O Rei dos lobos
Em meio às árvores, o lobo gigante se movia como uma sombra. Sua boca salivava, sua lingua arfava. Os odores ao redor invadiam seu olfato: terra, árvores, carne. Carne, sangue, ossos. Um esquilo. Ou até mesmo um veado.
O lobo gigante correu, e quando o Rei dos lobos corria, todos os animais abriam caminho. Caso contrário, morriam. O Rei avistou o veado. O animal pastava, à distância, ainda alheio à sua presença. O lobo se preparou para dar o bote, quase conseguindo sentir o gosto do sangue fresco na boca.
De repente, o veado ergueu a cabeça, como se tivesse ouvido algo súbito, e logo saiu correndo, desesperado. O Rei dos lobos partiu em sua perseguição, mas então também pôde sentir, e parou imediatamente. Uma presença negra pairava sobre seus sentidos. O Rei virou a cabeça e conseguiu enxergar a sombra escura, se movendo em meio aos arbustos, uma fera perigosa e traiçoeira, com os olhos vermelhos brilhando de malícia, os dentes à mostra, pingando sangue.
A sombra negra também era um lobo gigante. Não era tão grande quanto o Rei, mas sua alma era mais obscura, e a fera não parecia intimidada pelo tamanho do Rei dos lobos. O Rei, por sua vez, também não se deixou intimidar. Deu alguns passos e se ergueu sobre seu adversário, imponente, mostrando os dentes e as garras. Os lobos estudaram um ao outro, esperando a hora certa de atacar. Seus olhos se encontravam, cada um enviando a mesma mensagem ao outro: "SUBMETA-SE". Cada um respondeu com um feroz rosnar.
E então um reconhecimento pareceu preencher os pensamentos do Rei: ele conhecia aquele lobo! O Rei moveu as patas, dando um salto e se jogando contra seu oponente com uma mordida. Por sua vez, a fera negra também deu seu bote. Os dentes do Rei dos lobos estava à centímetros da carne de seu primo negro, bem como as garras do outro lobo se aproximavam de seu focinho.
- AUUUUUUUUUUU!!! - Uivaram os lobos à distância.
O Rei se sobressaltou, com o coração aos saltos. Olhou ao redor e procurou pelo adversário. Fitou seus braços, nus, e se perguntou onde fora parar sua pelagem, e foi então que se lembrou. "Sim", pensou ele. "Eu não sou um lobo. Eu sou Theon Stark, um humano, o Rei do Inverno. Tudo não passou de outro sonho de lobo..."
Theon olhou ao redor para descobrir se alguém havia se dado conta de seu súbito devaneio. No entanto, todas as pessoas que berravam naquele Salão pareciam ignorá-lo. Exceto por Arstan Snow. O bastardo estava olhando-o, sentado nos cantos do Salão, e Theon quase podia sentir o lobo negro a encara-lo. O Rei desviou o olhar. "Foi tudo um devaneio", disse a si mesmo, "ou não", insistiu outra voz. Quando Arstan o encarou, seus olhos brilhavam com a mesma malícia que havia na fera negra.
Todos conheciam o fato de que Arstan Snow era um warg, uma aberração, um homem que podia entrar na mente de um animal. Theon já ouvira falar que ele trocava de pele com um lobo gigante negro como a noite, assim como o lobo que o Rei havia enfrentado. Mas a questão era: será que Theon também seria um warg? Outros Starks, seus antepassados, já haviam sido troca-peles, e Theon frequentemente tinha sonhos em que estava na pele de Inverno, o lobo gigante de seu pai, principalmente após a morte do Rei Beron. Theon se pegou pensando no lobo, que permanecia desaparecido, exceto nos sonhos de Theon. "O Inverno não está longe. Ele sabe o caminho de casa".
Enquanto Theon estava imerso em seus pensamentos, as vozes fervilhavam no Grande Salão, embora o Rei não distinguisse as palavras. Theon percebia que Cedran Flint, o jovem de aspecto frágil e filho do Lorde Godric Flint, morto em batalha, falava algo. O novo Lorde Flint agora era o Senhor de Atalaia da Viúva, o castelo de seu clã, mas não tinha nem metade da força que o pai tivera. Ele perguntou algo para Theon, e, de repente, todos os olhares se viraram para ele.
- Majestade? - Disse Cedran, em sua vozinha rouca e sem energia, que agora estava um pouco esganiçada. - Você concorda?
Theon não fazia ideia do que o rapaz estava falando.
- O quê?
- O tolo do Flint acha que devemos fazer paz com os Bolton! - Rugiu Lorde Cellan Cerwyn em resposta. Cellan era velho, e sua barba grisalha caía até o chão, no entanto, ainda era forte, e era nortenho até os ossos. Ele havia permanecido em Winterfell com relutância, por causa de um resfriado, e em seu lugar seus filhos e sua filha guerreira haviam se juntado ao Grande Exército do Inverno, mas agora ele já parecia recuperado, e sua filha estava desaparecida, os filhos estavam mortos. - Precisamos responder ao Rei Vermelho com aço, não com termos de paz! Paz é pros sulistas! Paz é pros ândalos! Nós somos nortenhos, e nortenhos SE VINGAM!!!
Vários homens no salão berraram em concordância com Lorde Cerwyn, em sua maioria, soldados, heróis, e guerreiros barbudos, batendo nas mesas e gritando. Theon compartilhava um pouco dos sentimentos de vingança deles, embora não parecesse prudente.
Nos últimos dias, o castelo de Winterfell estivera às escuras: o pai de Theon, Beron Stark, havia partido para enfrentar o Rei Vermelho, com um exército composto por metade dos lordes do Norte. O exército passou a ser chamado de O Grande Exército do Inverno, e marchou para enfrentar os Bolton liderado por seu pai e o tio de Theon, Rodrik Stark. Apenas alguns ficaram para trás, em Winterfell, lordes velhos, como Lorde Three, doentes, como Lorde Cellan Cerwyn, ou covardes, como Cedran Flint. Além de alguns herdeiros e forças que o Rei Beron quisera deixar na retaguarda. No entanto, o exército não enviara mais nenhuma notícia, e Beron Stark havia havia sido morto e seu corpo havia sido esfolado e pendurado em frente às muralhas de Winterfell. Robar Shawder e Arstan Snow, à mando de Theon, havia enviado batedores para descobrir o que havia ocorrido nas Terras Vermelhas, e procurar sobreviventes do grande exército que partira com seu pai, mas os poucos batedores que voltaram haviam visto apenas cadáveres.
- VINGANÇA! MORTE AOS BOLTON! VAMOS ESFOLAR O REI VERMELHO!!! - Gritavam os homens.
- Ou, o que é mais provável, meus amigos, ele vai nos esfolar! - Tentou berrar Lorde Cedran Flint, que parecia estar tremendo. - Vocês falam isso por que seus castelos não estão cercados pelos Greystark e Boltons!!! Pergunte ao Bastardo de Toca do Lobo, ele vai confirmar! Lorde Greystark se uniu aos Bolton! Meus homens confirmaram terem visto tropas Greystark atravessando seu terreno, durante a noite, à fim de pôr suas espadas aos serviços do Rei Vermelho. Perguntem ao bastardo!
Arstan Snow apenas sorriu, mantendo o silêncio.
Os Greystark de Toca do Lobo eram, possivelmente, o quarto clã mais poderoso do Norte, atrás apenas dos Dustar, Boltons e Starks. Se o Rei Vermelho tivesse de fato o apoio de Toca do Lobo, isso poderia ter causado a queda do Grande Exército do pai de Theon. A possibilidade era forte... Mas Toca do Lobo ainda não se declarara a favor do Rei Vermelho.
- Não sabemos quantos homens eles tem. - Continuou o Lorde Flint. - Os nossos... O exército que partiu com Rei Beron... Podem estar todos mortos, e vamos nos juntar à eles, amigos, se não fizermos paz!!!
- COVARDE! Não sou seu amigo coisa nenhuma! - Gritou um guerreiro especialmente barbudo, chamado Terron Mormont, o Urso. Os outros seguiram seu grito. Cedran Flint se encolheu em sua cadeira. No entanto, alguns lordes se colocaram em seu apoio. Entre eles, Lorde Ecbert Three, um homem de idade, com uma postura geralmente pacífica desprezada entre os nortenhos.
- Acho a posição de Lorde Flint bastante sensata. O inverno em breve cairá sobre nós. Precisamos nos abastecer, arranjar comida para sobreviver, e não guerrear. E nos manter unidos. Nunca se sabe quando os Outros poderão voltar, o inimigo real.
- Os Outros não são vistos desde a Longa Noite... - Murmurou Lorde Cerwyn. Os vagantes brancos, ou Outros, como eram mais chamados, era uma raça maligna que outrora invadira o Norte durante a Longa Noite. Eles se assemelhavam à um cadáver, de frios olhos azuis, e podiam reanimar os mortos. Para detê-los, foram precisos anos de sofrimento e a união de todos os povos nortenhos. Após sua derrota, o lendário Brandon, o Construtor, o primeiro Stark, havia construído uma Muralha de gelo e magia, de duzentos metros de altura, para proteger todos os reinos contra o Inimigo. Desde então, a Patrulha da Noite, ordem da qual o irmão mais velho de Theon, Brandon Stark, fazia parte, patrulhava a Muralha, e houveram poucos relatos sobre os Outros.
- Vocês sabem tanto. No entanto, não sabem nada. - Disse uma voz velha e não-humana. Wettaga, o ancião, era um filho da floresta, uma raça pequena de pele acizentada, do tamanho de uma criança, conhecida pela sua sabedoria. Wettaga possuía olhos brancos como troncos de árvores-coração, e os cabelos e pinturas no rosto da cor vermelha das folhas dessas árvores. Estava entre os mais sábios e antigos de sua raça. - Os Outros perderam uma batalha durante a Longa Noite. Unidos, nós, humanos, gigantes e filhos, os derrotamos. Mas o Inimigo recupera suas forças. Nas sombras, o mal cresce novamente, alimentado pela nossa discórdia.
Lorde Otherway pareceu interpretar aquilo como uma deixa para falar. O homem vestia um traje de couro negro, com o símbolo do olho azul sob um fundo negro estampado. Seu clã descendia de heróis da Longa Noite, que usaram magia para combater os Outros, e tinha reputação ruim entre os lordes do Norte. Os Otherway eram chamados de feiticeiros, e coisas piores. A sede dos Otherway, Vila das Sombras, era a mais próxima da Muralha.
- Há histórias estranhas. - Disse Otherway. Sua voz era grave e profunda. - Rumores de viajantes sobre sombras com olhos azuis nas estradas, e cadáveres se levantando de seus túmulos. Não se enganem, bravos companheiros. Os Outros nunca foram embora.
Um silêncio desconfortável pairou pelo Grande Salão. Cedran Flint parecia satisfeito, e quebrou o silêncio com sua voz esganiçada:
- Não vêem, amigos? - Disse Lorde Flint, que parecia insistir em julgar que alguém naquele Salão era seu amigo. - O caminho é a paz! Todos nós perdemos gente nessa guerra. Eu perdi meu próprio pai, que os Deuses me ajudem. E o Rei está morto!
- Meu irmão está morto... Mas nós temos um Rei, Lorde Flint. Theon é o Rei do Inverno. É bom que se lembre disso. - Disse a tia de Theon, Alys, a única mulher no Salão. A irmã do pai era uma mulher de trinta anos, ainda bonita, com uma mente aguçada e vontade férrea. Era chamada de a "Loba Indomável", pois recusara todos seus predentes, preferindo governar ao lado de Beron do que dar filhos à um lorde qualquer. Theon gostava da tia, e confiava nela como seu braço direito. Ela se sentava à direita de Theon, enquanto à esquerda se sentava Robar Shawder, o capitão da guarda. - "O Norte se lembra", diz o ditado, mas às vezes os nortenhos têm memórias tão curtas... - Alys completou, dando uma risada infeliz.
- Não questiono isso, senhora. - Disse Cedran. - Eu jurei lealdade ao seu sobrinho como todos nossos amigos aqui... Mas um Rei deve proteger seu povo!
- E também vinga-lo. - A voz agora era de Arstan Snow, o warg. Theon viu que várias pessoas franziam as testas, enquanto alguns poucos o escutavam com admiração. As opiniões em relação ao bastardo de Toca do Lobo eram diversas. Ele se levantou, como se fosse dizer algo importante, e todos se calaram para ouvi-lo. - Já enviamos grupos de reconhecimento para procurar o exército que marchou contra Forte do Pavor. Só encontramos cadáveres. Entre os cadáveres estão seu pai, Flint. Os seus dois filhos, lorde Cerwyn. O seu irmão, lorde Otherway. E o nosso falecido Rei Beron. Os desaparecidos são incontáveis: Ayla Cerwyn, Lyon Condon, Cirrag e Donal Locke, Mance Crofter, Rickon Stark e o nosso General, Rodrik Stark, sem falar de muitos outros heróis e guerreiros famosos. Eles podem estar vivos, ou não. Não sabemos. Mas sabemos de uma coisa: todos nós fomos TRAÍDOS!
Um murmúrio passou pela multidão. Theon reparou um tênue sorriso no canto esquerdo dos lábios de Snow. "Ele quer semear alguma coisa. E a terra já está preparada".
- Eu digo que foram os Flint! - Rugiu lorde Cerwyn. - Esses covardes só desejam se ajoelhar e chupar as bolas do Rei Vermelho!
Cedran Flint estava vermelho.
- Isso é um absurdo! - Gritou. - Não vêem? Ele está confirmando a traição de sua família! Foram os Greystark, meus amigos!
Quem interrompeu a discussão foi Alys Stark:
- Você diz que os Greystark traíram-nos, jovem Snow? - Perguntou à Arstan, provocando-o. Embora tenha dito isso suavemente, Aly enfatizou a palavra "Snow". Snow era o nome dado à todos os bastardos, filhos ilegítimos de lordes, no Norte. Theon percebeu que os olhos de Arstan brilhavam de fúria. O bastardo de Toca do Lobo não gostava de ser lembrado que era um bastardo.
- Senhora, temo que um Conselho de Guerra não seja lugar para uma mulher. - Revidou Arstan, deixando sua raiva transparecer. Alys respondeu à provocação com um sorriso. - Analise os fatos da guerra se não acredita em minha palavra. Até a batalha que ocorreu nas Terras Vermelhas, a guerra estava ganha para o Rei do Inverno. Aos Rei Vermelho, só restava o apoio dos Umber de significativo, enquanto Beron tinha a maior parte do Norte ao seu lado. Como você acha que o jogo virou de uma hora pra outra?
- Não sabemos o que aconteceu nas Terras Vermelhas. - Interveio Robar Shawder. - As marés da guerra podem mudar a qualquer hora. Rei Beron tinha os números, mas o Rei Vermelho pode ter preparado uma armadilha.
- A história que conheço é outra. Bravos guerreiros, e.... - Ele redirecionou o olhar à Alys Stark. - Brava Lady. Como bem sabem, eu sou filho de Lorde Harlon Greystark, senhor de Toca do Lobo, logo, tenho o sangue Stark em minhas veias.
- E também o sangue de uma puta... - Murmurou Lorde Cerwyn. Arstan o ignorou.
- Eu nunca trairia meus primos, nem meu legítimo Rei. Quando Rei Beron convocou os vassalos para ir à guerra, Toca do Lobo não respondeu ao chamado. Meu pai tinha outra coisa em mente: traição! Ele me enviou para Winterfell, pra que ninguém dissesse que os Greystark haviam recusado atender ao chamado do Rei do Inverno, mas às escondidas, como uma cobra traiçoeira, meu pai mandou suas tropas principais para o Norte, para ajudar o Rei Vermelho, como Lorde Flint nos relatou. Dessa forma, meu pai pegou o exército do Rei Beron desprevenido. Ou seja, Harlon Greystark é o responsável pela morte de todos nas Terras Vermelhas.
Os rostos no Salão se tornaram sombrios. Se Harlon Greystark tivesse de fato virado a casaca, agora o Rei Vermelho duplicava seu poder.
- Eu não compreendo. - Falou Robar Shawder. - Harlon Greystark era um antigo amigo do Rei Beron.
- Amigos se tornam inimigos com a mesma facilidade com que reis declaram guerras. No momento em que lhes é conveniente. - Respondeu Arstan, com aqueles seus perigosos olhos brilhando. Agora se parecia muito com o lobo negro que Theon havia enfrentado na pele de Inverno. "O que você quer?", Theon desejou perguntar.
- Você trairia sua própria família? - Questionou Lorde Three.
- Família? Esquece-se, sou um bastardo. De qualquer forma, meu rei vêm antes de minha família.
- Se isso é verdade, por quê não avisou à esse Rei da traição que sua família estava prestes à fazer? - Questionou Alys.
- Ah, eu contei, doce senhora. Rei Beron não acreditou em mim. Não acreditou que seu amigo de infância pudesse trai-lo. Desconfiado, ele me deixou em Winterfell sob o olhar de Robar Shawder, e me fez jurar que não faria tais acusações à mais ninguém. - Ele deu de ombros. - Mas agora ele está morto, e de que valem os juramentos feitos à um morto?
- Muita coisa... - Resmungou Wettaga, o ancião dos filhos, em reprovação, mas a maior parte dos homens não deram ouvidos ao velho filho da floresta.
Daquela vez, Theon não conseguiu se segurar, e perguntou, olhando diretamente para o Snow.
- O que você quer?
O bastardo pareceu surpreender-se com a fala do Rei, sem rodeios, assim como todos os outros. Theon ficou nervoso com os olhares, mas tinha de enfrenta-los. Encarou Arstan nos olhos, assim como dois lobos gigantes haviam se encarado mais cedo. "SUBMETA-SE".
- Ora, Majestade. - Respondeu Arstan. - Eu quero a justiça. Sangue aos homens que mataram seu pai. Eu sei que todos lordes aqui sofreram grandes perdas, e não desejo que seu povo sofra mais. Porém traidores não devem passar impunes... Para atacar Toca do Lobo, é preciso alguém que seja descartável. Alguém capaz, com homens bons e descansados, que conheça os pontos fracos do castelo. Por acaso eu sou o homem ideal para tal tarefa. Permita que eu leve meus Lobos do Warg, que eu invada as Muralhas de Toca do Lobo e tome o castelo para você. Em troca disso, a única coisa que peço é sua gratidão. E também o castelo de Toca do Lobo.
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