Cap 24 - Traium, Gailo e a Torre Alfa
Ádria: satélite natural de Galácena, usam-na como medida de tempo
Dunas: forasteiros, pessoas não galaceanas
Encontro de Taurim: reunião anual dos conterrâneos da SOTE
Pragas-vivas: termo esdrúxulo usado por Traium aos dunas
Vox: dom cuja voz alcança longas distâncias
O fim da manhã se aproximava no planalto de Magtita. A repulsa de Traium Terók para com os dunas ardia em suas veias feito o sol do meio dia. Os ataques travados desde o tempo do pai, Taurim, haviam se tornado enfadonhos a ele. Prender ou expulsar as pragas-vivas já não o estimulava.
Para purificar o amado lar, esses desaventurados precisavam ser aniquilados de vez. Afinal, considerava-os de um grau bem menos importante. Em seu íntimo, entretanto, conservava um segredo também imoral e hostil; um desejo ardente em capturar certas "celebridades" responsáveis em difundir a miscigenação, cujo resultado ia contra a proposta de expurgação de Galácena.
Banir, a seu bel prazer e sem retaliações, quaisquer pessoas que julgasse necessário, era como um ingênuo e mirabolante sonho infantil. Algo muito complicado, no entanto, possível. De fato, poderia chantagear e imperar à vontade extrema sob o território inteiro, se não por um único, mas considerável, empecilho. Sempre de prontidão e disposta a salvaguardar galaceanos e dunas, sem distinção ou prioridade, a legião de Guardiões de Gala o afugentava.
Traiçoeiro e covarde, Traium se escondia dentro da SOTE, arquitetando burlar o sistema para atacar a SG. Esse era o caminho que o conduziria ao ponto culminante e sem volta, da vitória. Ele também se abstraia em um exagero à parte. Por ter se debandado ao outro lado, após ser acolhida de bom grado, uma pessoa em particular o irritava sobremaneira. A cobiça em exilar a guerreira mestiça Marguel Redin formigava a mente dia e noite, numa ânsia crescente em devolver à Terra, a filha de seu amor renegado.
Corrompido à princípio, quando Taurim baniu Sofia, o líder atual resolveu auxiliá-lo nas condutas ardilosas e excêntricas. Com os anos, tornou-se uma figura tão temível quanto adorada. Antes da separação das sociedades, entretanto, eram poucos a dar importância às suas frágeis ameaças juvenis. A ira desvairada, contudo, ampliada pelo poder conquistado após a morte do pai, difundiu-se numa velocidade espantosa. Traium revelou-se cruel e intolerante bem como o genitor, talvez até mais agressivo, conforme muitos julgavam.
Com suas fantasias, cujos intrusos tomariam os lugares, espalhando genes indesejáveis e quem sabe, um dia, expulsando-os do planeta, aterrorizava os próprios seguidores. Deturpados e enfurecidos com a ideia, vários destes o apoiavam nas atrocidades desmedidas, sem decoro ou piedade. E, assim, a tropa da SOTE encorpava o contingente rumo a uma contenção planetária, de intensidade imensurável.
Há algumas luas atrás, Traium os ameaçara novamente. Afirmando ter organizado um novo ataque, devoraria qualquer um que o impedisse de realizar seu objetivo. As palavras se faziam robustas, mas sabia que não intimidava dessa forma. Valia-se delas, porém, camuflando uma armadilha vindoura.
De maneira engenhosa, a conversa fiada iria se revelar sórdida e maquiavélica. A diferença, agora, era caminhar alinhado com a cautela.
Com os lábios esticados e os dentes à mostra, imaginou uma cena bárbara de uma guerra intencional que estouraria, sem aviso ou precedentes. Abolindo o fracasso ou sequer a hesitação, chegaria ao fim com aquele povo medíocre, visto que seu bando maquinava algo secreto, complexo e grandioso.
O ponto fraco dos inimigos seria tocado e abalaria as estruturas da SG de modo certeiro. O plano bélico, entretanto, engatinhava e a prudência em mantê-lo em sigilo era preciosa.
As informações obtidas na região norte do lago Palla, pelos dois melhores caçadores, estimularam-no a uma suposição vantajosa, assim pensava. Arquitetar o próximo passo era apenas uma questão de tempo.
Após uma perseguição acirrada, atrás de dois guardiões da Gala, o capitão Xark e o recruta Tomi, conseguiram a proeza de observar um local bem próximo a uma das passagens secretas criadas por Jalef. O único fato ignorado pela dupla fora de que Marguel Redin estava envolvida no incidente.
Com a nova trajetória se lapidando, Traium colocaria guardas em prontidão, camuflados na entrada do acesso. Bastaria algum desavisado se aproximar e falar a senha, para invadirem o mundo íntimo da SG.
Da torre mais alta do castelo, presenciava o vasto e nebuloso pântano Sherper, a contemplá-lo nesse lado da construção. O muro, alto e reforçado, recebia a água turva do lodaçal, a lamber serenamente as pedras e alimentar o limo nelas incrustrado. O acesso por sua extensão era impossível.
As demais laterais vinham arranjadas com sentinelas armadas até os dentes, atentos a cada movimentação suspeita. Seu domínio era uma fortaleza bastante protegida e que jamais foi ou seria invadida; ao menos essa era uma de tantas convicções arrogantes.
Admirando as redondezas do terreno, idealizava no prazer em viver num planeta de irmãos puros. Ao correr a vista, contudo, o inocente panorama da torre Alfa o provocou. Terminando em uma pequena mancha azul, cravada na linha do horizonte, a imponente Sociedade de Gala reluzia.
Apesar do império da SG estar ao alcance da visão, suas mãos nunca conseguiram se apoderar do lugar. A proteção despejada na propriedade o deixava possesso. Algo invencível e imutável e que nem o sucessor da SOTE, tinha permissão em alterar. Uma magia poderosa, vinda da união de Taurim Terók e antigos aliados, anos atrás, concretizando uma idealização.
Se o grupo envolvido se fizesse presente, a magia poderia ser desfeita. O que não vinha ao caso, já que dois deles haviam falecido. Tendo isso em mente, nada restava senão encontrar as malditas passagens secretas espelhadas por Galácena.
O intuito, à princípio, era salvaguardar a população de uma possível ameaça estrangeira. Bombas, lanças, flechas eram ineficazes se arremessadas de longe. O ataque poderia ser realizado apenas corpo a corpo.
O futuro, então, pregou-lhe uma peça amarga, quando Jalef tornou o castelo refúgio dos dunas e simpatizantes; justo o tipo de gente que a maioria dos aliados queria longe. E os guardiões não economizavam energia em defendê-los.
Como poderia ter convivido e aturado aquele pessoal por tanto tempo? E pior, ignorando o próprio pai, por puro capricho? Por amor um rebelde? Por que o conceito de purificação do planeta não amadurecera anos antes, enquanto Taurim encontrava-se vivo? Não tinha dúvidas de que teria sido diferente se tivesse aceitado e o apoiado nos inícios das perseguições. Aliás, isso corroía os pensamentos sempre que relembrava das discussões acaloradas, algumas violentas com o genitor. Agora, embora sozinho e dono de si, o passado o instigava a persistir numa revanche, regada a rancor, crueldade e satisfação.
Em meio às incertezas, a vida apresentava-se razoável com o exército subordinado inteiramente a ele. Os estudantes e demais conterrâneos seguiam as instruções à risca; não havia espaço a questionamentos, nem afrontas das escolhas que tomava; os conterrâneos compartilhavam de opiniões convenientes. Ao menos era dessa forma as apresentações ao chefe da SOTE.
Era costume, um pouco antes do meio dia, Traium subir a escadaria de caracol da Torre Alfa para admirar a vista; reorganizar as ideias vinha como uma consequência produtiva. Seu caráter sombrio aproveitava para se alimentar do poder que sentia em estar no alto. Também apreciava o silêncio, recepcionando-o ao término dos degraus, todas as vezes que se isolava lá. Sequer os pássaros ousavam exibir as penas coloridas no local. O ponto tornara-se questão de vida ou morte aos plumados, após o sujeito fazer várias vítimas com uma recreação cruel. A exceção audaz era o vento encorpado, revestindo o atrevimento na bandeira hasteada no topo do telhado.
Presenteado por conterrâneos, Terók fumava um cachimbo de ervas trazidas de terras distantes. A Sociedade Lenar, instalada ao sul de Galácena, era considerada aliada em questões filosóficas, embora nunca tivesse firmado compromissos invasivos contra a SG.
Entre uma tragada e outra balançava a cabeça, espremendo os olhos castanhos e miúdos; as rugas acusando um rosto envelhecido em acidez e rancor. Ambicioso e desafiado pelo ponto azul, cogitava invadi-lo de diversas formas. Pairava o olhar hostil no horizonte, em busca de uma solução prática, quando, por uma discreta pigarreada, sua atenção se desviou:
_Hã, hã... – Senhor, perdoe-me o incômodo, mas tenho urgência em lhe falar.
A voz, rouca e fraca, pertencia ao braço direito de Traium e reclamava forças a cada palavra mencionada. Ainda que fosse um vox, no momento poupava energia.
_Diga Gailo, o que quer? – Disse calmo, apesar de carrancudo, tragando profundamente uma última vez e pousando o fumo na mureta. – Sabe que não quero ser interrompido aqui em cima!
Ostentando uma aparência desgastada, mesmo com pouco mais de 40 primaveras, o meio-irmão dobrou a coluna em sinal de submissão, desculpando-se pela inconveniência. A feição copiava-se no déspota, com nariz, testa e sobrancelhas similares. A diferença eram as olheiras profundas e a boca pendendo para baixo.
Confidente do chefe da SOTE, fora o único entre três concorrentes a ser definido por Traium para ocupar um cargo de confiança. Salientando-se, inclusive, entre os irmãos legítimos, Huyg e Osfa.
Gailo compartilhava quase todos os flagrantes do poderoso galaceano: vitórias, fracassos, projetos, decepções, alegrias,... Auxiliava-o na elaboração de ataques a desprotegidos, bem como na prisão ou exílio de rebeldes. Era responsável também pela fiscalização da disciplina do batalhão, ordenando direto aos comandantes. Em conjunto com o capitão Xark, assessorava inclusive na escolha de novos integrantes da tropa. Tantas responsabilidades acabavam por deixá-lo em um esgotamento mental visível a qualquer um.
A exceção da família Terók era Jalef. Homem de feição pacata e fala mansa que havia fundado a Sociedade de Gala e anexado o maldito castelo azul a ela. O restante, se afundava na mesquinharia, com suas vidinhas simplórias, desejando apenas vingar a morte do patriarca Taurim.
O esforço e a dedicação de Gailo, contudo, eram recompensados com a confiança do líder da SOTE e, claro, pelo tilintar de um bolso cheio.
_Espero que seja de fato urgente o comunicado – tornou a falar, encarando-o de modo enérgico. A fúria tomando conta do semblante, refletindo no olhar penetrante e vivo. – Sabe que não admito conversa fiada, principalmente aqui.
A ele, quaisquer conversas que excluíssem capturas, banimentos ou invasões dos domínios do tio era considerado assunto trivial.
_São de suma importância, senhor! – Respondeu o meio-irmão com rapidez, permitindo-se um sorriso amargo ao final. – Os entregadores estavam bem ansiosos quando chegaram.
_E o que trouxeram? – Questionou interessado, virando o corpo a Gailo. – Alguma praga-viva?
_Não, não, é algo melhor – cogitou o subordinado sem hesitar e com a voz menos embargada. – Confiaram-me uma pequena carta... um momento.
Desdenhando a resposta, Traium tornou a fechar o rosto. Como, em sã consciência, um pedaço de papel poderia ser melhor que prisioneiros insalubres?
O bastardo, sem demora, apalpou as vestimentas em busca do prêmio, tirando do bolso do sobretudo preto um discreto pergaminho enrolado em uma fita dourada. Entregando ao chefe, aguardou a autorização para permanecer ali.
Apanhando o documento, Terók o alongou com gentileza, sem disfarçar a ansiedade da leitura. Os olhos arderam em cada palavra alcançada. Sem imaginar o motivo, o confidente viu o homem, temido e poderoso de Galácena, estremecer. Se de angústia ou alegria, não pôde definir. Ele, apesar de curioso com o teor da mensagem, pôs-se em seu silêncio submisso.
Refletindo, em minutos, o déspota amassou o papel, voltando-se ao ponto azul cintilante. O sarcasmo, rodeando-o com ousadia, fez o rosto retorcido de antes, ceder espaço a uma feição vibrante e jovial. Estava satisfeito com o comunicado, disso Gailo tinha certeza.
_Nosso emissário enviou notícias internas daquele chiqueiro – iniciou ele indiferente, apontando com o queixo em direção ao norte. – O tempo de calmaria está se esgotando à manada de ingratos, meu caro. E espero que todos estejam preparados!
Com a aspereza de sempre e, enterrando um olhar violento no meio-irmão, o galaceano se referia à prontidão do exército da SOTE.
De súbito, o subordinado anuiu com a cabeça, engolindo o medo. Sentindo, porém, não ser o bastante, respondeu conquistando um tom robusto, apesar de constatar a garganta seca:
_Os soldados estão prontos e dispostos a sua vontade, senhor.
A postura silenciosa de Traium, acusava o fim da conversa. Gailo, então, tratou de se retirar do local, após inclinar o corpo como reverência. Com cuidado, ante o chão de pedras irregulares, investiu alguns passos para trás.
_Um momento – ponderou Terók, observando-o com interesse. – Ainda não o liberei.
Os batimentos aceleraram com o sobressalto, embora não demonstrasse qualquer desconforto. Se recebesse uma repreensão, decerto seria injusta. O líder, entretanto, esticou a mão, entregando o pergaminho enrugado.
_Obrigado! – Respondeu o homem, saboreando o reconhecimento de lealdade e aliviado com a conduta do mestre.
Pegando a bolinha de papel, desdobrou-a sem rasgar, devorando-a em seguida.
Ao reler a mensagem, sentiu o ciúme latente virar uma indignação crescente ao ler uma palavra em especial. Aquele maluco atreve-se a escrever como se fosse da família, pensou Gailo pressionando os maxilares.
Ele, deixando de lado a aversão ao cidadão, prestou-se a observar com atenção detalhes importantes da carta. O coração palpitou ao se ater à data: Quarta Ádria Cheia do ano.
O bilhete era fresco, deduziu unindo as sobrancelhas, ainda surpreso com a intimidade presunçosa do informante. Endireitando-se, correu a vista, decifrando outra mais sagaz, envolta num semblante ardiloso. A lua Ádria estava completando a metade da fase, portanto Tolk havia escrito dias atrás.
Uma mescla de anseio e contentamento agitou o corpo mediano, pois a chance desejada em conduzir seus homens a um combate real, estendia-se num curso acelerado. Traium acenou com a cabeça, compreendendo o meio-irmão. Um sorriso estreito fê-lo ter certeza disso.
O que ele não detectou no chefe da SOTE, contudo, foi a única ressalva a intimidá-lo por dentro; um segredo que levaria ao túmulo, confiscando até mesmo do galaceano ao lado. O confronto com a ex-pupila despertava um sentimento involuntário, corrosivo e de gosto amargo. Acordava um fantasma do passado. Não seria a primeira ocasião em que a guardiã o enfrentaria, pensou. Afinal, Marguel, ao completar 13 primaveras o abandonou. Juntando-se ao rebelde do tio, Jalef, associou-se aos amantes da miscigenação e, agora, segundo Tolk, armava alguma hostilidade contra ele.
Se bem a conhecia, estaria na linha de frente; pronta a defender seus interesses desonrosos para com Galácena. Talvez derramasse uma lágrima, ao vê-la sucumbir, assim como o próprio pai fez com Sofia; ou sentisse pena, livrando-se, enfim, do peso que carregava por ter aceitado o banimento da amada. Isso, descobriria com o avanço do tempo.
Mesmo depois de tudo o que fez por ela! – Os pensamentos de Gailo o açoitavam ao notar uma hesitação ganhar o semblante do chefe. Afinal, quem mais o colocaria em posição de dúvida? – Híbrida ingrata!
Num momento de revolta, sentiu vontade de picotar a mensagem. Conteve-se, entretanto, esticando o lábio minimamente e, devolvendo o papel ao mestre, mostrou uma característica muito apreciada por Traium.
_Reúna os generais e coronéis do exército – bufou Terók numa euforia maligna, apontando o dedo num pedido ameaçador, apesar de gostar do autocontrole de Gailo. – Convoque cada membro capacitado da SOTE a uma reunião extraordinária no Saguão dos Reis, antes do pôr-do-sol de amanhã!
Assentindo, sem arriscar emitir qualquer som, o braço direito arqueou uma sobrancelha. A euforia inicial do bilhete se dissipando, agarrada a um passado distante, doloroso e sem volta. E uma dúvida incubada sobre tal evento, aguçando a curiosidade do homem.
Imagens e frases conturbavam o déspota, fazendo-o escancarar seu famoso sorriso maquiavélico. Dentre algumas semanas aconteceria uma memorável reunião, porém a chegada da carta reveladora fez com que o galaceano se empolgasse, acrescentando o evento extra no calendário.
Decidido e enfurecido, ele finalmente viu-se alcançando o ponto crucial para encabeçar o combate, tão esperado quanto assombroso. E não seria uma mestiça de araque a impedi-lo de purificar o planeta.
_Quero todos presentes, pois decidirei quem participará do Encontro de Taurim – vociferou mais uma vez, apertando e sacudindo o cachimbo, espalhando um pouco do pó pelo ar. – Aliste, inclusive, os estudantes acima de dezesseis anos.
Vibrante, o meio-irmão acenou com a cabeça feito uma criança obediente à mãe e, já descendo os primeiros degraus da escada, recebeu outra ordem:
_E diga aos convocados, a formarem o conselho do exército, que qualquer ausência será motivo de severa punição!
Finalizando satisfeito, agitou uma das mãos para que Gailo sumisse.
Novamente sozinho, Traium retornou ao cachimbo, buscando serenidade em cada tragada. Dono de um semblante feliz e sarcástico, reprisava o ponto azul brilhante, imaginando o fim dramático daquela sociedadezinha de araque e de todos os simpatizantes. Talvez poupasse as crianças menores, mas apenas as galaceanas puras, assim em poucos anos, teriam novos membros compondo o seu exército.
Repulsa, medo, satisfação, devoção, eram alguns dos sentimentos a impelir o comparecimento no Saguão dos Reis. Ausentar-se a um chamado de Terók era um atrevimento desnecessário.
Ao aguardo, comentários e boatos multiplicavam-se, candidatos a uma explicação do motivo da reunião.
Apesar do local ser imenso, num escasso intervalo de tempo já não havia mais assentos disponíveis e os últimos participantes tiveram de permanecer em pé, nos fundos. Dois corredores se formaram com a disposição dos bancos de madeira crua, cujos encostos almofadados ofereciam certo conforto. Grandes vitrais permitiam entrada da luz natural, refletindo pontinhos coloridos no piso perolado. O teto, abobadado, ancorava figuras de serpentes, descendo entrelaçadas duas a duas, iluminando o ambiente à noite. Finalizando, colunas de mármore branco sustentavam a construção, elevando o lugar a um dos mais belos da sociedade.
Acompanhando o humor ranzinza do líder da SOTE, o clima espalhava uma névoa baixa aos arredores, dificultando a movimentação no lado de fora.
Interessado, um vento bisbilhoteiro investia algumas rajadas violentas às janelas da construção. Chuviscos gelados e afiados feito pequenas lâminas se atiravam aos despreparados que arriscavam perambular a céu aberto. Notando a triste composição, o fato era que Galácena parecia não compactuar com os objetivos propostos à reunião de Terók.
Após o último vestígio de claridade desaparecer, uma luz intensa iluminou a mesa do discursador. Os participantes se defenderam em caretas e gestos escapando do incômodo espantoso. O Pré Encontro de Taurim, como Traium resolvera denominar, estava prestes a começar.
Uma figura pitoresca pôde ser verificada, assim que o brilho reduziu. De expressão séria, o chefe dava indícios de que algo novo e sórdido estava por nascer. Mal imaginavam a força e forma que tomaria, com o passar dos dias.
_A partir de hoje, senhoras e senhores – iniciou o déspota sem delongas, – reuniremos nossos esforços e destinos para, enfim, iniciarmos a tão esperada purificação do planeta.
A voz imponente, em meio à multidão, vibrava no coração e na mente dos presentes. Era poderosa e respeitada, fazendo com que todos o ovacionassem com o pronunciamento.
_Meus conterrâneos, vocês se perguntam o porquê dessa reunião exigida com urgência, – continuou interrogativo, após reivindicar silêncio ao erguer as palmas. – Pois farejo um cheiro podre, vindo daquela pocilga, chamada Sociedade de Gala.
Lançando frieza aos ouvintes, apontava com o dedo cadavérico à direção do inimigo. Os dentes trincados ao se dirigir à Jalef e sua trupe.
_Fontes seguras informaram de que estão se armando contra nós! – Disse exasperado, levando a mão ao peito num gesto teatral. – Contra a nossa soberania!
Com uma sagacidade nata, Traium perturbava as pessoas. Com frequência falava de maneira calma, contudo, no calor das palavras, as ideias queimavam o juízo dos galaceanos.
Inevitavelmente, murmúrios invadiram o Saguão dos Reis dilatando como uma onda gigantesca envolvendo cada presente. Interessado na essência das opiniões, Terók buscou captar os fragmentos de algumas frases.
Tramam algo grandioso! Considerou uma voz feminina. – Pode ser tão sutil, a ponto de não notarmos o ataque? – Retrucou um homem barbudo, de meia idade. – O que faremos? Precisamos nos defender dessa gente perigosa. – Retorquiu um senhor, colado à dianteira do chefe.
Muitos outros confessavam suas angústias, vontades e repulsas contra a SG, provocando no líder supremo uma satisfação inigualável. Percorria o caminho almejado, acompanhado por pessoas convenientes. Os olhos brilharam de prazer ao imaginar o desespero tomar conta das pragas-vivas, bem como àqueles que se opusessem aos seus ideais.
O descontrole gera caos e nutre-se com pensamentos desastrosos, feito gafanhotos a engordar das vísceras dos companheiros. Acenando com a mão, Traium lançou um clarão a fim de acalmar a plateia.
Tendo por rebeldes, apenas os raios e trovões impiedosos insistiram na bagunça, rasgando o céu de Galácena. A natureza rugia feroz, parecendo lamentar o por vir trágico ao qual mergulhavam.
_Esclareçam as dúvidas restantes com os assistentes que colocarei à disposição – informou, apontando a um quarteto de homens à esquerda; entre eles, Gailo. – Não permitirei objeção alguma a esse inevitável confronto. O tempo urge e nosso sangue clama por justiça!
Discursando com a determinação habitual, o chefe da SOTE mantinha-se inerte no palanque. Ovacionado com urros e aplausos, tracejou na face um sorriso torto e irônico; marca registrada que só ele sabia oferecer. Carregava a magnitude de um grande homem no semblante. Sua pequenez, contudo, arrastava ideais desprezíveis, perversos e comprometedores por onde passasse.
Espreitando pelo canto, observou o meio-irmão calculando o público maliciosamente. Ambos, eram os primeiros da fila no desejo em afrontar a gentalha da SG e seu líder incorrigível.
_Inconvenientes de qualquer natureza serão inaceitáveis! – Frisou numa feição malévola aos rostos abancados próximos. – Se não estiverem comigo, estarão com eles!
A linguagem incendiária e amedrontadora estapeava os ouvintes, acendendo o alerta e iluminando o caminho que deveriam seguir. O fato era que Traium caçaria os desertores com a mesma vontade que o faria com as pragas-vivas.
Vigiando-o, olhos miúdos ardiam em chamas, aguardando o momento oportuno. A aparência cansada transformando-se num aspecto temeroso ao se apossar do púlpito.
_Meus conterrâneos, a hora nos é propícia – iniciou Gailo numa animação sarcástica, dispensando o microfone. Sendo um vox, a entonação alcançava distâncias consideráveis. – Nada nos resta, a não ser darmos o passo fundamental à independência e depuração!
Dominando almas curiosas no saguão, o ilustre general pausou, aguardando o fim do frenesi de alguns entusiastas.
_Tenham certeza de que não nos pegarão desprevenidos! – Afirmou ao erguer o indicador, ouvindo a euforia crescer e reduzir numa oscilação passageira. – O alerta enviado foi escrito ainda nessa lua. Temos de agir! Não sabemos o que estão tramando, mas é contra nós!
_Nós, cidadãos dignos, de sangue puro, legítimos donos desse planeta! – Interferiu o chefe da SOTE numa intensidade quase bondosa. – A desonra daqueles se escancara e nos obriga a tomar uma posição!
Vozes acaloradas brotaram pelos cantos, injuriadas e atormentadas, decidindo por si o destino da SG. Quanto maior o alvoroço, melhor o convencimento e, assim, mais eficaz a lavagem cerebral à qual investiam.
Mantendo os punhos cerrados, o bastardo observou por cima do ombro. Surpreso, encontrou olhos acinzentados divertindo-se com o desenrolar da reunião. Algo além da postura áspera e rígida costumeira. A falha comportamental era raridade em Traium.
_O Conselho de Taurim se reunirá para listar, nivelar e julgar os adversários – prosseguiu Gailo enxuto, expandindo os ombros impondo um falso respeito no corpo esguio. – Que os chamados se apresentem com antecedência neste local.
Ele lançara uma análise fulminante a dois jovens desatentos, forçando-o a adicionar voz extra no discurso. O desconforto nos presentes refletiu em ouvidos tampados e vários semblantes carrancudos. Surtindo efeito, a dupla se calou, baixando os rostos envergonhados pelo comportamento. Contente com a desenvoltura autoritária, o meio-irmão tornou a se sentar, certificando que o silêncio imperasse no recinto.
Eventuais murmúrios se fizeram, enaltecendo o senhor de olhar agressivo e prepotente, quando este exibiu um papel enrolado, tal qual um troféu. O sorriso, retorcido e sarcástico, embalado na resposta. O pergaminho continha a lista dos integrantes do evento àquele ano.
_Antes de divulgá-la, quero lembrá-los de Taurim; homem ilustre e idealizador desta campanha magnífica! – Continuou o líder de modo implacável. – Foi um amante e defensor incompreendido de Galácena.
Falar sobre o pai era um dos seus passatempos favoritos. E quando tinha a chance, romantizava os ideais do galaceano.
_Há mais de duas décadas se despediu, deixando como legado inspiração e confiança! – Seguiu expandindo os lábios ao notar a empatia estacionada na plateia. – Agora, devemos honrar sua morte!
O salão se contagiou com rostos animados, aplaudindo o pronunciamento do chefe. Se era suporte que ele buscava, lá havia centenas de escudos e lanças prontos a defendê-lo.
Recompondo-se do teatro armado, Traium entregou ao bastardo a lista com os 50 participantes. Numa urgência ansiosa, leu o conteúdo, observando com interesse a reação dos contemplados. A voz robusta não negava a linhagem dos Teróks e cativava o público a cada nome descoberto.
Reverenciado, Gailo agradeceu, degustando o momento com apreço. Olhando com discrição ao meio-irmão, fantasiou ser tão importante quanto ele. Um grito eufórico, entretanto, esfarelou o transe momentâneo, apontando certa culpa no semblante acanhado.
_Hoje, convoco vocês a concretizar o sonho de meu pai – berrou o filho, erguendo as mãos, quase beatificando o sujeito. – Desinfetar Galácena!
Evitando possíveis tropeços, Terók considerou irrelevante a fama da SG. Amedrontar os desavisados e sonhadores era caminho ao fracasso. Os Guardiões de Gala eram uma arma poderosa, uma ameaça real, bem sabia e não deveriam ser subestimados. Preferiu abster-se, contudo, optando pelo triunfo, mesmo que este excedesse o bem-estar da própria SOTE.
O urro da multidão se arrastou por um tempo, sem mensurar a emboscada à qual mergulhava. E foi diminuindo até não sobrar ninguém.
Perdas são inevitáveis, simples assim, pensou o déspota esboçando satisfação ao observar os bancos vazios.
O que será que Traium 🔪🧨vai armar contra a Sociedade de Gala? Uma coisa é certa: ele se alimenta de rancor e desejo de vingança, cada vez que sobe na Torre Alfa🗼.
A seguir, acompanhem o último capítulo dessa jornada e descubra quais serão os escolhidos pelo Conselho de Glacídeo, a enfrentar a ira do déspota Terók.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro