Capítulo 4
— Agora você me assustou e me deixou seriamente preocupada. Como assim, com o Maurício não? Se bem lembro, você até que gostava das investidas dele em mim; qual o problema agora? — questionei, surpresa com a reação do Mike.
— Não quero você com ele, simples. Não preciso lembrar que você está grávida de outro, não é? — disse em tom irônico.
— Você pegou pesado, Mike e ainda não me convenceu. — Aproximei-me ainda mais para encará-lo, eu realmente estava confusa com a reação dele. — Eu só fui convidada para um jantar e não esqueci que estou grávida de outro. O que tem de errado com o Maurício, juro que não estou te entendendo?
— Ele quer você, não preciso lembrá-la disso — bradou Mike, enfurecido.
— Mike... — Respirei fundo, impaciente, tentando manter o controle para não discutir. — Para que duas pessoas tenham algo, é necessário que ambos se queiram, nesse caso, eu não estou nem um pouco interessada nele. Você, melhor que ninguém, sabe muito bem disso. E além do mais, você está parecendo o Enrico falando.
Gargalhamos juntos. Puxei Mike para um abraço, ficamos em silêncio por alguns instantes, achei que esse assunta já tinha finalizado, mas meu amigo fez questão de recomeçar.
— O Lenhador tinha razão, o Maurício não é homem para você. Afaste-se dele.
— Por que não? Explique-se, Mike, eu quero entender.
— Ele pegou metade das bailarinas da companhia, é um safado.
— Bem, vamos aos fatos: ele é solteiro, livre e desimpedido. Qual mal está fazendo? — perguntei, encarando Mike seriamente.
— Olhe aqui, já te disse que ele não é homem para você, agora se quiser ir vá, mas depois não venha chorar dizendo que eu não te avisei — disse, visivelmente irritado.
— Mike, nem o meu pai me dava uma dura dessas, pelo amor de Deus, relaxe que isso é apenas um jantar entre amigos. — Ri do seu modo autoritário, tentando fazê-lo rir, mas era nítido a preocupação no olhar dele, só não entendi o motivo. Aproximei-me dele e toquei seu ombro. — Eu só vou jantar, relaxa! Ele é só um amigo, vou tomar meu banho ou me atrasarei.
Beijei seu rosto e saí na direção do quarto, Mike ainda me encarou uma última vez, com um olhar nada amigável. Eu não entendi o motivo de tanta antipatia gratuita, pensando bem, ultimamente o Mike estava agindo tão estranho que achei melhor ignorar.
Depois de pronta fiquei no quarto mesmo, aproveitei para ler os meus e-mails. Respondi todos, exceto o da Drika, achei melhor ligar para dar notícias.
— Oi, Drika, tudo bem?
— Oi, Lili, você já está no Brasil?
— Sim, amiga, retornei há algumas semanas.
— Por que não me avisou, Lili? Eu estava preocupada com você, não liguei porque não queria te incomodar. Como está o Enrico?
— Está se recuperando. — Suspirei profundamente. — Após o acidente ele perdeu a memória e não se recorda de mim, ou melhor de nós.
— Nossa! Que barra, Alícia, eu imagino o quanto está sendo difícil.
— Está complicado, mas vou superar. — Fiz uma pequena pausa engolindo o choro. — Eu estou grávida e o meu apartamento pegou fogo. Enfim, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, mas não posso reclamar, estou viva, minha filha está bem e é isso que importa.
— Você está precisando de alguma ajuda? Posso fazer algo por você?
— Não, Drika, eu estou bem, estou no apartamento do Mike e do Caio, ficarei aqui por enquanto até decidir o que farei. Vou te enviar meu novo endereço e vou te esperar para uma visita.
— Com toda certeza, iremos, eu e a Bia. Assim que ela retornar das férias marcamos.
— Claro, venham.
— Parabéns pela princesinha, minha amiga, ela vai te trazer muita felicidade.
— Vai sim, Drika.
— Se precisar de algo, por favor, me ligue. Até logo, Lili, e fique com Deus.
— Obrigada e até logo.
Desliguei e pesquisei sobre decoração de quarto de bebê, enxoval, cursos para gestantes e coisas do tipo. Estava achando o máximo esse momento de enxoval, quartinho de bebê e curso de gestante. Apesar de tudo, era o que estava me mantendo firme e determinada a seguir em frente. Embora com um aperto no coração e ao mesmo tempo levemente arrependida. Será que deveria ter contado para o Enrico? Lembrei do quanto ele falava que participaria de tudo, certamente estaria radiante com a gestação, todo bobo e fazendo planos. Lembrar disso me deixava triste, porque eu não tenho mais o Enrico com quem me casei.
Continuei minhas buscas por cursos para gestantes, deixei o enxoval e o quarto para outro momento. Eu tenho certeza de que o Mike fará questão de participar, porém seu humor hoje não está dos melhores.
Pesquisei por cursos de gestantes e achei um ideal: curso para casais grávidos. Eu me inscrevi sozinha, porém certa de que o Mike também ia querer me acompanhar. Estava tão entretida com as minhas pesquisas que o tempo passou num piscar de olhos, só percebi quando o meu celular tocou.
— Alô.
— Oi, Alícia, estou aqui no endereço que me passou. Creio que é o local certo.
Olhei rapidamente no relógio na mesinha de cabeceira, assustei-me com o quanto me distraí, faltava somente dez minutos para o horário combinado.
— Oi, Maurício, já estou descendo.
— Ok, Alícia.
Caminhei até a janela e olhei pela fresta da cortina, na direção da rua, avistei-o olhando para o prédio, recostado em um carro. Vestia um jeans e uma camiseta branca simples, bem informal. Parece até que combinamos, também estava tão informal quanto, com um vestido simples floral, na altura dos joelhos.
Calcei uma sapatilha e saí, procurei o Mike para avisá-lo, mas não o vi na sala e nem na cozinha. Do corredor avistei a porta do quarto dele aberta, entrei cautelosamente, ouvi o barulho do chuveiro, não quis incomodar, mandei só uma mensagem e saí.
Cheguei na frente do prédio, o Maurício me avistou e veio ao meu encontro com um sorriso contagiante.
— Oi, Alícia, boa noite e obrigado por ter aceitado meu convite.
— Oi, Maurício, como está?
— Bem, muito bem.
Trocamos um abraço fraterno, depois Maurício abriu a porta do carro para mim, entrei e ele a fechou, em seguida entrou no carro, pediu licença, todo atencioso, afivelou o meu cinto de segurança, depois o dele e partimos.
— O que quer fazer, Alícia?
— Vamos jantar, não?
— Sim, mas podemos nos divertir um pouco antes. O que acha?
— Pode ser. Onde pretende me levar? — perguntei, um pouco receosa.
— Calma, Alícia, sei bem que está recém-divorciada e grávida, não pensei em nada impróprio. — Riu ao perceber meu desconforto. — Somos apenas amigos, esqueceu?
— Não, não esqueci e obrigada por me entender.
— E eu agradeço, a sua companhia é sempre agradável. — Ele me olhou com um sorriso singelo. — Eu trouxe um presente para você, em nome da nossa amizade. Abra o porta-luvas do carro, por favor.
Havia uma pequena caixa envolta em uma sacola familiar, olhei dentro da sacola e estava correta, era mesmo familiar: chocolates suíços, os mesmo que comemos juntos quando nos conhecemos.
— Obrigada, Maurício, não precisava ter se preocupado.
— Espero que ainda goste.
— Sim, é claro que gosto.
Apesar de não saber o que ele tinha reservado para essa noite, eu estava tranquila, confiava na amizade do Maurício. Conversamos durante o trajeto, relativamente curto. Reconheci que estávamos na zona sul do Rio de Janeiro, não identifiquei o bairro. Ele reduziu a velocidade e sinalizou de frente para um bar, admito que fiquei um pouco insatisfeita com a escolha do lugar, já que eu não consumia bebida alcoólica e nem poderia fazer isso no meu estado. Assim que paramos, ele saiu e abriu a porta para mim.
Tentei disfarçar a insatisfação, e entramos de braços dados no bar. O local era confortável, som ambiente e poucas pessoas, caminhamos para lateral do recinto, onde havia uma espécie de palco com mesas próximas, como se fosse acontecer algum tido de apresentação. Uma funcionária nos recepcionou e nos direcionou para uma mesa, que só havia duas cadeiras, e bem próximo do palco.
Nós nos acomodamos, olhei com mais atenção em volta, procurando por alguma indicação do que assistiríamos. Um garçom se aproximou.
— Boa noite, senhores, querem pedir alguma coisa para beber?
— Sim, por favor, quero uma vodka, ou melhor, nada de bebidas alcóolicas. — Maurício me encarou e sorriu. — Traga dois sucos de laranja, por favor.
— Sim, senhor — disse o garçom e saiu rapidamente.
— Não precisa dispensar a sua bebida por minha causa, fique à vontade, por favor.
— Faço questão de acompanhá-la. — Maurício colocou a mão sobre a minha.
— Como ficou sabendo que me divorciei?
— Encontrei o Mike semanas atrás, ele me contou o que aconteceu e que estava em Niterói com os seus familiares.
— Estranho! — Fiquei pensativa. — Hoje quando disse que jantaria com você ele meio que surtou.
— Surtou? — perguntou, assustado.
— Sim, disse que não queria que eu saísse com você, deu várias desculpas esfarrapadas, até pensei que vocês dois tivessem tido algum desentendimento.
— Não, de modo algum, também estranho a atitude dele. — Maurício pareceu pensativo e tão surpreso quanto eu com a situação. — Ele fez questão de me contar como você estava e até me pediu para te ligar. Porém, eu fiquei fora, devido aos meus compromissos de agenda, e achei melhor fazer isso quando estivesse no Rio, assim poderia te encontrar pessoalmente.
— Entendi, bem, na verdade, ele vem agindo de um modo muito estranho ultimamente.
Os nossos sucos chegaram, agradeci ao garçom e bebi o primeiro gole. Olhei novamente em volta e o ambiente já estava repleto de espectadores, e eu ainda não tinha ideia do que assistiríamos. Pouco depois, finalmente as cortinas do palco se abriram, um apresentador anunciou o espetáculo, era um show de stand up comedy, adorei! Estava mesmo precisando sorrir.
Desliguei o meu celular, animada, e pouco depois começaram as apresentações. Estava muito divertido, tinha ótimos humoristas, ri que chorei de tão hilário que eram as piadas, interação com a plateia, paródias... foi incrível.
Comemos alguns petiscos, bebi mais um suco e mal consegui esperar até o intervalo para correr para o banheiro. Eu tinha sorrido tanto que necessitava esvaziar a bexiga antes que acontecesse uma tragédia.
— Vou ao banheiro.
— Quer que te acompanhe? — perguntou Maurício, levantando-se da cadeira.
— Não, não precisa, obrigada.
Sorri em agradecimento e saí em direção ao banheiro. Era bem próximo da saída, como o local estava lotado, deu um certo trabalho para chegar ao meu destino. Entrei no primeiro que estava desocupado, que por sorte estava bem menos movimentado que o salão.
Parei na pia para lavar as mãos e arrumar os cabelos, quando levantei a vista para me ver no espelho, tive a impressão de que vi pelo reflexo o Enrico parado, observando-me da porta, esfreguei os olhos, incrédula, virei-me imediatamente, porém não tinha mais ninguém, saí correndo feito louca e, próximo dali, tinha um segurança.
— Com licença, senhor, saiu um homem agora há pouco daqui?
— Não vi ninguém não, senhora, aconteceu alguma coisa? — perguntou o segurança, assustado.
— Não, não. Obrigada.
Corri em meio à multidão, cheguei até a porta de saída, mas não vi ninguém. Foi muito real, ao ponto de me fazer correr até aqui. Saí do bar e atravessei a rua em busca de um lugar mais silencioso, olhando para o estacionamento e para tudo e todos que passassem por mim. Lembrei-me de como eu poderia conseguir ter certeza do que vi, liguei o meu celular, ainda trêmula e disquei para Giordanna, minha ex-sogra, nem me preocupei com o fuso horário, meu coração estava contrito demais para raciocinar corretamente. Chamou algumas vezes e ninguém atendeu, insisti e, na terceira tentativa, ela atendeu.
— Alô — Giordanna atendeu com a voz sonolenta.
— Desculpe pelo horário, é a Alícia.
— Alícia, algum problema? — perguntou, alterando levemente o tom de voz, parecia preocupada.
— Por favor, me responda onde está o Enrico?
— A essa hora deve estar dormindo no apartamento dele aqui em Milão. Algo errado? O que houve, figlia?
Fechei os olhos e suspirei profundamente, tinha esperanças de que a visão que tive pudesse ser verdadeira.
— A senhora tem certeza?
— Sim, claro. Ele esteve com meu marido hoje na MHR, mas o que houve?
— Nada, apenas pensei que tinha o visto. Quanto ao nosso divórcio, peça que ele me envie o mais breve possível e perdoe-me pelo horário.
— Ligue sempre que quiser. Sobre o divórcio, acho que ele já deve ter enviado. Graças ao bom Deus ele está retomando as suas atividades cotidianas lentamente. Apesar de ainda não recordar de muita coisa, tem feito bons progressos.
— Obrigada mais uma vez, tenha uma boa noite.
— Já disse, ligue sempre que desejar.
— Obrigada, Giordanna.
Desliguei, um pouco mais calma, embora triste. Retornei para o bar, o show já havia recomeçado. Avistei Maurício de longe, inquieto, olhando fixamente na direção dos banheiros, toquei seu ombro devagar e ele sorriu ao me ver.
— Fiquei preocupado, você demorou. — Maurício se levantou e segurou meu braço com carinho, parecia tenso.
— Eu fui atender uma ligação lá fora.
— Está se sentindo bem? Estou te achando um pouco pálida.
— Estou bem, só quero um copo de água. — Sentei e ele fez o mesmo e logo chamou o garçom, pediu duas águas.
Quando o garçom se afastou ele segurou minha mão devagar e me encarou com um sorriso mais tranquilo.
— Se quiser ir embora, é só avisar.
— Não, vamos terminar de assistir. — Forcei um sorriso.
— Certo.
Não consegui mais prestar atenção como antes, a visão que tive me deixou muito abalada. Embora sabendo que era impossível ter sido ele, meu coração demorou aceitar que fora apenas uma ilusão.
Após o show, jantamos sopa de marisco num quiosque em Copacabana. Como estava sentindo falta de ver o mar diariamente. O Maurício como sempre, foi perfeito, muito atencioso e gentil, conversamos bastante, ri e me diverti muito. Em geral a noite foi agradável, apesar da alucinação que vi ter me deixado um pouco perturbada.
Depois do jantar, o Maurício me levou em casa. As horas passaram tão rápido que nem percebi, quando ele estacionou o carro em frente ao prédio, olhei no meu celular e me dei por conta que já era quase meia-noite.
— Obrigada pela agradável noite, Alícia, posso voltar amanhã para te visitar?
— Maurício, você é um cara incrível, mas saiba que nesse momento, só posso te oferecer a minha amizade.
— Eu sei disso, fique tranquila, quero apenas ajudar na inauguração da companhia, posso?
— Sim, claro que pode.
— Tudo bem, então amanhã cedo estarei aqui.
— Ok! Boa noite, Maurício.
— Boa noite, Alícia.
Maurício me aguardou entrar no edifício antes de partir. Acenei em despedida antes de entrar no elevador e, ao chegar no apartamento de Mike, que estava parcialmente escuro, entrei sorrateiramente para não incomodar. Ouvi vozes vindo da direção da cozinha, reconheci que era a de Mike.
Aproximei-me devagar, ele estava de costas e falava ao celular; pelo tom da voz e o tanto que gesticulava, não era uma conversa amigável, parecia uma discussão.
— Eu já disse, eu não pude evitar e se não confiar em mim nada disso vai funcionar. — Um breve silêncio. — Tá, tá, escuta, porra! Ele não tem caralho de ligação nenhuma, relaxa que tudo está sob controle. A Alícia jamais descobrirá quem realmente é.
Continuei estática ouvindo, antes esperava apenas que Mike me avistasse para saber que eu já tinha chegado, mas agora, depois do que ouvi, preciso de explicações. Ele parece que sentiu a minha aproximação, virou-se ao me perceber, ficou branco, tão pálido, que achei que passaria mal.
— Mike, com quem está falando? — questionei, tentando manter a calma.
Beijos, amoras e até a próxima :-D
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