Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Cap 23 - A Visão de Marguel


Após completar as sete primaveras na Terra, Marguel começou a barrar vozes indesejadas em alguns momentos. Após meses de preparação e fortalecimento, sentia-se confiante de que o dom viajaria consigo àquela manhã. No entanto, somente ao desembarcar em Galácena faria o teste final.

Observando o céu pela sacada do quarto, pôde jurar que até as nuvens lhe desejavam boa viagem. Debruçada no parapeito, fantasiou sobre quem encontraria primeiro e o que faria ao chegar no planeta. A dúvida de uma recepção chata, porém, amassou a garganta e engolir saliva ficou difícil. Espremendo a vista em direção ao jardim, reparou em um ninho na ponta do galho e pensou na própria moradia.

Voltou-se ao quarto e, ao ver a cama feita, escondeu os lábios na boca. Nunca mais leria seus livros sobre ela ou brincaria com as bonecas ou montaria suas casinhas,... Tudo seria diferente depois que fosse embora. Então, os olhos se encheram até borrar o palco que acolheu diversões e agasalhou prantos em diversas ocasiões. Contudo, era o que desejava desde que se conhecia por gente. Não andaria para trás por um medo bobo ou apego material. Enxugando a tristeza, bateu o pé no tapete.

"Adeus, meu quartinho" — abraçou a si mesma e, ao soar do relógio de pulso, deu um pulo.

— Vamos, vamos. São oito horas — agarrada ao corrimão como se a vida dependesse do ferro, esganiçou escada abaixo. — Hoje é o grande dia!

A euforia apressou os batimentos e o fôlego mal deu conta de preencher os pulmões. Custava a crer que em poucas horas pisaria em Galácena. Ao chegar na sala travou os pés e a respiração teceu um pânico interno ao revelar os traços fechados da avó ao recebê-la. Era uma neta mestiça e isso não poderia e nem iria esconder. Sabendo da aversão de Kaline ante o relacionamento dos pais, deduziu não ser diferente o tratamento para com meio galaceanos feito ela.

Ao notar dois rostos paralisados a frente, preferiu esconder o pensamento no fundo do cérebro. Sentimentos ruins — ainda mais de um passado distante — deveriam ser trancafiados em baús cheios de pedras e atirados ao mar. Riu de fininho com a ideia.

"Se me virem com medo, vão desistir e ficar na Terra."

Prevendo o risco de a operação infeccionar antes do curativo, guardou a lesão dentro do peito. Ao dar passagem a uma postura equilibrada, congelou os lábios num sorriso confiante e entrou na sala.

— Nossa! Olhem a hora! — Marguel encarou o relógio com as mãos coladas nas bochechas e rapidamente os puxou à cozinha. As cadeiras chiaram pelo piso. — Vocês precisam comer algo e de preferência doce. Palavras de Jalef!

Quanto maior o índice de açúcar no sangue, mais sutil o deslocamento, a voz do homem de chapéu ecoou na cabeça. Dando de ombros, apenas seguiu as instruções encomendadas pelo amigo do quadro e adicionou uma rosquinha de creme com granulado a cada um. Uma delas não aguentou o tranco e escorregou do prato. Ao esbarrar na tela, suspirou com a ausência da figura de túnica.

— Está bem, meu amor! — A mãe arregalou os olhos à menina ao se referir à eterna luta com a balança. — Farei uma exceção hoje! Parecem deliciosas!

O lanche matinal tomou pouco tempo. Antes das nove, o trio desocupou a moradia, carregando poucos pertences e muitas lembranças dos anos de banimento.

Observando pela janela do carro, Marguel se despediu do jardim que a acolhera em suas brincadeiras por tantas estações. As árvores balançaram em resposta — para lá e para cá — dando o último adeus.

Quando a casa encolheu e sumiu do alcance, acomodou-se no assento, asfixiando a mochila nos braços. Era impossível se desfazer, contudo, do sorriso ilimitado por onde vertia a felicidade.

— Eu vou antes, né? — Quebrando a frieza do ambiente, esbarrou em pupilas felinas pelo espelho retrovisor. — Jalef quem disse.

Embora de rosto corado, a voz se destacou solene e decidida como se o passado na Terra não tivesse importância. Fez disso um teste, pois atirou a primeira mentira — e esperava ser a única — envolvendo a viagem.

— Sim, filha — Sofia se virou à garota depositando a certeza em suas orientações. Seria inútil ir contra as palavras da menor. — Será a primeira.

A pequena notou uma ponta de desgosto nascer no semblante materno. O riso abatido de canto de boca era o de alguém que encontrou bolachas amassadas dentro da lancheira. Com a culpa alfinetando o coração, agradeceu quando a mulher se ajeitou no banco.

Encobrindo o suspiro na blusa, avistou as casas se apressarem do lado de fora. Os braços, ainda envoltos na mochila, sufocaram-na em dose extra. Se de confiança ou temor não soube discernir. Talvez uma mistura de tudo. Em seu íntimo, porém, mudar de ideia estava fora de questão. Além disso, acreditava que os pais avaliavam a situação da mesma forma. Entregando-se ao resto do trajeto, admirou o céu de brigadeiro. Logo, um fio de fantasia a arrancou do pessimismo ao cogitar o de Galácena se exibindo em uma cor diferente.

— Veja, mamãe! — A pequena achou graça, assim que a família estacionou na entrada da propriedade de Antônio Slar. — Tem alguém dormindo na varanda!

Após conferir as horas, achatou o nariz ao colar o rosto no vidro.

— Não, querida — ao descerem do carro Sofia bateu o olhar na vizinhança e gostou do que viu. Era cedo e as ruas estavam desertas. — É provável que ele esteja mergulhado em uma de suas divagações.

A menina ergueu a cabeça e franziu a testa. Talvez o nervosismo fizesse a mãe falar baixinho e difícil. Dando de ombros, adiantou-se até a cerca na ponta dos pés. Ultrapassando a altura, bisbilhotou.

Um senhor com metade do rosto coberto por um chapéu de palha cochilava junto do vaivém da cadeira de balanço. Julgou ser o tal galaceano que Jalef mencionara. Afinal, quem dormiria até as dez da manhã se não o dono da casa? Apertando a vista, supôs ser uma daquelas pessoas que se recolhe tarde da noite.

Tão logo o ferro protestou, os pais — arqueados feito velhinhos — cruzaram o portão de entrada. Chamar a atenção de algum vizinho abelhudo era última coisa que desejavam. A pequena foi entre eles, contudo, pulando uma amarelinha torta na calçada de mosaicos.

— Bom dia, Slar! — O terráqueo deu duas batucadas de leve na coluna da varanda. — Viemos ver Nylda!

Marguel riu do sono profundo ao qual o homem se dedicava, mas fechou a cara na sequência ao perceber os pais se entreolhando. O silêncio do local provocara um mal-estar nos adultos e ela viu o rosto do pai azedar. A cadeira de vime era a única a partilhar o som no ambiente, vívida no embalo sistemático de ir e vir. Sofia deu três passos à direção do dorminhoco e o piso rangeu. Congelando a centímetros do conterrâneo, escutaram um risinho sufocado escapar por debaixo do chapéu.

— Dia, famía! — O sotaque caipira amaciou o encontro. — Cêis istão tenso, hein?

De boca aberta e olhos paralisados, Marguel assistiu a figura pitoresca se espreguiçar a meio metro de distância. Levantando-se como se nada de importante estivesse a acontecer, abandonou o chapéu num banquinho para os cumprimentar.

Examinando-o da cabeça aos pés, concentrou-se primeiro no cabelo. Crescia escasso, em chumaços acinzentados próximos das orelhas. A vista miúda deveria trabalhar duro entre os fios da sobrancelha mais volumosa que bicho-cabeludo. Segurou a risada ao mirar os próprios pés.

Descendo o percurso, deparou-se com uma camiseta desbotada e torceu a boca ao chegar na calça de moletom. Erguida acima dos joelhos, revelava canelas finas e peludas. Concluindo a pesquisa — nada sutil —, agarrou as alças da mochila ao descobrir chinelos carregando unhas sujas e afiadas. De súbito, voltou-se ao pai ao imaginar o senhor rugindo feito ele. No entanto, ao ver Alex piscar numa negação mínima, relaxou os ombros.

— O senhor é daqueles piadistas, não é? — Deu dois tapinhas nas costas do homem. — Por pouco não acreditei na minha filha!

Sentindo a injúria paterna apertar o estômago, a garota pendeu a boca e cruzou os braços. Como ele ousava duvidar depois de tudo o que aconteceu? Engolindo uma saliva amarga, observou a mãe ao lado. Ao contrário do pai, exibia olhos brilhantes, cheios de interesse. Com nada a incriminando, Marguel inspirou a liberdade.

— Parabéns pela coragem, "minina" — ao se abaixar, Tom mostrou dentes aceitáveis em relação ao resto do corpo.

— Obrigada — erguendo uma vista magoada a Alex, seguiu com a afirmação que mais pareceu birra. — Serei a primeira.

— Claro, o qui ocê decidi — o galaceano acariciou a cabeça loura e a jovem deu um passo para trás. — Se o pai concordá...

A família se examinou na sequência e a criança estufou o peito. Interditar qualquer alteração no combinado subiria o grau do conflito. Apesar dos rostos desanimados, Marguel soltou o ar em pequenas doses ao receber uma dose dupla de aprovação.

— Tudo bem c'ocê? — Slar se apoiou nos joelhos, atirando um ar interrogativo na menina. Era raro receber crianças em casa, ainda mais uma tão especial. Uma que, a ele, era o símbolo da resistência. — Pronta prá cunhecê o ôtro planeta?

Com os pulmões cheios, Marguel prendeu o ar por segundos. Embora mordesse os dentes, anuiu sorrindo ao novo herói que, em definitivo, não estava dormindo e tinha uma fala esquisita.

— Por que não escutei seus pensamentos, se estava acordado? — A cabeça inclinada e as mãos à cintura denunciaram a questão com a falha do dom. — Estava tudo tão... vazio.

—Ah, eu contive eles. Bem aqui! — Deu uma piscadela e apontou à testa da garota. — Aprendi a defesa com o tempu. Nada fácil, mas muitu necessário! — Cobriu a boca como se contasse um segredo.

"Preciso aprender a fazer isso" — desconfiando que fosse telepata, lançou o raciocínio ao homem. A resposta não veio e, em troca, apenas sentiu uma parede de barro bloquear a investida. Ao ficar prensada nos olhos do sujeito, mirou ao chão.

— Tinha gente ansiosa em chegar aqui — Alex quebrou o gelo, expondo a dupla com o queixo.

— Sei — o anfitrião coçou a barba de três dias, analisando mãe e filha. A expressão fez a menina esconder meio corpo atrás da galaceana. — E a sinhora? Tá certa de quem vai premero?

A candidata promissora engatilhou a vista e, ao receber um aceno tímido, descruzou os braços. Experimentou a tristeza, porém, visitar-lhe a alma quando os olhos da mãe embaçaram; o coração deveria gritar no peito. Iriam para casa, mas a um custo duvidoso.

— Foi recomendação do professor — o terráqueo acariciou as costas da esposa, também laçado pela mentira da pequena. — E nossa filha — desentalou a garganta do pigarro — aceitou.

"Por que a criança antes?" — A mulher bufou e o pensamento alcançaram os ouvidos infantis.

Ao vê-la arremessar uma feição insatisfeita a Alex, Marguel engoliu em seco. Na sequência, ergueu o queixo, decidida em seguir com o cenário inventado.

— Foi ele quem mandou — reforçando a história com mais ataduras, as mãos sacolejaram a mãe num frenesi desesperado por aprovação. — E disse que vocês aceitariam... Sou a mais jovem e tenho...

As pupilas afiadas do pai atacaram-na num arroxeado e ela apertou os lábios. Sabia que o próximo passo seria o rugido nasal e detestava presenciar o ruído.

— Desculpe — disse de cabeça baixa.

— Bom, chega de prosa aqui fora, hein — Tom observou transeuntes desfilando na rua em marcha lenta. Estendendo o braço, indicou o interior da residência. — Vamu entrá.

Marguel considerou que a sala, apesar de limitada, era aconchegante. Dois sofás aveludados, uma TV, um rádio antigo e uma mesa de centro completavam a decoração. Ao notar um par de cortinas se esvoaçar para fora, correu defendê-las. Parando de frente à janela, o coração palpitou ao encontrar um clima enjoado; uma mistura de luz e escuridão que a fez espremer os olhos.

A manhã ensolarada sugeria o início de horas enérgicas, abastecidas por nuvens pesadas. Boquiaberta, reparou a aproximação da massa cinzenta; galopava a mil por hora. Embora fantasiasse ser uma advertência quanto aos planos do quarteto, resolveu manter a ideia em sigilo. Afinal, os adultos — em especial a mãe —, diriam ser fruto de uma mente fértil. Na pior das hipóteses, poderiam desistir.

— Está tudo bem, querida — Sofia analisou a formação no céu e um arrepio desceu pela coluna. Sem alimentar o medo da filha, afagou os cabelos loiros. — A tormenta não nos atingirá.

A menina seguiu a mãe no riso assim que a cortina escapuliu das mãos. Trazendo-a de volta, a mulher puxou a vidraça e o varão tremeu no teto. Marguel exalou um grande suspiro ao ter a perturbação presa do lado de fora.

Permanecendo de joelhos no sofá, assistiu Sofia se juntar aos homens e arriscou espionar pelo canto; a respiração lenta embaçou o vidro em sua patrulha solitária. Cravada num conjunto de margaridas histéricas, a visão cresceu e alcançou o carro do pai. Como um raio, correu até a calçada do outro lado da rua. E, em meio a uma multidão de folhas, dançando no pavimento, chocou-se com um par de olhos.

Embora o coração pulasse na boca, controlou os impulsos e afiou a vista. Uma senhora corpulenta avaliava a casa. O que mais a intrigou, no entanto, foi o fato de não se abalar com o temporal; nem mesmo o cabelo se afetava com a ventania.

Conforme os pingos começaram a despencar, supôs sua fuga imediata. Contudo, a tal espiã permaneceu espetada feito uma placa de trânsito no meio da calçada. Logo, o granizo engrossou e Marguel contemplou a estabilidade da suspeita se alongar diante de si. Estremeceu com a ideia de um fantasma e os pulmões trabalharam a pleno vapor. Era a única explicação. Com a chegada de um trovão, porém, deu um pulo e, na pausa, a mente sintonizou um pensamento.

— Mamãe, veja — tacando a unha no vidro, gritou o máximo que pôde. — Tem uma mulher na rua!

O desespero surtiu efeito e Sofia chegou num jato. Juntas, examinaram o espaço, apesar de encontrarem apenas galhos e folhas espalhados pelo terreno. O sol, inclusive, já descobria uma brecha por entre as nuvens.

— O que houve? — A galaceana encarou a filha, desconfiando ser o medo da viagem expondo uma reação exacerbada. — Não há ninguém lá. E veja, até o vento diminuiu.

Marguel vasculhou o entorno de onde avistara a miragem. Encostou a testa na janela, sem compreender o desaparecimento relâmpago.

— Eu vi uma pessoa lá do outro lado — decidida em anunciar a verdade, a voz exigiu maior atenção. — Ela estava olhando para cá!

A menina entrelaçou os dedos e se aquietou ao ver a mãe fechar os olhos. Sabia que não era descaso e sim uma investigação do perímetro. Adorava vê-la usando o dom Percepta. Captar o ambiente era sua especialidade e, na certa — sorriu com o pensamento —, descobriria quem era a valentona.

— Só há terráqueos em suas casas, mocinha — após projetar-se num raio de cem metros, acariciou a bochecha da menina. Em seguida, salientou num tom firme. — Nenhuma ameaça nos cerca.

Marguel colou o dedo na vidraça. Por um momento, achou que nunca mais o desgrudaria. Sem acreditar na resposta, não notou a boca abrir em câmera lenta até formar a letra O. Virando-se ao enigma da rua, enrugou a cara ao ver ninguém.

Alex e Tom apareceram na entrada do corredor e a garota os puxou com um aceno. Afinal, se houvesse alguém tramando contra eles, seria melhor avisá-los. Enterrando os narizes no vidro, espiaram em silêncio.

— Marguel jura ter visto uma pessoa nos vigiando — atrás dos três, Sofia prendia os punhos à cintura, convicta de que a atitude da filha refletia insegurança. — Não captei ninguém!

— Vamos lá fora — o transmutado arqueou a sobrancelha ao convidar o anfitrião. — Quero ver o estrago do temporal.

Dentro da casa, Marguel e a mãe acompanharam os desbravadores alcançarem a rua e de longe, viram Alex acenar num gesto tranquilizador. Largada no sofá, a menina aguardou por uma resposta positiva da mãe quanto à visão. Num último ensaio, a mulher se fechara ao mundo por mais cinco minutos.

— Não há ninguém — relaxou os ombros ao garantir a segurança pela segunda vez. — Talvez você tenha se confundido ou...

— Não — a queixa atravessada domou as lágrimas e ela pôs-se em pé. Seguiu com a mão batendo no peito. — Eu sei o que vi!

— Tudo bem, calma — a galaceana acariciou o rosto avermelhado e, sorrindo, amansou-a nas palavras. — A mulher já foi agora, não foi?

Marguel concordou e baixou os olhos, embora suspeitasse da convicção materna. Na certa, a mãe sabia ter algo de errado, apenas não admitia; ou o dom não lhe servia para nada. Sem querer arranjar confusão, guardou as suposições para si.

"Será que a imaginação dela avançou à realidade?" — Uma centelha de dúvida queimou dentro de Sofia. — "Se alguém estiver nos monitorando em segredo... Não posso descartar a possibilidade. — Mordeu os dentes e a imagem de Kaline castigou a memória. — Mas sem provas é melhor não causar alvoroço." — Se reorganizou num suspirou ao observar a filha distraída com alguns porta-retratos.

— Tudo tranquilu — o alquimista bateu palmas afastando o suspense ao entrar na sala. — Vamu lá atráis, na minha oficina.

Com Alex ao reboque, indicou a porta do corredor que dava acesso aos fundos do terreno.

— Não — a menina arfou os pulmões, desesperada como um gato escaldado. Resolvendo escancarar a verdade, não se importou se rissem dela ou se colocasse tudo a perder. — Tinha uma mulher nos espionando, sim! E eu também a ouvi! A tempestade foi culpa de-la!

— Calma, querida! — O terráqueo sentou-se ao lado e massageou os ombros franzinos. As pupilas verticais denunciaram a preocupação num roxo intenso. — Você pode estar impressionada com toda essa história de viagem. Ninguém, absolutamente ninguém, além de nós e Jalef, sabe a respeito do deslocamento.

— Se você quiser desistir ou adiar, nós entenderemos — de joelhos, a guardiã secou as bochechas da filha.

— Não, está decidido — desvencilhando-se dos pais, deu a volta na mesa de centro e firmou a ideia ao soquear a mão. — Vamos embora hoje!

De braços cruzados, ofegou com os três céticos parados a frente.

— Tudo bem, Marguel — ao puxá-la num abraço, Alex ofereceu um sorriso de canto de boca. — Pensando bem, talvez essa senhora estivesse ali, sim!

— Isso — compreendendo o jogo do marido, a galaceana esfregou as mãozinhas da pequena e concordou numa voz meiga. — E se houvesse alguém, com certeza já desapareceu.

— Vô trancá a porta, por precaução — Tom entrou no esquema acrescentando uma pitada crédito na criança.

Escoltando-o de soslaio, Marguel ouviu o estalido da fechadura e, então, cravou a vista ao chão. Acenando com a cabeça, ficou aliviada ao aceitar o reconhecimento dos pais quanto ao relato. Estava ciente, porém, que tinham uma pulga atrás da orelha. Mesmo assim, seguiria apostando no maior lance da vida.

— Venham cumigo, faiz favor! — Repetiu o gesto ao indicar o acesso ao quintal. — Você podi alimentá a Cali prá mim?

— Cali? — Expandiu os ombros com um interesse reluzindo no rosto.

— É minha gata — disse, chamando-a com um barulhinho. — Tá na hora dela cumê.

A menina estalou os olhos amendoados com a tarefa. Por adorar brincar e cuidar de animais, a hipótese de ser posta de lado se desfez em segundos. Soltou um ar de desdém, quando os três a deixaram com a bichana.

Enrolando-se em suas pernas, Cali ronronou e, assim que Marguel encheu o pote de ração, um cheiro de peixe cru embrulhou o estômago. Tampando boca e nariz, assistiu a gata devorando a refeição como se fosse um delicioso prato de macarrão ao sugo.

Após alimentá-la, afofou o pelo acinzentado e sentiu os bigodes fazerem cócegas nos braços. Por um momento, esqueceu do motivo de estar ali, importando-se apenas em mimar o animalzinho.

— Afinal, quem ou o que foi que Marguel viu? — Remoendo a fala da filha, o terráqueo entregou a gravidade do assunto num murmúrio e os três formaram uma rodinha. — Não vimos gente na rua. Nem uma viva alma.

— Verdadi — Slar apertou o queixo com os dedos, os olhos vidrados relembrando o cenário deserto. Se alguém os delatasse seria o fim de Nylda. — Mas a criança cismô tê visto uma muié e ocê disse que não captou ninguém. E agora?

— Eu alcancei cem metros — temendo um recuo, Sofia segurou o ombro do conterrâneo e a expressão séria validou a ação. — Não havia presença ameaçadora por perto. Só moradores da região.

Apesar de ser emotiva, a galaceana se transfigurava ao usar o dom. Ao sentir o poder emanar do corpo sintonizava-se feito imã a qualquer batida de coração; as maiores recebiam total atenção. Contudo, nos últimos dias, a imagem de Kaline amadureceu dentro de si. Sem dar importância, presumiu ser fruto da ansiedade de um reencontro. Afinal, há anos não recebia notícias da mãe.

O incômodo, porém, despontava com o dom da mulher. Ciente da habilidade, engoliu em seco e uma pitada de sarcasmo atiçou-lhe a garganta. Cravou os dentes no lábio ao cogitá-la bisbilhotando sua vida para, quem sabe, impedir seu retorno com a filha. Nunca a procurou após o banimento, nem ao menos para saber sobre Marguel. E, agora, ousava atrapalhar os planos?

Suspeitando ser, no mínimo, esquisito, preferiu deixar o assunto esfriar. O medo corroía os miolos e a ideia absurda decerto se aproveitara para amedrontar uma mente abalada. O ar chegou a pesar nos pulmões, mas ela arremessou a imagem da mãe para longe.

— Talvez a minina imaginô uma figura, um desenho da TV — apontando com o queixo à correria com Cali, o anfitrião salvou a conterrânea da angústia particular. — Sabe como é essa criançada...

Os três observaram uma surfista mirim deslizando pela varanda do quintal ao tentar capturar a gata. Àquele momento, parecia completamente despreocupada com o ocorrido na sala.

— Então, a máquina está pronta? — Alex esfregou as mãos, impressionado com um aglomerado de metal amassado num canto da oficina. — Quero conhecer nossa passagem secreta.

— Ah, sim — num tom orgulhoso, o alquimista agarrou a ponta de uma lona amarela. — Nylda tá esperano pelo lançamento. Me ajudi aqui.

Com um mínimo de esforço, os homens livraram a invenção do cárcere e a galaceana ergueu o lábio num sorriso meia lua. Por não ultrapassar nem mesmo sua altura, considerou a engenhoca um tanto modesta. Dando uma volta completa, reparou que o formato hexagonal tinha uma única janela na parte superior. Resmungou ao compará-la a um sarcófago ao invés das espaçonaves grandiosas, vistas nos filmes do marido. A exceção eram os três pés de apoio.

Assim que Tom abriu o compartimento, o casal escorregou a atenção ao interior da pequena embarcação. Sofia prendeu a respiração; a cabine também era simples.

"Como algo desse porte vai nos levar à Galácena?"

Com a dúvida ao reboque, passou a mão no assento e descobriu o conforto de uma poltrona. Havia um painel com botões verdes e vermelhos, protegidos por um acrílico transparente e uma tela que supôs ser para inserir as coordenadas do trajeto.

— Por que Nylda? — Provando uma pontada nas têmporas, a mulher se enrolou num papo furado. — Nome de alguma... namorada?

— Não sinhora — meneou a cabeça e um sorriso constrangedor corou as bochechas. — Batizei em homenagê à minha mãe. Apesar de ser metálica, é uma fia prá mim.

Ciente do fim trágico dos pais do alquimista, a guardiã se sentiu a rainha da estupidez. Numa tentativa parca em esconder o vexame, mordeu o lábio e arqueou as sobrancelhas. As desculpas vieram em seguida e, por um instante, notou a comoção visitar o semblante de Slar.

—Tudo bem — ele arranhou a barba, tranquilizando-a com um tapinha no ombro. — Só tem um problema. Cêis têm as coordenadas?

Os olhos de Sofia embaçaram ao ver a filha alheia à perturbação. Voltando-se ao marido, viu um campo equipado de quem confia na vitória minutos antes do torneio. Então, com o coração aos saltos, atestou a força retomar os nervos. Afinal, não poderia mudar de ideia só pelo aspecto da nave.

— Vai dar tudo certo, meu amor — Alex experimentou uma garra torcer e contrair o estômago. Atarraxou os maxilares com o momento temido por anos, os aguardando num formato hexagonal. — Temos de confiar.

— Aqui está — num misto de alegria e receio, entregou o código ao galaceano. — Marguel quem conseguiu.

— Entonce, o quadro deu certo com ela — Slar a provocou com um sorriso abobado e deu duas palmadas no metal. — Sua fia é porreta, igual a Nylda aqui.

Disfarçando o azedume da comparação, a mulher esticou um canto da boca; fora o máximo que devolveu. Marguel realmente era maravilhosa, não pelo dom e sim por ser quem era. Um nó tomou conta da garganta ao se imaginar distante do bem mais precioso, ainda que por pouco tempo.

O anfitrião pendeu a boca. Passando os dedos no maxilar, apertou o queixo com a mão. Os olhos miúdos intercalaram entre a mistura de letras e números e a criança brincando a alguns metros dele. De braços cruzados, Sofia aguardou por um pronunciamento, convicta de um tormento se apoderar do rosto do alquimista.

— Isso aqui é um troféu, tão raro quanto a mutação do nosso amigu — cheio de interesse, Slar observou as pupilas afuniladas ao lado. — Ocês tão certo de que ninguém, além nóis e o fessor, sabe disso, né? — Ergueu os códigos, acirrando a vista à menina. — Caso contrário, vamu nos estrepá feio!

Com o nervosismo sendo o carro chefe dos sentimentos, o casal se analisou parecendo devorar o pensamento um do outro. Depois de tanto segredo e cuidado, como alguém poderia conhecer as intenções de regresso?

— Jalef nos alertaria se alguém considerasse nosso retorno, Tom — estraçalhando a imagem da mãe, a galaceana içou o queixo imitando a confiança dos Teróks.

— Venha, Marguel — o terráqueo acenou, enquanto o inventor de Nylda digitava as coordenadas no painel. — Chegou o momento.

Devolvendo a gata ao chão, a criança se enfiou entre os pais. A guardiã sentiu a despedida doer como se tivesse o braço arrancado. Cortando a respiração, tentou se equilibrar. Choradeira só iria piorar a situação.

Embora os beijos fossem de angústia, ambos espremeram as bochechas da filha que riu com o gesto. Sentindo o nariz gelado encostar no pescoço, Sofia a apertou ainda mais.

— Não quero esquecer seu perfume — Marguel deu duas arfadas no cabelo da mulher e a silhueta da senhora misteriosa vagou na mente feito assombração. — Você vem depois, né?

— Vou na sequência, meu amor — ao ver os olhos rasos d'água darem um ultimato, beijou-lhe a testa. — Leve esse medalhão com você. Juntas para sempre.

A menina abriu o coração dourado. Havia uma foto da família tirada no dia da sua sétima primavera. Fechando o presente na mão, pendurou-o por debaixo da blusa.

— E coloque isso no bolso — a voz saiu rouca ao entregar um pequeno envelope. — Dê a Jalef, está bem?

A criança assentiu e subiu na máquina. Após prendê-la no cinto de segurança, Sofia deu-lhe um último beijo. Quase sem respirar, ajeitou as mechas loiras da filha atrás da orelha e deu passagem para o pai abraçá-la novamente. Ao espiar o choro reprimido do marido, a galaceana fraquejou e enxugou lágrimas de uma saudade momentânea. Compreendia, enfim, ser impossível ter mensurado a rigidez do calvário que viveriam àquela ocasião. Contra a vontade, puxou o terráqueo pela camisa e se afastou. Era hora de deixá-la partir.

Entrelaçados, visualizaram o recorte da filha na janela e o silêncio triunfou por minutos ao acenar algumas vezes — ao menos ela se esticava numa feição alegre. Sem mais lamúria, uma maresia corroeu os nervos da família mestiça em segredo.

Assim que Tom lacrou Nylda, uma névoa fina se espalhou dentro da cabine e, num ato involuntário, a guardiã se curvou para frente. De punhos cerrados e pescoço encolhido — como se experimentasse toda a dor do mundo — aguardava por um simples sinal de Alex. A um passo de abrir o compartimento, o transmutado a segurou pela cintura.

Em meio a fumaça, viram a menina gesticular as mãos até o branco se encorpar e recolher um sorriso tímido em seu interior.

— Tá tudo sob controle, Sofia — a voz de Slar saiu mansa, embora a expressão atenta vagueasse entre a nave e a mulher. — Ela já viajou.

Três corpos esperaram o desfecho, cada qual dono da própria apreensão. A galaceana manteve a respiração o mínimo possível para se manter alerta. Ao ouvir um leve rugido, espiou Alex pelo ombro e sentiu uma pressão nos braços. Julgou que contraía cada músculo para controlar o ser irracional, evitando de escancarar a máquina e arrancar a menina de lá.

Sofia bateu um dos pés com os intermináveis segundos até a neblina começar a condensar. O silêncio interrompido apenas com o ronronar de Cali. Alheia aos acontecimentos ao redor, passava a cauda nas pernas do tutor. Então, o trio pôde confirmar: a cápsula estava vazia.

— Deu certo? — Um riso azedo denunciou o óbvio e a guardiã provou uma pontada no coração. — Quero dizer, ela chegou no local combinado?

— Tudo indica que sim — a voz abafada de Tom veio de dentro de Nylda. Ao checar o painel, entretanto, constatou um desvio no trajeto da jovem. Cuidando em não demonstrar receio, preferiu calar-se e poupar o alvoroço dos próximos viajantes.

Será que a visão de Marguel foi real? 😮 Ou apenas fruto da imaginação aflorado pelo nervosismo de uma viagem perigosa?🤔

Nylda é uma invenção magnífica,🛸 mas será que cumpriu seu papel? E as coordenadas, foram o suficiente?

Uma coisa é certa, o próximo capítulo será de tirar o fôlego para a nossa jovem e guerreira protagonista! 📖




Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro