Capítulo 3
— Co-como você fez isso? — gaguejei, perplexa.
— Ainda não era para você ver, mas depois do que aconteceu... — Mike fez uma pausa e me olhou preocupado. — Eu achei que seria uma hora oportuna para te trazer aqui. — Mike me puxou para os seus braços e beijou a minha cabeça com carinho.
— Obrigada, meu amigo, por estar sempre ao meu lado.
— Sempre estarei, cenourinha, eu faço tudo pela sua felicidade. — Mike me afastou dos seus braços e pegou minha mão. — Agora chega de lágrimas, vamos entrar, quero que você me ajude a organizar a nossa companhia, sócia.
— Sócia? — questionei, duvidosa.
— É claro! E quem mais poderia ser a minha sócia, senão você?
Sorri em agradecimento e entramos pela porta principal, que tinha uma imensa vidraça, coberta por papéis, que impediam ver o interior do imóvel. Fiquei encantada com o pouco que vi, apesar de estar em obras, consegui entender o projeto. Havia setores administrativos, copa, vestiário, banheiros... Tudo impecavelmente organizado, e a melhor parte: o estúdio de dança, dividido em dois espaços distintos e bem amplos, interligados por uma sutil porta de vidro.
Entrei no primeiro deles, que tinha barras fixas mais baixas, a decoração bastante colorida e com temática mais lúdica e infantil. Especialmente pensado para crianças, um verdadeiro encanto.
Mike me seguia todo bobo, mostrando um detalhe e outro dos espaços. No segundo estúdio, as barras estavam nas alturas normais, pintura e decoração imponentes, com cores fortes e vibrantes. Tudo cuidadosamente planejado, tão incrível quanto o infantil.
Andei por todo imóvel, sem dizer uma só palavra, tão impressionada que nem consegui externar o que eu sentia, só consegui admirar tudo com muita felicidade. Nem mesmo o forte cheiro de tinta e os andaimes espalhados por todo canto atrapalharam o momento. Depois de conhecer cada cantinho, voltamos à recepção, abraçados e com lágrimas nos olhos.
— Mike, nem sei o que dizer, está tudo perfeito! Como conseguiu fazer tudo isso sozinho?!
— Eu tive grande ajuda do Marcelo. E tudo isso é nosso, minha cenourinha, a partir de hoje você é a minha sócia. — Mike se afastou e segurou minhas mãos. — O Cacá está cuidando da parte burocrática, mas quero que você seja legalmente a minha sócia de tudo.
— Obrigada, Mike, só você para me alegrar num momento tão difícil.
— Não me agradeça, mostre o seu talento e competência que seremos sucesso. Vamos, quero te mostrar o meu apartamento.
— Você mora aqui por perto?
— Sim, bem pertinho.
Saímos da nossa companhia e entramos no elevador, no mesmo prédio. Não observei bem por fora, mas devia ser um edifício de poucos andares, a julgar pela altura do prédio. Eu estava tão feliz, que por alguns momentos, esqueci o incêndio no meu apartamento.
Chegamos à cobertura do edifício, entramos no apartamento de Mike, era muito bem decorado e bem amplo, até modesto. Mike fez questão de mostrar cada detalhes, aproximei-me da varanda, apreciei a vista, que era possível ver um pouco do bairro, aparentava ser um bairro de classe média, pelas poucas casas e de alguns edifícios comerciais no entorno. Era uma área desconhecida para mim, chutaria a zona norte ou talvez oeste do Rio de Janeiro.
— Em qual bairro estamos? — questionei.
— Em Realengo.
— Realengo? Nossa! Pensei que estivéssemos mais próximos de Copacabana.
— Eu recebi uma indenização e não um prêmio de loteria, tá, queridinha? — Brincou Mike. — Achei melhor investir num bairro com imóveis mais barato e que tivesse um bom público para a nossa companhia de dança. Não gostou daqui?
— Calma, Mike, não estou reclamando, só fiquei surpresa. — Abracei-o ternamente. — E você está corretíssimo, o Caio está te fazendo muito bem, até pôs um pouco de juízo nessa cabecinha de vento. E sim, aqui é bem legal.
Momentaneamente lembrei do meu apartamento, não consegui conter as lágrimas, chorei ao lembrar do incêndio.
— Não fique assim, Lili, tenha calma, vamos dar um jeito. Fique aqui conosco, já percebeu que é bem espaçoso, né?
— Obrigada pelo apoio, Mike, mas o meu apartamento tinha valor sentimental, sabe o quanto representava para mim.
— Claro que sei, porém não adianta se lamentar agora. — Mike pegou minha mão e me puxou para dentro do apartamento. — Primeiro vamos tomar um banho e descansar, pedirei para o Cacá ir lá pessoalmente e verificar como está tudo. Sei que você é forte, mas agora tem que pensar na nossa bailarina que está aqui. — Mike pôs a mão sobre o meu ventre. — Preciso que se acalme e descanse, deixe o resto comigo.
— Tudo bem, estou muito cansada, preciso descansar um pouco e não vai resolver chorar mesmo.
— Isso mesmo, ainda mais que hoje foi um dia tão feliz, descobrimos que o nosso bebê será uma linda princesa, compramos as primeiras roupinhas e ainda conheceu o nosso empreendimento. Agora, vou levá-la até o seu novo quarto e quero que relaxe, vou providenciar o nosso jantar e falar com o Cacá também.
Caminhamos pelo corredor e entramos em um lindo quarto. Era bem decorado, com cores pastéis, móveis brancos no estilo colonial. Estava tudo tão bem arrumado, que até parece que já esperava por um hóspede. A cama era um espetáculo, enorme como as do apartamento do Enrico. Os armários eram bem amplos, repletos de roupas de cama e toalhas, mas ainda tinha bastante espaço. Enquanto eu inspecionava cada detalhe do quarto, Mike entrou com a minha mala, nem o percebi sair do quarto. Prontamente ele já começou a organizar meus objetos cuidadosamente nos cabides, além das sacolas com os enxovais da minha filha.
— Não fique aí me olhando, vá tomar um banho enquanto organizo tudo, não quero que você se preocupe com nada. Não é bom para nossa princesinha que você fique tensa.
— Sim, senhor, doutor Mike — falei descontraída, esboçando um leve sorriso.
Depois do banho, fiquei alguns minutos me observando pelo espelho do banheiro, a minha barriga era quase que imperceptível, porém os meus seios já estavam visivelmente mais volumosos. Retornei para o quarto, vestida num roupão.
O Mike já tinha saído e as minhas roupas já estavam organizadas nos armários. Optei por um vestidinho leve e confortável, vesti e me deitei na cama, que por sinal era muito confortável. Meu coração estava apertado, as imagens do meu apartamento em chamas vinham a todo instante na minha mente, respirei fundo e tentei esquecer, pelo bem da minha sanidade e saúde da minha pequena bailarina, era melhor não me preocupar com isso agora.
Tentei pensar em coisas boas, imaginei que nome daria a minha filha, como seria o seu rostinho, qual a cor dos seus cabelos etc. funcionou tão bem que acabei pegando no sono.
Despertei algumas horas depois, estava confusa e um pouco atordoada, tive um sonho estranho e tão real ao mesmo tempo. Levantei-me devagar, lavei o rosto e saí para procurar o Mike. Encontrei-o na sala, sentado no sofá e falando ao telefone. Avistei o Caio, sentado à mesa de jantar com o notebook, vestido informalmente, como nunca o tinha visto.
Acenei para Mike, que retribuiu com um sorriso, e fui ao encontro do Caio.
— Oi, Caio.
— Oi, Lili, conseguiu descansar?
— Sim, a cama é muito boa.
Mike, ao me ver, caminhou na minha direção, ainda falando ao telefone, beijou o topo da minha cabeça e retornou para varanda. Sentei-me no sofá, Caio me seguiu e juntou-se a mim.
— Lili, eu sinto muito pelo seu apartamento. Eu estive lá, conversei informalmente com um bombeiro que atendeu a ocorrência, as causas do incêndio ainda serão apuradas, mas tudo indica que foi por conta de um vazamento de gás. O seu apartamento está interditado para perícia, graças a Deus o incêndio foi combatido a tempo e não houve vítimas. Porém, como medida de precaução, evacuaram parte do edifício.
— Ainda bem que não teve vítimas, mas ainda acredito que esse incêndio foi criminoso e não acidental — murmurei, pensativa.
— Por que pensa isso? — perguntou, surpreso.
— Minha sogra me ligou alguns dias atrás e disse que o acidente do Enrico foi premeditado. Envenenaram o cavalo para que ele caísse durante as provas. Também encontraram graves problemas na MHR, inclusive, o sumiço de uma alta quantia. Ela me ligou preocupada com a minha segurança, pode ser que esse incêndio tenha alguma relação com tudo isso. Mesmo achando que não há motivos para fazerem algo contra mim, já que estamos divorciados, ainda assim, preciso ficar atenta.
— Nossa, Lili! Isso tudo é muito grave. Mas vamos aguardar o resultado da perícia, por ora, concordo que há motivos para se preocupar com a sua segurança, você precisa ficar longe de tudo isso. — Caio pousou a mão sobre a minha. — Aqui estará segura, fique conosco o tempo que precisar. Agora, outra coisa, com relação a documentação do seu divórcio, eu ainda não recebi nada. Você informou corretamente o endereço do meu escritório?
— Sim, claro que informei, acho que é porque o Enrico ainda está se recuperando, creio que não demorará para ser enviado.
— Vamos jantar, meus amores? — Mike se aproximou de nós e se sentou ao lado de Caio. — Eu estou faminto e vocês?
— Qual o menu do dia, chefe? — perguntei.
— Pizza, né? Mas dessa vez sem cerveja, Cenourinha, você não pode beber. Já, já o entregador chega aí, vou tomar um banho e já retorno.
Mike retirou algumas notas do bolso e colocou sobre a mesa de centro da sala, depois trocou um rápido beijo com Caio e saiu em direção ao quarto deles.
— Vou terminar uma petição antes da pizza chegar.
Caio voltou à mesa de jantar, eu me levantei e fui até a sacada, o clima estava ótimo, apreciei por alguns instantes o movimento do bairro. O edifício era bem localizado, tinha uma praça de frente, escolas, restaurantes, alguns comércios e até um posto policial na mesma rua, parecia ser um bairro tranquilo e bom de se morar.
Refleti por alguns minutos, novamente a minha vida estava mudando, foram tantas reviravoltas nos últimos meses que já estava até acostumada. Ainda me emociona lembrar do meu apartamento, é mais um problema para conta, que vou superar, assim espero. Tenho motivos de sobra para me entregar ao desespero e às lágrimas, mas preciso ser forte, a minha pequena bailarina é a força que preciso para recomeçar.
— Pensando em mim, Cenourinha? — Mike se aproximou, acordando-me da minha reflexão.
— Pensando no quanto a minha vida mudou e tão rapidamente.
— Nem pense em entrar numa bad que eu lhe dou umas palmadas. — Mike retrucou, cruzando os braços, encostando-se na sacada, encarou-me sério, como se estivesse me repreendendo.
— Não, tenho motivos, mas não vou. Afinal, a nossa pequena bailarina precisa de uma mãe feliz e radiante.
— Assim que se fala, sem falar que quero o seu lindo sorriso dando aulas para nossas pequenas alunas.
— A minha filha é tudo que tenho de melhor. Além de você e dos meus familiares.
— Ah! Bom, pensei que não ia falar de mim.
— Jamais esquecerei o que fez e faz por mim.
Abracei-o ternamente, ficamos assim por alguns minutos, em um momento de cumplicidade e amizade verdadeira.
— Sei disso, Lili, e por isso eu quero que fique aqui conosco pelo tempo que precisar, será melhor para você, quero que acompanhe as obras e dê as suas sugestões, sem falar que precisamos organizar um espetáculo bafônico para nossa inauguração.
— Ficarei sim, mas tenho uma condição. Quero colaborar na sociedade igualmente, quero investir o mesmo valor que você.
— Sem problemas, Cenourinha, depois você acerta esses detalhes com meu advogato, quer dizer, meu gato, advogado e namorido.
— Tudo bem. Você acredita que sonhei com Enrico hoje?
— Sério? — perguntou Mike, surpreso.
Caminhamos abraçados para o interior do apartamento, tão logo ouvimos o Caio receber as pizzas.
— Sim, e foi tão real, sonhei que estava aqui mesmo, no quarto do seu apartamento, ele estava sentado na cama ao meu lado me observando, não disse uma só palavra, apenas sorriu e alisou a minha barriga, depois levantou-se e saiu do quarto como um fantasma.
— Só pode ter sido um sonho mesmo, sair do quarto e te deixar sozinha, não é nem um pouco a cara dele. Vamos comer antes que a pizza esfrie.
— Tem razão, vamos comer, eu estou faminta.
* * *
A semana passou rápido, estar envolvida na finalização das obras da companhia e na organização da inauguração estava me fazendo muito bem.
O meu apartamento continuava interditado, e ainda não tinha resultado da perícia. Mike não desgrudava do meu pé, toda hora com algo para comer ou beber. Estava pior que minha avó, sem falar que não me deixava sozinha por nada nesse mundo. Pouco saímos, trabalhávamos até bem tarde diariamente, mas estava valendo a pena, a nossa companhia estava ficando incrível. Já estávamos planejando a inauguração, tínhamos até uma atração confirmada: Marcelo faria uma apresentação com os seus bailarinos na nossa inauguração.
No dia seguinte eu começaria a seletiva para as primeiras turmas infantis; como o bairro tinha muita criança de classe baixa, concederíamos algumas bolsas de estudo integrais e parciais. Estava muito feliz e animada, nunca pensei que seria tão prazeroso participar de tudo isso. Assinei os documentos e agora eu era legalmente sócia do Mike.
Fui ao banco para transferir parte do dinheiro da sociedade, e fiquei extasiada ao descobrir que a minha conta bancária tinha quase duzentos mil reais. Analisei o extrato bancário e descobri que foram feitas várias transferências das contas pessoais de Enrico; pelas datas, foram antes e pouco depois do nosso casamento. Lembrei-me de que ele havia mencionado que seria um dinheiro para emergências, mas imaginei um montante bem menor.
Mal cheguei no apartamento do Mike, e o meu celular tocou, era um número desconhecido, entrei rapidamente e atendi:
— Alô.
— Oi, Alícia, como você está?
Reconheci a voz do Maurício.
— Oi, Maurício, estou bem.
— Eu estou na cidade, queria te convidar para jantar hoje comigo, topa?
— Eu não estou muito disposta, perdoe-me, quem sabe um outro dia.
— Eu cheguei ontem no Rio, queria muito te ver antes de partir. Por favor, aceite o meu convite.
Eu realmente estava muito cansada, e nem um pouco disposta a sair, mas uma boa conversa poderia me fazer bem.
— Tudo bem, Maurício, vou te mandar o endereço por mensagem, não estou mais no meu apartamento em Copacabana.
— Certo, pode ser às 20h?
— Sim, para mim tudo bem.
Despedimo-nos brevemente e encerrei a ligação. Sentei-me no sofá, respirei longamente, cansada, exausta e até um pouco arrependida de ter aceitado o jantar. O dia foi muito intenso, não paramos um segundo sequer. Mike chegou logo em seguida, cheio de sacolas e eufórico.
— Oi, cenourinha.
— Oi, Mike, tudo bem?
— Sim, estou bem. Encontrei uns quadros perfeitos para colocarmos na recepção, eu pensei que poderíamos trazer os seus quadros que o Isaac pintou para colocarmos no estúdio. O que acha?
— Boa ideia, Mike.
Mike fuçou as sacolas retirando alguns objetos de decoração e me entregando para avaliar. Ele tinha muito bom gosto, era tudo incrível. Depois da última peça, devolvemos tudo para as sacolas e o Mike se levantou.
— Vou preparar o nosso jantar.
Pegou as demais sacolas e saiu na direção da cozinha.
— Vou jantar fora hoje, se for por mim, não precisa se preocupar.
Mike parou, virou-se para mim e colocou as sacolas no chão. Voltou para a sala com um olhar de preocupação, que era até cômico, parecia meu pai na época de adolescência.
— Jantar fora? Com quem? — perguntou, surpreso.
— Com o Maurício.
— O quê? Nem pensar, com o Maurício não! — vociferou.
Desculpa mesmo pela demora, gente, mas estou em uma fase profissional que está tomando muito do meu tempo. Sem contar na vida acadêmica, ou seja, o mestrado que estou cursando está tomando muito do meu tempo, mas... sempre que puder estarei aqui.
Beijos e obrigada pela paciência!
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