
— Minha nossa! Como seu sono é pesado, levanta nós vamos sair - o resmungo de América veio enquanto ela jogava o lençol no chão. — Lição de sobrevivência parte 1: não durma tão profundamente.
— Que diabos você quer América? - perguntei saindo da cama, o carpete áspero pouco fez para afastar o frio que eu sentia.
— Se vista, nós vamos correr.
Não tive tempo para questionar já que ela logo saiu do quarto, suspirando entrei no closet pegando uma calça de moletom e uma camisa cumprida, coloquei os tênis de corrida antes de descer para a sala. América estava lá, as mãos acima da cabeça enquanto alongava o corpo.
— O quê deu em você? Você nunca corre. - questionei quando comecei a minha própria sequência de alongamento.
— Vou te levar para um lugar, na verdade você já está atrasada. Vamos só para você conhecer o lugar e as pessoas certas.
— Hum... Atrasada para quê? - perguntei cuidadosamente. Uma coisa que aprendi, é que América sempre era a garota mais confusa e imprevisível ao redor.
— Não pareça tão reticente, - ela falou revirando os olhos. — Eu consegui um emprego para você, é um lugar legal.
— Um emprego?!
Eu não sabia se ela estava falando serio ou não, América era difícil de desvendar.
— Não achou que ficaria aqui de graça, não é? - ela me olhou erguendo a sobrancelha.
Na verdade... é, eu achei isso sim.
Não respondi, achava que ela podia deduzir por si mesma a resposta.
— Você não está aqui de férias, e não é responsabilidade minha. - ela seguiu para o elevador e eu estava logo atrás dela.
Saímos para o ar frio da madrugada, não havia ninguém além de nós nas calçadas, começamos com uma caminhada e gradualmente aumentamos o ritmo até uma corrida leve. O frio me deixou bem desperta e era muito mais agradável do que a corrida diária que eu fazia antes.
— Estamos chegando, você vai adorar! - ela tinha um brilho divertido nos olhos, e eu duvidei muito que fosse gostar do que quer que fosse.
— Não acha que isso pode ser perigoso?
Corríamos lado à lado, então só foi preciso um olhar de esgueira para analisar suas expressões. Ela parecia realmente está considerando a possibilidade.
— Não há perigo imediato, além disso esse emprego fará parte do seu treinamento. - ela diminuiu o passo. — Vai ser bom pra você.
— É um alívio saber disso. - falei com ironia, não tentei esconder minha insatisfação. Ela não se importou.
Ela caminhou diretamente para a entrada de um prédio que parecia antigo, a fachada de tijolos amarelos e as portas de madeira eram discretas, o jardim verde bem cuidado era muito bonito também. América não hesitou quando empurrou as portas, as luzes do saguão de entrada estavam apagadas.
Segui pelo corredor ao lado dela, poucas velas estavam posicionadas ao longo do caminho, pisquei surpresa quando passamos o arco para ver o cassino abaixo.
— O quê...
— Bem-vinda a Luxury! Onde o prazer e o pecado andam de mãos dadas. - ela sorriu, virou para o lado descendo o lance de escadas para caminhar entre o salão. Apesar do horário o lugar estava lotado.
As mesas de aposta estavam abarrotas de fichas e as pessoas vibravam a cada rodada.
— O que eu vou fazer em um casino? - perguntei quando alcancei América.
— Na verdade é muito fácil, você só precisa incentivar as pessoas a jogarem cada vez mais.
— Como eu vou fazer isso?
— Jogando também - ela falou dando uma picadinha. — Poucas pessoas desenvolvem as habilidades necessárias para manipular alguém sem que seja notado. Mas você tem um grande potencial para isso.
— Vão me pagar para enganar os outros jogadores?
— Basicamente, porém seja esperta e não seja pega por um deles, isso não terminaria bem.
— Eu não sei jogar. - esfreguei a ponte do nariz já sem paciência.
— Bom, é melhor aprender logo então. - Ela deu de ombros e segurando meu cotovelo me conduziu aos donos do casino.
》《
Algumas semanas depois...
Basicamente a minha função na Luxury era interpretar um papel. E para falar a verdade, no fundo, a parte mais sombria de mim adorava aquilo.
Sempre que eu pisava nas escadas do cassino vestindo o melhor que o dinheiro poderia comprar e tinha todos os olhares sobre mim, eu me sentia poderosa. Em uma comparação direta com a Emma de meses atrás, eu me sentia como uma nova versão completamente oposta da original. Mas o verdadeiro poder estava sem sombra de duvidas na manipulação sutil, e eu era muito boa nisso.
Apesar de tudo, não tinha como negar que eu ganhei muito mais confiança em mim. Conduzir os jogadores mais reservados a abrirem livremente os bolsos era muito mais difícil do que deveria, a interação com cada um mudava, era sutil mas precisa, foi fácil aprender quais elogios usar, aprender a blefar, pressionar com bom humor.
Era um jogo perigoso, mas também era satisfatório ver o seu alvo quebrar sem sequer perceber.
Cai de cara na cama, passava das 7 da manhã, não me incomodei em trocar de roupa, apenas joguei os saltos vermelhos em um canto do quarto. Tudo o que eu precisava era dormir.
A vida com América seguia uma rotina pesada, mas era muito mais confortável do que conviver com Melissa, tolamente eu quase considerava América como uma amiga. Apesar de saber muito bem que nunca chegaríamos tão longe.
De qualquer forma eu era grata, ela me ensinou muito e me fez enfrentar novas perspectivas, isso de certa forma acalmou algo em mim.
Quando finalmente consegui dormir meu sono não foi tranquilo, duas horas depois eu estava acordada novamente. Tomei um longo banho antes de descer.
— Você está horrível. - a voz da América tinha um tom de divertimento óbvio.
— Não ando tendo muito tempo para dormir. - murmurei.
— Achei que os Irmãos Maas tinham um tratamento mais duro.
— Ah, eles têm. Não pense que eu dormia muito por lá também.
Ela deu uma risadinha, empurrou uma caneca de porcelana em minha direção, seus dedos continuavam teclando em seu notebook.
— Café. - foi o que ela murmurou quando eu peguei a caneca.
— Obrigada.
— Seu inglês está muito melhor, quase não tem sotaque. - ela comentou de repente, olhei para ela sentindo minha boca retorcida em uma careta. Qual o sentido dessa conversa?
— Acho que é um dom, consigo me adaptar muito fácil e aprender idiomas sempre foi um passatempo divertido. - falei.
— Seja o que for, é bem útil. - ela fechou o notebook com um estalo rápido, o que me surpreendeu. — Você vai tirar o dia de folga hoje.
— O quê?
— É bom relaxar de vez enquanto, considere um presente, você não vai receber muitos.
Bebi meu café rapidamente e deixei a caneca cair na pia enquanto observava a pequena loira.
— Vamos sair, desde que chegou você não viu muito de Londres, certo? - Ela chamou. Eu tinha me vestido para um treinamento não achei necessário me trocar, segui com ela para o elevador ainda um pouco atordoada.
Não sabia muito bem o que fazer quando as coisas não saiam como o planejado, mas de qualquer forma segui junto com ela para fora do edifício.
Ela não pegou nenhum veículo, apenas caminhamos pelas ruas de Londres observando a movimentação, algumas lojas abertas, muitas pessoas bem vestidas. Era um ótimo lugar para observar, eu gostava daquilo que podia ver.
Chegamos a um parque, a grama muito verde e bem cuidada me lembrou o lugar em que cresci, parques públicos não eram nem de longe tão bem cuidados como esse era. O lugar estava surpreendentemente bem movimentada aquele horário, podia ver algumas pessoas caminhando em pares, outros sentados juntos enquanto conversavam, algumas crianças brincado próximos aos pais.
— Ah! Pessoas, tão presas em suas próprias bolhas. - América comentou.
— Você é um pouco estranha - falei sem perceber, ouvi ela rindo enquanto sentava-se sobre a grama, cruzou as pernas mantendo uma posição de lótus e juntou as mãos como se estivesse pronta para meditar.
— Não é estranho, eu apenas gosto de sentir a normalidade que transmitem.
Me sentei ao lado dela, imitei sua pose me perguntando se ela realmente iria começar a meditar.
— Hoje o dia está excepcional. Não precisa ficar ao meu lado, tenho certeza que tem muitas coisas que você poderia explorar. - ela falou me dispensando com um aceno de mão.
Não falei nada, apenas continuei no mesmo lugar observando a interação que acontecia ao redor.
Depois de algum tempo quando ficou muito óbvio que América estava disposta a me ignorar deliberadamente, me levantei e resolvi apenas caminhar ao redor, o parque era lindo e a brisa fresca fazia maravilhas para o bom humor.
Distraída com meus próprios pensamentos quase não notei o pequeno corpo que se aproximava correndo, foi mais uma reação instintiva que me fez curva e segurar a garotinha nos braços tirando seus pezinhos ligeiros do chão.
Ela iria correr direto para a estreita trilha usada por ciclista, olhei seus olhinhos cinzas e ganhei um sorriso sapeca que exibia os quatro dentinhos frontais da menina.
— Elise! - a voz masculina me fez desviar a atenção da menina. O homem que se aproximou era alto, cabelos castanhos e olhos azuis safira, parecia estranhamente familiar.
— Acho que você perdeu uma garotinha. - comentei caminhando com a garota para ele, a menina deu um gritinho enquanto jogava os bracinhos em direção ao homem.
— Ela adora correr, - ele sorriu enquanto pegou a criança. — Obrigado.
— Não foi nada, você tem uma filha adorável.
— Ah, ela não é minha filha. - ele comentou dando tapinhas nas costas da bebê. — A mãe dela é uma amiga próxima.
E como se tivesse esperando essa deixa, a mulher surgiu atrás dele, uma bela ruiva de olhos castanhos sorriu pra mim.
— Bom, desculpe então, é melhor eu ir. - falei com um sorriso amigável enquanto caminhava para trás, com um aceno me despedi e apenas depois que o casal me deu as costas a memória saltou em minha mente.
Max Maverick.
Eu sabia que ele parecia familiar.
A ruiva voltou deixando o homem com a criança para trás e ergueu a sobrancelha quando me viu ainda ali.
— Lembre a sua amiga que nós temos um acordo.
Pisquei completamente confusa.
É claro que todos os passos dados por América tinham um motivo em particular.
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